Localizada na região de Hejaz, hoje Arábia Saudita, a importância de Meca como centro cultural e religioso para os povos árabes precede o Islã. Antes do nascimento do Profeta Muhammad, no século VI, Meca e sua antiga estrutura cúbica, a Caaba, eram um local de peregrinação a tribos beduínas.
Antes do Islã, a Caaba abrigava ídolos par dezenas de entidades que constituíam as tradições do politeísmo pagão. O Profeta Muhammad decidiu a favor da crença monoteísta estabelecida pelo Profeta Ibrahim (Abraão), que, segundo a tradição islâmica, reconstruiu a Caaba no lugar de sua estrutura original criada pelo primeiro homem, Adão.
Samir Mahmoud, do Colégio Muçulmano de Cambridge, explica que, conforme a tradição, após Adão ser expulso do Paraíso, aquilo que mais lhe deixou saudade foi ver a procissão circular dos anjos em torno de “Bait al Mamur”, uma estrutura a qual se crê ser a Casa de Deus, cuja réplica terrena se tornou a Caaba.
Segundo a tradição, o Alcorão foi revelado ao Profeta Muhammad pelo anjo Gabriel e menciona a Caaba em numerosos versos, ao caracterizá-la com distinção como o primeiro lugar de culto e um santuário aos fiéis.
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No idioma árabe, o nome dado à Grande Mesquita de Meca é Masjid al-Haram, que significa, “A Mesquita Sagrada”. Um erro comum na percepção sobre o tema é que os muçulmanos cultuam a Caaba ao direcionar suas preces a ela, muito embora a escritura monoteísta compreenda que Deus não tenha manifestação material — portanto, em oposição a esta interpretação. A Caaba, ao contrário, é um marco simbólico para direcionar as preces a Deus.

Representação da Grande Mesquita de Meca do fim do século XVIII, de autor desconhecido [Coleção da Universidade de Uppsala/Wikimedia]
Durante as peregrinações do Hajj e do Umrah, os fiéis reencenam a busca de Hajar ao caminhar sete vezes entre ambas as colinas. As águas do poço de Zamzam são consideradas sagradas para os muçulmanos e costumam ser levadas de volta a seus países após a jornada.
Antes do Islã, a Caaba era considerada um santuário para as tribos em conflito na região — um lugar de paz onde divergências seriam postas de lado. Uma célebre narrativa da tradição do Islã envolveu o Profeta Muhammad e as tribos de Meca antes mesmo de ele receber as revelações de Deus, aos 40 anos de idade. Para solucionar uma disputa tribal sobre quem deveria colocar a “pedra negra” da Caaba em seu devido lugar, após reparos à estrutura, o Profeta os persuadiu a cobrir a rocha com um tecido, para que levassem juntos e compartilhassem a honraria.
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A rocha em si é chamada de hajr al-aswad, em árabe, e acredita-se que foi enviada dos céus ao Profeta Ibrahim, com enorme valor simbólico. Peregrinos costumam tentar beijá-la ao contornar a Caaba.
A Caaba e a Grande Mesquita passaram por várias reformas, por vezes, em resposta a desastres naturais, outras para acomodar o aumento dos visitantes. No século VI, governantes abássidas expandiram o pátio da Caaba. Após os otomanos derrotarem os mamelucos e tomarem a área, em 1517, adicionaram tradições próprias ao santuário. Em 1571, Selim II encomendou a Mimar Sinan que acrescentasse pequenos domos em estilo otomano ao telhado da Grande Mesquita, para adorná-lo.

Representação de Meca do início do século XVIII, de Adriaan Reland [Domínio Público/Wikimedia]
Com o surgimento da fotografia, já no século XIX, imagens da Caaba e da Grande Mesquita de Meca se massificaram. Antes disso, por séculos, representações do santuário eram incomuns na Europa. A partir do século XV, com o início da era de ouro da exploração europeia, viajantes do continente começaram a visitar a península Arábica para fins de comércio. Apesar de proibidos de entrar em Meca, alguns aventureiras conseguiram adentrar na cidade sagrada disfarçados de muçulmanos ou acompanhando empregadores muçulmanos.
O mundo já não se limitava às impressões artísticas e os escritos sobre Meca. No ano de 1861, o engenheiro militar egípcio Muhammad Sadiq Bey viajou à cidade sagrada como o tesoureiro de uma caravana de peregrinos. Sadiq Bey pegou uma câmera e ferramentas para realizar a técnica conhecida como colódio úmido, pioneira no registro de imagens, usando negativos em placas de vidro. Suas fotografias de Meca lhe consagraram com a medalha de ouro da Exibição Geográfica de Veneza em 1881, incluindo a primeira foto conhecida da Caaba coberta com seu tradicional manto negro — o kiswah.

Fotografia da Caaba, em Meca, por Muhammad Sadiq Bey, de cerca de 1880 [Coleção Khalili/Wikimedia]
Meca permaneceu parte do Império Otomano até 1916, quando Hejaz, a grande região costeira ocidental da península Arábica, declarou sua independência, liderada por Hussein ibn Ali, xarife de Meca. Contudo, seu governo teve vida breve e a área logo foi conquistada por Abdulaziz al-Saud, que ocupou Meca em 1924, ao eventualmente unificar o Hejaz e regiões vizinhas sob seu controle, para estabelecer o atual Reino da Arábia Saudita.

Peregrinos circundam a Caaba, autor desconhecido, em 1937 [Domínio Público/Wikimedia]
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Em 1955, durante o reinado do Rei Saud, o país deu início às ambiciosas obras de ampliação da Grande Mesquita. Concluído o projeto, em 1973, a mesquita passou a acomodar 500 mil fiéis. A ampliação coincidiu ainda com o boom das viagens aéreas na década de 1970, que facilitou que cada vez mais peregrinos chegassem às cidades de Meca e Medina. Criou ainda um aumento na demanda por peregrinações e pouco após a conclusão do projeto inicial, outra expansão surgiu no horizonte. A próxima grande expansão se deu na década de 1990, em um projeto chefiado pelo arquiteto egípcio Muhammed Kamal Ismail, que introduziu o hoje distinto calçamento de mármore, ao importar matéria-prima das montanhas da Grécia. As rochas outorgaram aos fiéis um novo conforto: pisar sobre um terreno ameno mesmo sob o calor escaldante.

Preparativos para a peregrinação do Hajj, na Meca contemporânea, na Arábia Saudita, em 14 de junho de 2024 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]
Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 22 de junho de 2023.