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Começa o Tribunal Global para a Palestina, entenda a iniciativa

Protesto contra o genocídio israelense em Gaza, na universidade de Genebra, na Suíça, em 9 de maio de 2024 [Muhammet Ikbal Arslan/Agência Anadolu]

Desde o anúncio, no início de março, do estabelecimento do Tribunal Global para a Palestina — da sigla em inglês, GTP —, por cinco ongs de direitos humanos radicadas em Genebra, na Suíça, esforços continuam para asseverar o êxito do evento. Dezenas de juristas, advogados, filósofos e historiadores devem participar.

O MEMO acompanha a iniciativa desde o princípio. Em maio, conversamos com o coordenador do comitê preparatório do GTP, dr. Haytham Manna, para questioná-lo sobre os avanços e obter seus relatos sobre a formação da corte, procedimentos e eventuais resultados.

O evento teve início na quinta-feira, 6 de junho.

Desde o início do século, o senhor está envolvido na organização de diversas “cortes de opinião e consciência” realizadas por instituições da sociedade civil, para tratar de várias pautas, como o cerco israelense a Gaza, sanções unilaterais, o julgamento de George W. Bush, Donald Rumsfeld e Dick Cheney, assim como a Corte Popular contra os crimes de Israel no sul do Líbano.  O senhor interpreta essas cortes como uma forma efetiva, muito embora limitada, de ação tomada pela sociedade civil em resposta às atrocidades, ao apartheid e ao genocídio que ocorrem em plena luz do dia?

Em 14 de dezembro de 2023, realizamos o primeiro Simpósio Internacional pela Palestina, aqui em Genebra, com a questão central: “O Tribunal Penal Internacional: Ser ou não ser?”. De fato, nossa experiência com Haia nos últimos 15 anos é decepcionante.

Durante o simpósio, foi discutida a ideia de se estabelecer uma corte para responsabilizar tanto o Tribunal Penal Internacional quanto o Tribunal Internacional de Justiça.

Logo em seguida, em 4 de março, novamente em Genebra, realizamos nosso segundo simpósio para debater o estabelecimento de um órgão permanente chamado Monitor das Cortes. A esta altura, expandimos o tópico de constituir um novo tipo de corte que compensasse as limitações dos esforços prévios.

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Embora eu tenha participado de cortes de consciência no Cairo, em Bruxelas e em Beirute, por exemplo, infelizmente os resultados se diluíam no espaço de poucos meses. Então, apresentei uma nova perspectiva intitulada “Como, por quê e quando?”, para reafirmar a uma ruptura com nossas experiências anteriores.

A esta corte confiamos tarefas fundamentais, incluindo continuidade, eficácia e universalidade. As mais importantes são:

  • Servir como plataforma permanente para romper o silêncio em torno do genocídio, do apartheid e de outros crimes israelenses;
  • Providenciar uma plataforma aberta às vítimas, assim como a pesquisadores, juristas e investigadores envolvidos nos casos de genocídio e apartheid — para amplificar as vozes das vítimas diante de instituições nacionais, regionais e internacionais;
  • Acompanhar as cortes mediante nosso Monitor, ao seguir os processos levados aos tribunais permanentes, compilar as queixas registradas em âmbito nacional, regional e internacional e avaliar a performance de juízes e promotores, além da integridade, independência, imparcialidade e justiça dos sistemas judiciários, assim por diante — tudo isso está disponível em nossa página www.tribunalswatch.com;
  • Servir como fórum a advogados e juristas que promovam ações de responsabilização por crimes e violações de direitos humanos.

Semelhante à Guerra do Vietnã, que deu vazão à mais eminente corte de consciência do último século, o Tribunal Russell, em meio ao movimento estudantil de 1968, observei durante a minha intervenção de 4 de março que, “o genocídio que testemunhamos contra os palestinos marca o fim de uma era e uma nova geração deve enxergar agora essa nova narrativa que retoma o vigor de 1968 em busca de um futuro distinto”. E concluí, “fico feliz hoje porque estudantes de todo o mundo considerar assumir uma posição sobre a causa palestina como um vínculo central entre passado, presente e futuro”.

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O Tribunal Global para a Palestina pode vir a ser considerado nosso projeto Russell, pois ecoa a convocação de filósofos, historiadores, advogados e juristas em nome da paz e da justiça. Nossa iniciativa em curso envolve juízes, advogados, relatores especiais das Nações Unidas e membros de missões de checagem de fatos sobre a situação em Gaza e na Palestina ocupada.

Sua missão envolve ouvir ou contactar palestinos vítimas do genocídio?

Essa é uma das responsabilidades da corte. No momento, um grupo distinto de pesquisadores está preparando documentos escritos sobre os diferentes aspectos da matéria. A corte receberá esses relatórios de campo, meticulosamente preparados, que documentam crimes de genocídio e apartheid. Todos os documentos do GTP serão compilados em um livro a ser publicado, pelo menos, em árabe e inglês.

O que acontece a seguir, após a corte?

A sessão de encerramento, na segunda metade do último dia, se dedica especificamente a essa pergunta. Envolve:

    • Organizar e eleger um Comitê Permanente para as próximas sessões da corte;
    • Instituir uma equipe de trabalho para monitorar as ações de cortes nacionais, regionais e internacionais, e avaliar sua performance, as pressões políticas e o eventual lobby contra os procedimentos de justiça que lhe incidem;
    • Compor um grupo de pesquisa para possibilitar uma nova abordagem interdisciplinar no combate ao sistema de genocídio e apartheid no contexto palestino;
  • Estabelecer um grupo de coordenação para defender as vítimas e obter justiça, ao reunir advogados de todo o mundo.

Como o senhor avalia a resposta e interação com essa iniciativa?

A demanda por participação excedeu nossas expectativas. Cerca de 15 dias atrás, ao menos 132 pessoas de 38 nacionalidades já haviam requerido participação presencial ou remota. Tivemos de suspender os registros para participação presencial pois o comitê preparatório estimava não mais que 76 pessoas — isto é, uma para cada ano desde o início da Nakba, em 1948.

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Isso nos levou a reservar um salão anexo e colegas na Palestina tiveram de reservar um salão na Universidade Nacional de An-Najah, em Jericó, para que um grande número de professores de direito e outros profissionais da área pudessem participar conosco remotamente. Há ainda uma tentativa similar de organizar um salão na Universidade de Beirute.

Essa corte trará os melhores quadros palestinos, sobretudo na lei internacional, como a voz dos sem voz, das vítimas do mais incisivo crime de genocídio do século vigente.

Haytham Manna é um pesquisador e ativista de direitos humanos há mais de 37 anos. Estudou medicina, antropologia e direito internacional na Síria e na França. Como um dos fundadores da Comissão Árabe por Direitos Humanos, escreveu sobre temas como direitos civis, democracia, direitos das mulheres e questões relativas do Islã e do iluminismo. Tem 60 publicações em vários idiomas, sobretudo árabe, inglês e francês — com destaque para Reflection on Human Rights; The Future of Human Rights; Civil Resistance; Building Citizenship; Atlas of No Violence; e seu último livro, Justice or Savagery: For a Global Tribunal on Palestine. É fundador e presidente do Instituto Escandinavo por Direitos Humanos — Fundação Haytham Manna.

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