Localizada na região de Hejaz, hoje Arábia Saudita, a importância de Meca como centro cultural e religioso para os povos árabes precede o Islã. Antes do nascimento do Profeta Muhammad, no século VI, Meca e sua antiga estrutura cúbica, a Caaba, eram um local de peregrinação a tribos beduínas.
Antes do Islã, a Caaba abrigava ídolos par dezenas de entidades que constituíam as tradições do politeísmo pagão. O Profeta Muhammad decidiu a favor da crença monoteísta estabelecida pelo Profeta Ibrahim (Abraão), que, segundo a tradição islâmica, reconstruiu a Caaba no lugar de sua estrutura original criada pelo primeiro homem, Adão.
Samir Mahmoud, do Colégio Muçulmano de Cambridge, explica que, conforme a tradição, após Adão ser expulso do Paraíso, aquilo que mais lhe deixou saudade foi ver a procissão circular dos anjos em torno de “Bait al Mamur”, uma estrutura a qual se crê ser a Casa de Deus, cuja réplica terrena se tornou a Caaba.
Segundo a tradição, o Alcorão foi revelado ao Profeta Muhammad pelo anjo Gabriel e menciona a Caaba em numerosos versos, ao caracterizá-la com distinção como o primeiro lugar de culto e um santuário aos fiéis.
LEIA: Hajj: O que é, quando começa, e outras questões importantes
No idioma árabe, o nome dado à Grande Mesquita de Meca é Masjid al-Haram, que significa, “A Mesquita Sagrada”. Um erro comum na percepção sobre o tema é que os muçulmanos cultuam a Caaba ao direcionar suas preces a ela, muito embora a escritura monoteísta compreenda que Deus não tenha manifestação material — portanto, em oposição a esta interpretação. A Caaba, ao contrário, é um marco simbólico para direcionar as preces a Deus.
A cerca de 20 metros a leste da Caaba está o poço de Zamzam, que detém um papel importante na tradição islâmica e nos subsequentes rituais de peregrinação. Conforme a tradição, o Profeta Ibrahim (Abraão), seu filho pequeno Ismail e sua esposa Hajar se encontraram sozinhos no vale árido de Meca, submetidos a fome, sede e exaustão. Em desespero, Hajar caminhou sete vezes entre as colinas de Safa e Marwa, em busca de algo de beber. Instruído por Deus, o anjo Gabriel abriu o solo para revelar uma fonte, que se tornou Zamzam.
Durante as peregrinações do Hajj e do Umrah, os fiéis reencenam a busca de Hajar ao caminhar sete vezes entre ambas as colinas. As águas do poço de Zamzam são consideradas sagradas para os muçulmanos e costumam ser levadas de volta a seus países após a jornada.
Antes do Islã, a Caaba era considerada um santuário para as tribos em conflito na região — um lugar de paz onde divergências seriam postas de lado. Uma célebre narrativa da tradição do Islã envolveu o Profeta Muhammad e as tribos de Meca antes mesmo de ele receber as revelações de Deus, aos 40 anos de idade. Para solucionar uma disputa tribal sobre quem deveria colocar a “pedra negra” da Caaba em seu devido lugar, após reparos à estrutura, o Profeta os persuadiu a cobrir a rocha com um tecido, para que levassem juntos e compartilhassem a honraria.
LEIA: Conheça os artesãos do Cairo que produziam o kiswah, tecido que cobre a Caaba
A rocha em si é chamada de hajr al-aswad, em árabe, e acredita-se que foi enviada dos céus ao Profeta Ibrahim, com enorme valor simbólico. Peregrinos costumam tentar beijá-la ao contornar a Caaba.
A Caaba e a Grande Mesquita passaram por várias reformas, por vezes, em resposta a desastres naturais, outras para acomodar o aumento dos visitantes. No século VI, governantes abássidas expandiram o pátio da Caaba. Após os otomanos derrotarem os mamelucos e tomarem a área, em 1517, adicionaram tradições próprias ao santuário. Em 1571, Selim II encomendou a Mimar Sinan que acrescentasse pequenos domos em estilo otomano ao telhado da Grande Mesquita, para adorná-lo.
Em uma era na qual a maior parte dos estudos sobre o Islã era enviesada ou voltada a vilificar os muçulmanos, representações do estudioso holandês Adriaan Reland compilaram tentativas de refletir um ponto de vista objetivo sobre as crenças locais, como, por exemplo, em seu livro de 1705, intitulada De Religione Mohammedica (A religião maometana).
Com o surgimento da fotografia, já no século XIX, imagens da Caaba e da Grande Mesquita de Meca se massificaram. Antes disso, por séculos, representações do santuário eram incomuns na Europa. A partir do século XV, com o início da era de ouro da exploração europeia, viajantes do continente começaram a visitar a península Arábica para fins de comércio. Apesar de proibidos de entrar em Meca, alguns aventureiras conseguiram adentrar na cidade sagrada disfarçados de muçulmanos ou acompanhando empregadores muçulmanos.
O mundo já não se limitava às impressões artísticas e os escritos sobre Meca. No ano de 1861, o engenheiro militar egípcio Muhammad Sadiq Bey viajou à cidade sagrada como o tesoureiro de uma caravana de peregrinos. Sadiq Bey pegou uma câmera e ferramentas para realizar a técnica conhecida como colódio úmido, pioneira no registro de imagens, usando negativos em placas de vidro. Suas fotografias de Meca lhe consagraram com a medalha de ouro da Exibição Geográfica de Veneza em 1881, incluindo a primeira foto conhecida da Caaba coberta com seu tradicional manto negro — o kiswah.
Com o tempo, a fotografia se tornou mais e mais acessível. Um dos primeiros fotógrafos nativos de Meca foi Al-Sayyid Abd al-Ghaffar, que tirou mais de 250 fotos da cidade de 1886 a 1889. Al-Ghaffar trabalhou com o fotógrafo holandês Christiaan Snouck Hurgronje, que fingiu converter-se ao Islã para entrar na cidade santa. Conforme seu relacionamento se desenvolveu, Hurgronje se tornou mais controlador sobre o que seu colega árabe poderia fotografar e mesmo assumiu crédito pelo trabalho. Ambos, todavia, registraram a circunvolução de despedida, ou tawaf, na qual peregrinos caminham sete vezes em torno da Caaba.
Meca permaneceu parte do Império Otomano até 1916, quando Hejaz, a grande região costeira ocidental da península Arábica, declarou sua independência, liderada por Hussein ibn Ali, xarife de Meca. Contudo, seu governo teve vida breve e a área logo foi conquistada por Abdulaziz al-Saud, que ocupou Meca em 1924, ao eventualmente unificar o Hejaz e regiões vizinhas sob seu controle, para estabelecer o atual Reino da Arábia Saudita.
Em 1938, depósitos de petróleo foram encontrados no país e, desde então, representam sua principal fonte de renda. A drástica mudança econômica deu à monarquia espaço de manobra para não mais depender dos recursos trazidos pelo turismo religioso. Com o tempo, a renda do petróleo foi investida nos lugares sagrados, em uma aparentemente infindável série de projetos de expansão.
LEIA: Ministro saudita do Hajj proíbe ‘slogans políticos’, alimenta críticas
Em 1955, durante o reinado do Rei Saud, o país deu início às ambiciosas obras de ampliação da Grande Mesquita. Concluído o projeto, em 1973, a mesquita passou a acomodar 500 mil fiéis. A ampliação coincidiu ainda com o boom das viagens aéreas na década de 1970, que facilitou que cada vez mais peregrinos chegassem às cidades de Meca e Medina. Criou ainda um aumento na demanda por peregrinações e pouco após a conclusão do projeto inicial, outra expansão surgiu no horizonte. A próxima grande expansão se deu na década de 1990, em um projeto chefiado pelo arquiteto egípcio Muhammed Kamal Ismail, que introduziu o hoje distinto calçamento de mármore, ao importar matéria-prima das montanhas da Grécia. As rochas outorgaram aos fiéis um novo conforto: pisar sobre um terreno ameno mesmo sob o calor escaldante.
Adições recentes à Grande Mesquita incluem o imponente complexo de Abraj al-Bayt, “as Torres da Casa”, de 640 metros de altura, que abriga um hotel e um shopping center. O projeto ocorreu quase ao mesmo tempo que mais uma expansão da mesquita, para passar a acomodar até 2.5 milhões de pessoas. Críticos dizem que as novas estruturas distraem o olhar e parecem diminuir a importância da Caaba.
Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 22 de junho de 2023.