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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Terremoto em Berlim: Festival termina com caça às bruxas a cineastas pró-Palestina

Yuval Abraham (à direita) e Basel Adra recebem prêmio de Melhor Documentário por No Other Land durante a 74ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale), na Alemanha, em 24 de fevereiro de 2024 [John Macdougall/AFP via Getty Images]

A cerimônia de encerramento do 74° Festival de Cinema de Berlim (Berlinale) foi um ato comovente de solidariedade, com cineastas de todo o mundo expressando seu apoio ao povo palestino. O que transcorreu a seguir, no entanto, foi alarmante: a resposta cultural mais assustadora que este escritor vivenciou na Europa.

Uma tempestade antipalestina encabeçada por jornalistas e políticos alemães buscou atacar toda e qualquer voz que ousasse criticar Israel. O que testemunhamos não foi somente hediondo, desumano ou antiprofissional — foi claramente fascista.

Depois disso, é difícil imaginar como a cultura alemã pode reaver sua reputação imaculada.

O Berlinale buscou evitar disputas sobre Gaza desde o começo, ao selecionar somente um filme palestino para o programa paralelo Panorama, silenciar-se sobre um eventual cessar-fogo e relegar o debate às portas fechadas do projeto Tiny Houses — longe dos holofotes.

Protestos ocorreram ao longo do evento, contudo, contidos.

O que os organizadores não anteciparam foram os discursos dos vencedores, escolhidos por juris independentes. Estes foram um golpe contundente no âmago da cultura alemã e a resposta expôs mais uma vez as profundezas tirânicas às quais descendeu o país.

A diretora jordaniano-palestina Dina Naser vestiu um lenço tradicional (keffiyeh) e carregou consigo uma faixa com os dizeres “Cessar-fogo”, ao receber menção especial do prêmio Gerações, paralelo ao evento principal. Durante a premiação LGBTQIA+ Teddy, um membro do júri leu uma apaixonada declaração pró-Palestina.

A cerimônia oficial contou com sete declarações explícitas de apoio à Palestina de vencedores e membros do júri, incluindo um discurso do vencedor do Urso de Ouro, Mati Diop, que proclamou em alto e bom som: “Estou aqui, em solidariedade à Palestina”.

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A reação subsequente, no entanto, concentrou-se em duas obras. A primeira é o documentário francês Direct Action, que ganhou Melhor Filme na competição Encontros. O codiretor Ben Russell subiu ao palco com um keffiyeh e encerrou seu discurso da seguinte maneira: “Cessar-fogo já! Somos obviamente contra o genocídio”.

Diretora Mati Diop recebe Urso de Ouro, por seu documentário “Dahomey”, durante a 74ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale), na Alemanha, em 24 de fevereiro de 2024; ao seu lado o cineasta experimental Ben Russell com um lenço palestino (keffiyeh) [Monika Skolimowska/picture alliance via Getty Images]

O cancelamento de Yuval Abraham e Basel Adra

O segundo filme alvejado por detratores sionistas foi No Other Land, uma produção israelo-palestina que venceu Melhor Documentário.

Antes de entregar o prêmio aos cineastas, os membros do júri Thomas Heise (Alemanha) e Verena Paravel (França) falaram da realidade aterradora da ocupação israelense. “Não podemos mais negar o horror implacável e abjeto da ocupação militar ilegal israelense e seus assentamentos na Cisjordânia”, disse Paravel. “Que o mundo não feche os olhos a este filme”.

O discurso dos vencedores, logo a seguir, tomou as manchetes sobre o festival.

O diretor palestino Basel Adra atestou: “Milhares de meu povo estão sendo massacrados e chacinados em Gaza”. Então, pediu à Alemanha que “pare de enviar armas a Israel”.

Seu codiretor israelense Yuval Abraham foi ainda mais incisivo: “Em dois dias, eu e Basel voltaremos a uma terra onde não somos iguais. Eu vivo sob o direito civil e Basel vive sob a lei marcial. Vivemos a apenas 30 minutos um do outro”.

Eu sou livre para ir aonde que quiser, mas Basel — assim como milhões de palestinos — está confinado na Cisjordânia ocupada. Essa situação de apartheid entre nós, essa desigualdade, tem de acabar.

Então, tudo virou caos.

Resposta alemã

No dia seguinte, hackers invadiram a página do Instagram da sessão Panorama, postando mensagens como “Palestina livre, do rio ao mar” — um slogan por libertação nacional censurado pelo governo alemão. A administração do Berlinale registrou queixas penais contra os supostos hackers, até então desconhecidos.

Uma manifestação pró-Israel foi convocada para o último dia do evento, em frente ao Zoo Palast, antes da exibição de No Other Land.

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O prefeito de Berlim, Kai Wegner, da União Democrata Cristã, condenou os vencedores por sua “intolerável relativização” da matéria, ao difamar ambos como “antissemitas”. Wegner reivindicou da próxima administração do festival, chefiada pela curadora americana Tricia Tuttle, que “garanta que tais incidentes não voltem a acontecer”, ao alegar que “Berlim está firmemente ao lado de Israel”.

Destruição em Khan Yunis, após ataques israelenses, na Faixa de Gaza sitiada, em 8 de abril de 2024 [Ahmed Zaqout/Agência Anadolu]

Outros políticos influentes, como Joe Chialo, senador para assuntos de cultura, Melanie Kuhnemann-Grunow, porta-voz sobre políticas midiáticas do Partido Social-Democrata (SPD) e Daniela Billig, porta-voz sobre políticas culturais do Partido Verde na câmara legislativa, condenaram o festival por conceder uma plataforma a vozes anti-Israel.

Na segunda-feira, a ministra da Cultura, Claudia Roth, anunciou abrir uma investigação sobre a cerimônia de encerramento. Criticada por aplaudir o discurso de ambos os diretores de documentário israelo-palestino, a conta oficial de sua pasta insistiu à noite que havia aplaudido Abraham e não Adra — ao sugerir, portanto, um caso de racismo.

Na mesma noite, o Berlinale emitiu uma longa declaração sobre o encerramento, ao enfatizar: “As eventuais declarações enviesadas e militantes de alguns dos vencedores são uma manifestação de suas próprias opiniões pessoais e não refletem o posicionamento do festival”.

A codiretora do Berlinale, Mariette Rissenbeek, que encerrou seu mandato com o evento deste ano, no entanto, negou quaisquer acusações de antissemitismo, embora sem condenar os ataques à liberdade de expressão. “Os comentários dos ganhadores podem ter sido enviesados em sua embatia à população palestina que está sofrendo, todavia, não incorreram em declarações antissemitas ou que neguem o direito de Israel existir”.

Na terça-feira, Abraham revelou que uma turba de extrema-direita israelense invadiu a casa de sua família, ameaçou seus parentes e os forçou a fugir no meio da noite. Abraham revelou receber também ameaças de morte.

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“O chocante mau uso dessa palavra por alemães, não apenas para silenciar palestinos críticos a Israel, como para silenciar israelenses como eu, que apoiam um cessar-fogo para dar fim à matança em Gaza e permitir o retorno dos reféns, esvazia o próprio significado de antissemitismo e, portanto, põe em risco judeus de todo o mundo”, observou Abraham na rede social X (Twitter).

Minha avó nasceu em um campo de concentração na Líbia e a maior parte da família de meu avô foi assassinada durante o Holocausto. Portanto, é particularmente ultrajante que, em 2024, políticos alemães tenham a audácia de usar este termo contra mim, de modo pôr em risco toda minha família.

Quase cem cineastas israelenses, no entanto, assinaram uma carta de solidariedade a Abraham e Adra, entre os quais Ari Folman, diretor de Vals im Bashir (Valsa com Bashir), Nadav Lapid, vencedor do Urso de Ouro de Berlinale, e Eran Kolirin, diretor de Bikur Ha-Tizmoret (A Banda) e vencedor de Cannes.

A imprensa alemã foi feroz contra a ministra da Cultura e a administração de Berlinale. A rede De Welt foi ao ponto de entrevistar novamente parentes de israelenses mortos em 7 de outubro, no intuito de dar um verniz sensacionalista à cobertura do festival. Não houve qualquer menção, no entanto, dos 30 mil palestinos mortos até aquele momento pelo exército israelense em Gaza, tampouco das ameaças de morte a Abraham e sua família.

Atirando cineastas debaixo do ônibus

Membros da gestão do festival se disseram convencidos de que pedir um cessar-fogo não mudaria nada e que a apenas curadoria deveria falar de política em nome do evento. Entretanto, com a censura generalizada a vozes pró-Palestina na Alemanha, o chamado por Gaza se tornou inevitável, ao ajudar a romper um silêncio fúnebre sobre a matéria.

O diretor artístico Carlo Chatrian, também de saída, distanciou-se do posicionamento oficial da administração e teve seu nome notavelmente excluído dos memorandos de Berlinale divulgados após a cerimônia de encerramento. Desde seu sucesso com o Festival de Cinema de Locarno, na Suíça, o curador italiano promoveu diversos cineastas árabes, incluindo os palestinos Annemarie Jacir e Kamal al-Jafari; o tunisiano Kaouther Ben Hania, indicado ao Oscar; e a libanesa Joana Hadjithomas — entre outros.

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Chatrian se tornou um aliado acessível e comovido a cineastas árabes, sempre aberto a recomendações e disposto a apoiar novos talentos. Com a exceção da obra extraordinariamente crítica Shikun, de Amos Gitai, o cinema israelense esteve ausente no Festival de Cinema de Berlim de 2024 — uma espécie de declaração política indireta que não passou despercebida por parte da imprensa.

A história dirá se Chatrian poderia ter sido mais combativo em responder à censura imposta às vozes pró-Palestina, considerando talvez que a maioria dos trabalhadores do festival que protestaram contra convites deferidos a políticos do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) não esboçaram reação similar a Roth ou Wegner.

De todo modo, Chatrian deve receber o devido crédito, no entanto, por defender sim seus cineastas e a liberdade de expressão. Nas redes sociais, comentou: “O festival desse ano foi um espaço de diálogo e troca por dez dias. Todavia, uma vez que acabaram os filmes, uma comunicação distinta tomou conta, por meio de políticos e jornalistas, uma espécie de discurso que busca instrumentalizar e transformar em arma política o antissemitismo”.

Não importam suas convicções ou crenças políticas, devemos todos ter em mente que a liberdade de expressão é parte essencial que define uma democracia. A premiação no sábado, 24 de fevereiro, foi atacada de maneira tão violenta que pessoas tiveram suas vidas ameaçadas. Isso é inaceitável. Expressamos nossa solidariedade a todos os cineastas, jurados e convidados que receberam ameaças diretas ou indiretas e não recuaremos de nenhuma das escolhas de programação que fizemos neste ano para o Berlinale.

A declaração, vale destacar, não foi compartilhada pelo newsletter oficial do evento. Trata-se de uma posição pessoal de Chatrian, de modo que o Berlinale não defendeu seus cineastas até então; ao contrário, parece tê-los jogado debaixo do ônibus. Um pecado mortal do qual nenhum festival pode ser absolvido. Fica claro que o Festival de Cinema de Berlim não é mais uma plataforma democrática e inclusive que tanto diz ser.

Roth deve se desculpar por seu racismo e trabalhadores do evento devem se distanciar da ministra. A próxima administração deve acompanhar a deixa. Para Tuttle, a nova curadora, será uma batalha contra a corrente emendar relações com cineastas do Oriente Médio e, certamente, contratar um novo programador árabe ou muçulmano não basta.

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Berlim tem uma comunidade enorme, que abrange a maior população palestina da Europa. Essa população é marginalizada por um governo que escolheu silenciá-la e difamá-la abertamente muito antes de 7 de outubro.

Roth e seus asseclas se dizem de progressistas dentro do establishment. Mas isso se provou mais outra fraude. Embora os dias da ministra estejam provavelmente contados, aparentemente não há no horizonte uma opção melhor.

Como a nova gestão vai navegar nessas águas altamente tóxicas e moralmente comprometidas, enquanto diz defender cineastas e suas obras, será um enorme desafio. Evitar questões políticas, contudo, é garantir de o tiro sair pela culatra e deve levar ao boicote.

Os filmes

Keyk-e mahboob-e man (Meu bolo favorito, Irã)

Lamentavelmente, a tempestade política obscureceu uma seleção estelar de obras do Oriente Médio — uma seleção eclética e altamente politizada atravessando gêneros e estilos.

O Irã manteve sua tração em eventos internacionais de cinema, com duas das mais comoventes obras do Festival de de Berlim de 2024. A primeira é Keyk-e mahboob-e man (Meu bolo favorito), do dueto iraniano Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha.

Ao transcorrer em uma única noite de Teerã, essa comédia romântica um tanto agridoce relata o breve encontro de uma senhora solitária de classe média com um taxista.

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Moghaddam e Sanaeeha impregnam sua tragicomédia com mordazes comentários políticos, ao tocar em pontos da polícia de moralidade, da resistência das mulheres ao véu e da quase impossibilidade de um romance fugaz em um país no qual o regime permanece tão pervasivo e inquisitivo como nunca.

Meu bolo favorito é o segundo filme iraniano, feito no Irã, que este autor viu em um espaço de um mês com uma protagonista que não usa o véu, algo considerado um tabu desde a deflagração da Revolução Islâmica de 1979. O tabu também se desconstrói por representar um romance destinado a terminar em sexo. O vinho guardado em segredo pela mulher e a subsequente ebriedade do breve casal é também uma visão razoavelmente heterodoxa para o cinema iraniano produzido no país.

Ousadias políticas à parte, o que distingue a obra de outras peças é sua humanidade sensível. O conto delicado de Moghaddam e Sanaeeha é tanto atemporal quanto específico: uma meditação irresistivelmente charmosa e tocante sobre envelhecer e a necessidade irrepreensível de nos conectarmos com o outro. Meu bolo favorito funciona tanto com seu subtexto político, quanto com sua ausência — esta é sua maior virtude.

Sayyareye dozdide shodeye man (Meu planeta roubado, Irã)

Protesto contra a morte de Mahsa Amini, em custódia da polícia iraniana, em Teerã, em 19 de setembro de 2022 [Reprodução via Getty Images]

Outro filme de Berlinale que assumiu a questão do véu como elemento central foi o documentário Meu planeta roubado, de Farahnaz Sharifi — um diário que traça capítulos díspares da vida da diretora, desde seus dias na escola de cinema aos protestos que sucederam a morte de Mahsa Amini, assim como seu subsequente exílio.

Pontuada com uma narração poética, a obra de Sharifi compõe uma tapeçaria profundamente íntima sobre a dissonância entre memória pública e individual, sobre o dever ético de se registrar a história e sobre o poder de libertação do audiovisual.

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Composto de milhares de horas de registros compilados por Sharifi ao longo dos anos, o filme parece retratar o cinema como único ambiente para que as mulheres sejam quem verdadeiramente são, um registro das mulheres iranianas como eram e como não podem ser.

Para Sharifi, em seu contexto, o véu nunca foi uma mera peça de roupa recomendada pela lei islâmica, mas sim um símbolo do patriarcado e da supressão de sua autonomia.

Mé el Aïn (A quem pertenço, Tunísia)

A maior revelação da seleção do Oriente Médio foi Mé el Aïn (A quem pertenço), obra de estreia da cineasta tunisiana Meryam Joobeur, que concorreu na competição principal.

A história se passa em uma pequena aldeia no norte da Tunísia, em torno de uma pequena família em luto por seus dois filhos que se alistaram ao grupo terrorista Estado Islâmico (Daesh). A existência pacata da família se rompe quando um dos filhos retorna com uma esposa misteriosa e silenciosa vestida de burqa. A suspeita cresce quando uma série de assassinatos, todos envolvendo homens, abala a aldeia.

Como extensão de seu curta-metragem Ikhwène (Irmandade, 2018), A quem pertenço uni habilmente gêneros e narrativas distintas em um longa-metragem muito bem fotografado, nas cores da terra, como uma espécie de matrimônio entre o macabro e sobrenatural e os componentes oníricos do mestre americano Terrence Malick.

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Por vezes, uma ruminação sobre a resiliência das mulheres e o impacto da masculinidade tóxica sobre a estrutura familiar, A quem pertenço não é uma obra sobre o Estado Islâmico. Ao contrário, é uma obra sensível e delicada demais para oferecer um comentário político direto ou gratificações fáceis ao público. O que temos, em seu lugar, é uma experiência envolvente e hipnótica que recorre à psicologia em favor do imaginário figurativo.

Joobeur desconstrói o gênero de serial killer com sua essência filosófica, ao embuti-lo de uma nova vitalidade e reformular seu estilo imprevisível, embora imperativo.

Arrebatador em sua narrativa, surpreendente em seus pontos de virada e fascinante em suas composições, A quem pertenço é o primeiro grande filme árabe do ano, que marca a chegada de um talento único e genuíno.

hold on to her (Bélgica)

Igualmente engenhoso em sua forma é hold on to her, uma obra experimental do artista visual belga Robin Vanbesien.

O filme reconta o assassinato de Mawda Shawri, menina curda de dois anos baleada e morta pela polícia da Bélgica durante uma incursão contra um ônibus de imigrantes. Quarenta ativistas de raízes distintas refletem sobre o crime, ao denunciar o racismo do judiciário belga, a impunidade da polícia e a linguagem utilizada para estigmatizar estrangeiros.

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Registros da sinistra rota e da cena do crime evocam o assassinato, deixando ao espectador que monte o quebra-cabeça em detalhes aterradores.

O resultado é um relato perspicaz sobre a apatia da sociedade em relação às vidas marginalizadas: um estudo provocativo de como Estados que se dizem ilustrados racionalizam seu racismo por meio de seu sistema legal e da imprensa corrupta.

Shikun (Israel)

Se filmes fossem exclusivamente julgados por sua abordagem política, Shikun — obra mais recente de Amos Gitai — seria o vencedor absoluto. Como adaptação livre da peça Rinoceronte, de Eugene Ionesco a obra traz múltiplos personagens árabes e israelenses discutindo a supressão da culpa sobre os crimes cometidos contra os palestinos, ao passo que cresce o medo de um rinoceronte invisível — isto é, do “outro”.

Gravado antes de 7 de outubro, a obra é repleta da crítica contumaz de Gitai às políticas de guetização impostas pela ocupação israelense contra os palestinos, assim como ao nacionalismo cego que reflete a ascensão do fascismo na obra original de Ionesco.

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O discurso é franco e didático, expresso por uma pesada de simbolismos, monólogos teatrais e arranjos cênicos quase destituídos de estilo artístico. Shikun é uma obra política da velha guarda, talvez óbvia e derivativa, talvez um tanto exaustiva. O filme menos estético de Berlinale 2024: uma lembrança triste de que a arte não mais está no centro do festival.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye em 1° de março de 2024

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