Existe um evidente incremento das relações do Brasil com os países de maioria islâmica, árabes e do Golfo. Especificamente, neste artigo, abordamos o avanço nas trocas, assinaturas de convênios e possibilidades de investimentos e comércio bilateral entre nosso país e a Arábia Saudita. Abordemos algumas evidências deste processo.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, embarcou no sábado (1º de junho) para uma viagem a Arábia Saudita e China. O médico descendente de árabes foi liderando uma delegação brasileira de ministros e empresários que busca fortalecer laços, estabelecer cooperação em várias áreas e abrir mercados para produtos brasileiros.
Antes da viagem, Alckmin avaliou que: “Os sauditas têm demonstrado grande interesse em investir no Brasil, e a China é hoje o principal destino de nossas exportações. Teremos uma agenda intensa com autoridades, empresários e investidores e esperamos trazer na bagagem de volta bons acordos e boas perspectivas de negócios para as empresas brasileiras”.
Em Riad, na Arábia Saudita, houve encontro bilateral com o ministro de Investimentos, Khalid Al Falih, e com o ministro da Defesa, príncipe Khalid bin Salman. A agenda saudita incluiu ainda reuniões com empresários e fundos de investimento dos dois países, em que participam o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
US$8 bilhões por ano de fluxo comercial
O vice-presidente também assinou o acordo de cooperação em defesa com o ministro saudita Khalid bin Salman. O documento prevê o aprofundamento das relações entre o Brasil e o Reino da Arábia Saudita em diversas áreas, com foco na indústria, logística e tecnologia.
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Alckmin informou que houve “boas conversas” sobre as aeronaves da Embraer. Há interesse na venda de modelos da aviação comercial e militar KC-390.
Três memorandos de entendimento também foram assinados durante a visita. A primeira, entre a ApexBrasil e a maior rede de supermercados do Oriente Médio, Lulu, com o objetivo de promover alimentos e bebidas produzidos no Brasil no mercado saudita. Foi também assinado outro memorando de entendimento entre o Ministério do Investimento Saudita (MISA) e a EP Capital, com o objetivo de fortalecer o corredor bilateral de investimento entre os dois países. O MISA também assinou um memorando de entendimento com o Pátria Investimentos, igualmente com foco na facilitação de investimentos entre países. Vejamos o segundo e mais importante acordo.
Uma das parcerias de investimentos firmada através da intermediação do Poder Executivo brasileiro foi entre o Fundo Soberano Saudita (PIF) e o Fundo Pátria. Este, gerido por brasileiros, com o fundador tendo experiência oriunda no antigo Banco Patrimônio, é a maior gestora de investimentos “alternativos” da América Latina.
No dia 3 de junho os executivos do fundo e o correspondente saudita assinaram um memorando de entendimento para realizar investimentos conjuntos com o Ministério de Investimento da Arábia Saudita. A expectativa é de que o acordo abra caminho para novas empreitadas dos sauditas junto à gestora brasileira, em especial na concessão de rodovias – onde já possuem sociedade. Por sua vez, o Pátria passa a estudar investimentos no reino do Oeste asiático, com olhar atento também para energia e moradias populares.
Segundo os objetivos estratégicos do reino, a meta da década, denominada Visão 2030 “estabelece um roteiro para a Arábia Saudita construir uma sociedade vibrante, um país próspero economicamente e uma nação ambiciosa. Para permitir isso, o reino está se abrindo e diversificar a sua economia para transformá-la numa potência de investimento global. A Visão também estabelece a meta de aumentar o investimento estrangeiro direto (IDE) para 5,7% do PIB e a contribuição do setor privado de 40% para 65% do PIB, de modo que devemos estar entre as 15 maiores economias do mundo até 2030.”
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Para dar conta desta meta, a diversificação de investimentos e parcerias é fundamental. Dentro dos objetivos da economia doméstica saudita, está a melhoria das condições materiais de vida da população, em especial no quesito habitação e infraestrutura urbana.
Acordo de vistos de turismo e negócios
A aproximação que se nota nas altas autoridades, no primeiro escalão de ambos Estados, também se vê refletida na facilidade para a visitação de nacionais. Em 27 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 463/2022, que abrange o acordo entre Brasil e Arábia Saudita sobre a concessão de vistos de visita para cidadãos de ambos os países. O texto foi aprovado em plenário e será enviado ao Senado. Segundo o acordo, ambos os países concederão aos cidadãos da outra parte vistos com múltiplas entradas e de finalidade exclusiva de visita (turismo ou negócios).
Segundo o PDL 463/2022, “o acordo terá validade de cinco anos, podendo ser renovado automaticamente, e exige respeito a leis, regulamentos e tradições vigentes nos territórios. As partes se reservam o direito de negar entrada, abreviar a validade do visto ou terminar a estadia sempre que tiverem preocupações relativas a determinados indivíduos”.
Após aprovação o texto vai ser apreciado no Senado, onde deve avançar sem muitas dificuldades. O Grupo Parlamentar Brasil – Arábia Saudita tem representação das distintas vertentes políticas com peso hoje no Congresso. Sua nominata é composta assim: presidente, senador Wellington Fagundes – PL/MT; vice-presidente, senador Rogério Carvalho – PT/SE; primeiro secretário: Senador Esperidião Amin – PP/SC; e segundo secretário: deputado José Rocha – UNIÃO/BA.
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Note-se que a presença constante neste tipo de trabalho – de aproximação de Estados árabes ou de maioria islâmica – é do ex-governador catarinense Esperidião Amin, ele próprio descendente de libaneses (o pai era um comerciante de tecidos filiado a antiga União Democrática Nacional – UDN). Em demandas pragmáticas de relações exteriores, o político com origem na ARENA –apoiador da ditadura militar – se porta muito distante de seus aliados ideológicos – islamofóbicos e sionistas.
Voltando ao acordo, o que se observa é uma possibilidade maior de turismo de nacionais brasileiros para a Arábia Saudita, considerando o razoável aumento dos seguidores do islamismo no país. O inverso também é verdadeiro, pois a população saudita passa de 38 milhões de habitantes, sendo que mais de 80% residem em áreas urbanas. Logo, é um grande potencial turístico que pode ser atraído ao Brasil diante destas facilidades. Acordos assim logo implicam ampliação da malha aérea e criação de roteiros, papel institucional da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur).
Tudo indica que as relações que se iniciaram ainda na tomada de empréstimos intermediados – os chamados petrodólares, na década de 1970 – avançaram na venda de commodities agrícolas e produtos alimentícios, até uma real diversificação como a que se nota agora. Esperamos que o processo de tomada de decisões bilaterais (Brasil e Arábia Saudita) esteja à altura do desafio do século XXI, da integração Sul – Sul e da ampliação da arquitetura financeira dos Brics.
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