Partidos de extrema-direita conquistaram um resultado histórico nas eleições parlamentares da União Europeia, ao impor uma incisiva derrota política aos blocos centro-liberais de Olaf Scholz, chanceler da Alemanha; Emmanuel Macron, presidente da França; e Karl Nehammer, chanceler da Áustria.
Embora partidos convencionais tenham conservado controle sobre a câmara de 705 assentos do Parlamento Europeu, nas eleições deste domingo (9), o bloco regional de 27 Estados-membros pendeu visivelmente à direita, como sinal de um perdurante sentimento anti-establishment e da retomada de forças racistas entre a população.
Na França, o Reagrupamento Nacional da deputada extremista Marine Le Pen atropelou de tal modo o partido Renascimento, de Macron, que o presidente se sentiu compelido a antecipar as eleições à Assembleia Nacional, uma manobra de risco que pode aumentar suas perdas e tornar os três anos restantes de seu mandato quase insustentáveis.
As eleições ao legislativo francês estão marcadas para 30 de junho, com segundo turno em 7 de julho próximo.
Segundo projeções, o Reagrupamento Nacional deve ganhar 33% dos votos no país, ou 31 vagas no Parlamento Europeu — mais que o dobro do Renascimento, com 15% dos votos. A oposição Socialista chegou à margem do governo, com 14% dos votos.
Le Pen comemorou: “Estamos prontos para virar o país do avesso e para defender os interesses dos franceses — prontos para dar fim à imigração em massa”.
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Macron, por sua vez, reconheceu a escala da derrota: “Ouvi sua mensagem, suas preocupações, e não as deixarei sem resposta … A França precisa de uma maioria clara para agir com harmonia e serenidade”.
No Estado vizinho, o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) conquistou o inédito segundo lugar, com 16% dos votos, ao superar todos os três partidos aliados de Scholz e demonstrar sua força às vésperas das eleições federais de 2025.
A aliança conservadora dos partidos União Democrata-Crista e União Social-Cristã, oposição em nível nacional, venceu o pleito, com cerca de 30% dos votos.
Os maiores derrotados são os Verdes da Alemanha, com uma queda vertiginosa de 8.5%, a 12% dos votos, ao sinalizar maior ascensão do movimento anticiência e rejeição a políticas que visam reduzir as emissões de carbono diante do aquecimento global.
O Partido Social-Democrata (PSD), de Scholz, e seu outro aliado de coalizão, o neoliberal Partido Livre Democrata (FDP), devem obter somente 14% e 5% dos votos respectivamente, abaixo dos 15.8% e 5.4% das eleições anteriores.
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A força do Alternativa para Alemanha parece confirmar uma lacuna do estadismo convencional pós-reunificação, em particular, nos anos da ex-chanceler Angela Merkel. Populismo, racismo e violência política voltaram à tona no país.
O partido de extrema-direita superou ainda a suposta rejeição da população alemã a expressões de simpatia ao passado nazista, incluindo declarações de candidatos expressivos.
Após a votação, Alice Weidel, copresidente do AfD, sinalizou ainda um sentimento de cisão com a União Europeia: “Fomos bens porque as pessoas se tornaram mais antieuropeias [sic]. O povo está irritado com a burocracia de Bruxelas”.
Os comentários de Weidel reforçam também a ascensão do chamado euroceticismo, que busca reduzir a influência da União Europeia nos governos locais, em sintonia — em certa escala — ao movimento que culminou no Brexit, ou a saída do Reino Unido do bloco, em 2020. É a primeira vez, desde seu advento em 1979, que a votação exclui o eleitorado britânico.
Na Áustria, a extrema-direita, por meio do chamado Partido da Liberdade (FPÖ), subjugou pela primeira vez conservadores tradicionais do Partido Popular (ÖVP) e do Partido Social-Democrata (SPÖ) — porém em uma corrida mais acirrada, com diferença de 26% a 24% e 23% dos votos. Os Verdes foram novamente os mais derrotados, com menos de 11%.
Eleições austríacas devem ocorrer ainda este ano, levando o chanceler Nehammer a prometer resposta às apreensões das urnas, incluindo ao reprimir a chamada “imigração ilegal”.
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Entre os estadistas europeus, a maior vitoriosa foi a primeira-ministra da Itália, Georgia Meloni, com simpatias declaradas previamente ao fascismo de Benito Mussolini. Seu bloco reacionário Irmão das Itália mais do que dobrou os assentos no Parlamento Europeu.
A ultradireita também performou bem na Holanda, com seis assentos conquistados pelo Partido da Liberdade de Geert Wilders, cuja principal pauta é a luta contra a imigração. Verdes e centro-esquerda venceram, porém com apenas dois assentos a mais.
Na Hungria, apesar de vencer a maioria dos votos, o partido Fidesz, do primeiro-ministro Viktor Orban, perdeu terreno, com 44% dos votos contra 52% em 2019. Orban, no entanto, proclamou vitória: “Hoje derrotamos a velha oposição e a nova oposição. E não importa como se chamem, venceremos uma e outra vez”.
O partido Tisza, do principal opositor de Orban, Peter Magyar, dissidência do governo, alcançou cerca de 30% dos votos.
A esquerda e os verdes obtiveram melhor resultado nos países da Escandinávia, com declínio da ultradireita populista na Suécia, Dinamarca e Finlândia.
De modo geral, o campo tradicional pró-União Europeia manteve a hegemonia, com partidos de centro-direita e centro-esquerda a caminho de assegurar uma leve maioria.
O Partido Popular Europeu (EPP) permanece como o maior bloco, com 189 deputados, segundo resultados preliminares, com vitória parcial da centro-direita na Espanha e Polônia. Em segundo lugar, deve ficar a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), de centro-esquerda, conforme projeção de 135 assentos.
Na Espanha, contudo, o partido extremista Vox deve aumentar sua representação entre dois ou três deputados, enquanto novatos do bloco conhecido como “Se Acabó La Fiesta” — de mesma ideologia — devem estrear na assembleia.
O grupo conhecido como Reformistas e Conservadores da Europa (ECR), que inclui o partido de Meloni, deve obter 72 vagas, seguido pela coalizão de extrema-direita Identidade e Democracia (ID) com 58 parlamentares.
A chamada Aliança Livre dos Verdes da Europa e a coalizão liberal Renova Europa perderam 20 assentos cada.
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Ursula von der Leyen, política alemã e presidente da Comissão Europeia — criticada em âmbito internacional por seu apoio ao genocídio israelense em Gaza —, declarou que os resultados do pleito na Europa mostram que “o centro está se segurando”.
Von der Leyen conclamou vitória, mas insistiu que há duas mensagens das urnas: “Primeiro, há uma maioria no centro que pede uma Europa forte, o que é crucial para a estabilidade. Porém é também verdade que os extremos na direita e na esquerda [sic] ganharam força, razão pela qual este resultado carrega enorme responsabilidade aos partidos centristas”.
Segundo Step Vaessen, analista da Al Jazeera em Berlim, os chamados partidos eurocéticos, de viés ultradireitista, terão maior poder na próxima assembleia, “com uma provável influência nas políticas climáticas, agrárias e de imigração, sobretudo na Holanda e na Alemanha”.
Vaessen observou, contudo, que a ultradireita não está necessariamente unida: “Entre eles, há bastante divisão e tentativas de contato. Le Pen, por exemplo, contactou Meloni … Teremos de ver, depois de hoje, como esses grupos serão formados e qual influência terão”.