‘Sem alerta, apenas bombas’: Palestinos relatam horrores no campo de Nuseirat

“Foi como o fim do mundo. Todo mundo estava tentando fugir. Corpos e mais corpos lotavam as ruas”, relatou de Umm Islam al-Assar, mulher palestina e sobrevivente da Faixa de Gaza, sobre a operação de Israel contra o campo de refugiados de Nuseirat, no último sábado (8).

Assar conversou com correspondentes da agência de notícias Anadolu no Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, em Deir al-Balah, para onde correu com sua sobrinha, gravemente ferida, em busca de cuidados médicos cada vez mais precários.

“O que aconteceu foi absolutamente inesperado”, prosseguiu seu relato. “De repente, ouvimos explosões por todos os lados. Um drone disparava contra todo mundo”.

Assar tem o trauma e o luto estampados em um rosto empalidecido pela guerra.

Não houve qualquer alerta. O exército israelense começou a bombardear e atirar contra as casas de repente. A casa do meu irmão desmoronou sobre sua esposa e suas seis filhas. As pessoas correram para as ruas, sem saber o que fazer.

Duas de suas sobrinhas foram mortas. As outras quatros, junto com a mãe, foram feridas.

Ao menos 274 pessoas foram mortas e cerca de 700 ficaram feridas pelo ataque israelense, sob o pretexto de resgatar quatro reféns em custódia do Hamas desde outubro — sobre os quais o grupo palestino ofereceu um acordo de troca de prisioneiros; porém sem o aval de Israel.

“Massacre hediondo”

Assar pediu proteção às crianças e aos civis em geral, sob brutal bombardeio de Israel. “O que fizeram essa menina, suas irmãs e sua mãe, para merecerem isso?”, questionou a sobrevivente. “Não fizeram nada. Por que são atacadas dessa tão forma horrível?”.

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Sentada a seu lado, sua irmã, de mesmo nome, corroborou seu lamento: “De repente, o mundo virou de ponta-cabeça. Os mortos cobriam o chão e inocentes, jovens e velhos, foram feridos. O que eles fizeram para merecer a guerra? Por que têm de sofrer esse massacre hediondo?”.

Outra testemunha, ferida pela operação israelense, deu detalhes sobre o início do massacre, em um vídeo que viralizou nas redes sociais.

Eu estava caminhando pela rua, quando vi um caminhão estacionado com alguns utensílios. Pensei eu pertencia aos refugiados que fugiram de Rafah [no extremo sul de Gaza]. De repente, dez soldados das Forças Especiais israelenses saíram do caminhão e começaram a atirar. Fui baleado três vezes — no peito e no braço.

Mohammad al-Samouni, de nove anos, foi ferido em sua mão direita. “Estávamos sentados em uma tenda, quando vimos os tanques e soldados diante de nós”, afirmou o menino. Um soldado então atirou uma “bola que explodiu”, matando seu pai e seu irmão.

Relatos apontam que a zona de comércio em Nuseirat foi preenchida por explosões, e então por mortos e feridos espalhados pelas ruas.

Mohammad Matar, de 15 anos, também sobreviveu ao massacre, transferido ao Hospital Nasser de Khan Yunis, baleado duas vezes à queima-roupa por um soldado israelense, em seu ombro e seu abdômen. Matar caminhava pela rua e ecoou surpresa.

Em questão de segundos, destacou à Anadolu, dezenas de helicópteros militares sobrevoaram o campo, disparando a esmo. Matar fugiu para sua casa e reuniu seus familiares no porão, quando tanques invadiram a área, seguido pelo arrombamento de sua residência.

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“Havia umas dez pessoas na casa”, comentou o adolescente. “Os soldados entraram de repente, levaram meu irmão, meu pai e meu avô e cobriram suas cabeças com sacos pretos”. Então, sem qualquer aviso prévio, um soldado se aproximou de Matar e disparou duas vezes.

Fiquei paralisado. Não conseguia levantar. Os soldados também atiraram no meu irmão mais novo, mataram ele. Minha tia também foi baleada.

Matar explicou que os feridos sangraram por ao menos uma hora e meia, antes de conseguirem deixar o local para seguir ao hospital. Segundo seu relato, um agente dos Estados Unidos estava entre as tropas israelenses que invadiram sua casa: “Havia uma insígnia em seu ombro”.

Fontes em campo confirmaram que Israel disfarçou seus agentes em um caminhão humanitário para se infiltrar em Nuseirat, área densamente povoada, repleta de palestinos famintos. Indícios apontam ainda para uso militar do píer dos Estados Unidos instalado em Gaza — supostamente para fins assistenciais.

O incidente levou o Programa Alimentar Mundial (PAM), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), a anunciar uma “pausa” nos envios humanitários via píer americano, sob “preocupações de segurança” para seu pessoal.

Horas após o massacre, Avichay Adraee, porta-voz do exército israelenses, negou os relatos na rede social X (Twitter), apesar de confirmação da rede de notícias CNN sobre o envolvimento de Washington na operação militar.

O major-general Patrick Ryder, porta-voz do Pentágono, reforçou a negativa, ao caracterizar os relatos “rumores imprecisos das redes sociais”. Todavia, reconheceu a presença de helicópteros israelenses “perto” do píer, embora “incidental”.

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Em 7 de junho, após semanas de supostas falhas, o Comando Central dos Estados Unidos alegou restabelecer seu píer provisório em Gaza, estabelecido pelo presidente Joe Biden sob veemente pressão interna em plena campanha eleitoral.

O anúncio foi feito em março, mas o píer flutuante só passou a operar em 17 de maio.

Ryder, contudo, confirmou nova interrupção nas supostas operações humanitárias no domingo (9) — dia seguinte ao ataque —, desta vez, sob alegações de “mau tempo”.

O Alto-Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos ressaltou nesta terça-feira (11) que a morte de civis durante a ação israelense constitui provável crime de guerra.

“A maneira como a invasão foi conduzida, em uma área densamente povoada, levanta dúvidas sobre o respeito ou não aos princípios de distinção, proporcionalidade e precaução pelas forças de Israel, conforme a lei internacional”, alertou Jeremy Laurence, porta-voz da agência.

Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, apesar de uma resolução por cessar-fogo do Conselho de Segurança e medidas cautelares do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, para evitar o crime de genocídio e permitir a ajuda humanitária.

O governo Biden mantém apoio operacional, militar e diplomático a Israel, apesar dos protestos por cessar-fogo em todo o país.

A campanha israelense deixou 37.100 mortos e 84.700 feridos até então, sobretudo mulheres e crianças, além de dois milhões de desabrigados. As ações de Israel em Gaza constituem punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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