Quando Jana retorna para casa de seu intercâmbio em Paris, sua cidade natal, Beirute, já não é como ela se lembrava. A vista do mar que desaparece da casa de seus pais e o aglomerado de prédios que sobe aos céus na região central são algumas das mudanças com as quais se depara após sua ausência.
Jana se sente deprimida e se nega a deixar a casa. Mal conversa com os pais e não por falta de tentativas. Somado ao dilema está o choque cultural reverso: ao acompanhar sua mãe em um supermercado, se queixa, por exemplo, de que os carros estão perto demais.
Em uma performance taciturna, embora expressiva, a atriz franco-libanesa Manal Issa dá vida a Jana, diante de suas questões familiares. O pai pede a mãe que economize, dando a impressão de que a crise financeira os assola. Jana se relaciona com Adam, um namoro renovado, mas que parece deixá-la ainda mais deprimida.
Capturar precisamente sobre o que é o filme — para além do sentimento de emigrar e retornar — é uma tarefa árdua. Por que Jana vai embora? Para estudar em uma escola de artes prestigiosa de Paris, de modo que seu retorno indica, quem sabe, que viver e construir uma vida no exterior não é tão glamoroso quanto sonhou, apesar de ela não admiti-lo.
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Os céus cinzentos, os prédios opacos, as roupas tediosas de Jana exercem um papel na atmosfera melancólica que abraça — e mesmo afoga — a protagonista e sua história. “Não sei o que estou fazendo”, ela diz a sua mãe. “Não se preocupe”, responde a mãe. “Estamos todos perdidos”.
A depressão de Jana — ao longo das quase duas horas de filme — é por vezes difícil de assistir, assim como concatenar de imediato a jornada dos personagens. Quem sabe, o filme poderia usufruir de uma edição mais implacável, como na cena que Jana vê Adam dançar em sua sala de estar por vários minutos.
A cidade de Beirute é também um personagem e a obra, dirigida por Ely Dagher, é, em grande parte, um retrato da atual capital libanesa, tanto quanto de Jana e as pessoas a seu redor. Capturar uma jovem que deseja ir embora é crucial, dado que um entre três jovens libaneses querem emigrar sob a sombra do desemprego.
O Mar à Frente tangencia assuntos políticos, como aqueles relacionados ao êxodo que assola o país. Adam guarda seu dinheiro em uma caixinha — mais segura que o banco, como diz a Jana, devido à crise fiscal que congela recursos e impede saques, resultado de décadas de má gestão e corrupção. A crise, desde 2019, somente se agravou com a pandemia de covid-19.
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Ao passear no carro de Adam, em uma certa noite, ele comenta que o mar está cheio de lixo, devido à crise dos aterros sanitários de 2015, quando uma empresa contratada pelo governo para coletar resíduos decidiu jogá-los no mar, levando a um movimento de protestos denominado “Vocês fedem”. Adam e Jana representam os muitos jovens de Beirute frustrados com sua cidade.
Jana navega em meio a um oceano de emoções, uma imagem recorrente nos símbolos da obra. Um oceano tão vasto, tão infindável que parece alheio à compreensão. O mar também é esperança, embora pareça vã na produção de Dagher.
The Sea Ahead estreou no Festival de Cinema de Cannes de 2021 e então no Festival de Cinema de Londres, em outubro do mesmo ano.