O crescimento dos Brics e a desdolarização ameaçam a hegemonia do Ocidente

Nos dias 10 e 11 de junho, na cidade russa de Nizhny Novgorod ocorreu o Encontro de Ministros de Relações Exteriores do Brics e, simultaneamente, o Encontro de Relações Internacionais promovido pelo bloco. Na ocasião, os chanceleres dos países líderes se manifestaram, apontando a multipolaridade no campo econômico como uma decisão tomada e um caminho quase inexorável — ao menos para o desenvolvimento asiático e eurasiático.

Nas linhas que seguem, apontamos o eixo do desenvolvimento econômico — ou trilha dos sherpas, no jargão diplomático que emula a escalada nas cordilheiras do Himalaia — e da necessária montagem de uma nova arquitetura financeira. Se nota que a meta é a superação da herança colonialista e uma nova industrialização a partir da exploração de minerais estratégicos e fontes de energia, além de garantir a segurança alimentar com o justo pagamento dos territórios produtores de commodities agrícolas.

Vejamos, com destaque para as partes em negrito.

A declaração conjunta dos ministros de Relações Exteriores dos países membros contêm 54 pontos. Destacamos aqui os seguintes itens:

  1. Os ministros tomaram nota do estabelecimento do Painel do Secretário-Geral da ONU sobre Minerais Críticos para a Transição Energética. Também reafirmaram que a corrida por esses minerais, que são principalmente encontrados no mundo em desenvolvimento, não deve replicar a injustiça e a história desumana do colonialismo. Os ministros demandaram que esses minerais sejam benéficos para o bem-estar socioeconômico das sociedades e países onde os minerais são encontrados. Também concordaram que os países onde esses minerais estão disponíveis devem ter a oportunidade de fazer parte das cadeias de valor globais sem qualquer discriminação, em vez de serem apenas exportadores de matérias-primas.
  1. Os ministros reconheceram a necessidade de uma reforma abrangente da arquitetura financeira global para fortalecer a voz dos países em desenvolvimento e sua representação nas instituições financeiras internacionais. Reafirmaram o apelo para que a COP27 assegure que a reforma das instituições financeiras internacionais se concentrasse em aumentar a escala de financiamento e permitisse acesso simplificado aos recursos. Aguardam com expectativa a Revisão de Participações de 2025 do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento. Apoiaram uma robusta Rede de Segurança Financeira Global com um Fundo Monetário Internacional (FMI) baseado em quotas e adequadamente financiado em seu centro. Demandaram a continuação do processo de reforma da governança do FMI, incluindo a criação de uma nova fórmula de quotas que reflita o tamanho econômico de seus membros durante a revisão geral de quotas.
  1. Os ministros destacaram a necessidade de reformar as políticas e práticas dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs) para aumentar suas capacidades de empréstimo, a fim de melhor ajudar os países em desenvolvimento a financiar suas necessidades de desenvolvimento e aprimorar sua ação climática em linha com o Plano de Ação de Sharm El-Sheikh da COP27, que o Egito sediou em novembro de 2022.

Os pontos acima selecionados evidentemente apontam para ampliar as possibilidades do comércio internacional. Considerando a liderança do Brics exercida pela China, os intentos de adesão e aproximação para com o bloco são cada vez maiores.

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Sobre a expansão dos países parceiros, declarou chanceler brasileiro Mauro Vieira:

Fomos incumbidos pelos nossos líderes de desenvolver o modelo de países parceiros. Uma nova categoria de associação ao Brics responderia ao crescente interesse em aderir ao bloco por parte de muitos países do Sul Global. Nossos sherpas têm discutido possíveis princípios orientadores, padrões, critérios e procedimentos. Acreditamos que chegaremos a um consenso na Cúpula de Kazan. Neste momento, o nosso foco não deveria ser em listas de países específicos, mas em qual será o grau de participação dos países parceiros, se participarão apenas nas cúpulas dos Brics e nas reuniões dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros ou também em outras reuniões e atividades do bloco. Deveríamos também chegar a um acordo sobre determinados critérios para os países parceiros, como o equilíbrio geográfico.

Uma singela análise nos leva a alguns pontos fundamentais: benefício direto para os países exportadores de commodities primárias; desenvolvimento econômico — seguindo o princípio de que prosperidade traz estabilidade —; e maior poder de decisão de cada Estado-membro ou associado. Pela lógica imperial ocidental, estas posições estão muito distantes da projeção de poder dos Estados Unidos. O efeito direto é a desdolarização, ou seja, a diminuição progressiva, parcial e até total do uso do dólar estadunidense como moeda corrente e reserva de valor mundial.

A desdolarização como fruto das sanções de Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Europeia contra a Rússia 

Se há um país que aprendeu a lidar com o bloqueio e as sanções no acesso ao mercado de câmbio é o Irã. O outro, é a Rússia. Vejamos o que ocorre no Estado comandado pelo aparelho de segurança e com o controle direto das empresas estratégicas de energia.

Diante da pressão dos Estados Unidos, a taxa de câmbio yuan-rublo é a definidora da trajetória para outros pares de moedas na Bolsa de Moscou (MOEX), incluindo o euro e o dólar, anunciou o Banco da Rússia (CBR) na quinta-feira, 13 de junho.

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A declaração ocorre no momento em que a última rodada de sanções dos Estados Unidos levou o MOEX na quarta-feira (12) a suspender as negociações em dólares e euros. O Reino Unido seguiu o exemplo de Washington na quinta-feira (13), ao introduzir novas restrições ao sistema financeiro russo. As transações em dólares americanos e euros continuarão no mercado de balcão (OTC).

“A taxa de câmbio yuan-rublo… se tornará um ponto de referência para os participantes do mercado. A participação do yuan nas negociações da Bolsa de Moscou em maio foi de 54%”, respondeu o Banco da Rússia. “Assim, o yuan já se tornou a principal moeda no comércio cambial”, acrescentou.

De acordo com o regulador, a participação do dólar e do euro no mercado russo diminuiu consistentemente nos últimos dois anos como resultado do redirecionamento dos fluxos comerciais para o Oriente e da mudança na moeda de liquidação para rublos, yuan e outros moedas de países amigos.

Deste modo, a temida integração Rússia e China, meta permanente dos estrategistas dos Estados Unidos durante a Guerra Fria e um tema clássico da geopolítica moderna, deu-se pela estupidez e prepotência de Washington nos espaços pós-soviéticos. Se não fosse a postura imperial de “cercar Moscou” com países aderentes à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), estabelecidos ao redor da área core da “Mãe Rússia”, simplesmente a presença chinesa não seria central na chamada União Econômica Eurasíatica (EAEU), composta por Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia.

O bloco só avança

Assim como a Rússia, a Turquia é o fiel da balança no equilíbrio de poder eurasiático. O único país de maioria islâmica membro da OTAN (até quando não se sabe) pediu ingresso aos Brics e foi recebido pelas autoridades russas e chinesas. Não por acaso, Ancara comanda a compra e aquisição de ouro — um “lastro”, como reserva de valor e garantia de trocas — no mercado mundial. Sem a república governada por Recep Tayyip Erdogan há mais de vinte anos, como o Ocidente vai ter entrada no Oriente Médio? Apenas através de sua plataforma avançada, o Estado sionista de Israel.

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Parodiando um célebre deputado reacionário do Brasil — que atende pela alcunha de “Bananinha” —, a questão dos Brics na liderança econômica e, por consequência, financeira mundial não é questão de “se”, mas “quando”. Obviamente, que ninguém espere uma derrota tranquila do Ocidente, em geral, e dos Estados Unidos, em específico. O futuro do Sul Global não se dará sem a aliança com a Ásia e tampouco livre de ameaças, intervenções ou guerras promovidas por Washington, seus aliados e asseclas na América Latina.

É preciso estar atento e forte.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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