Em 20 de março de 2003, tropas dos Estados Unidos deram início a uma invasão de um mês ao Iraque. Com a ajuda da Grã-Bretanha e grupos menores de outros países, logo subjugaram as forças militares iraquianas. Mas o que deveria ser um conflito breve, do qual a América sairia vitoriosa sem demora, catalisou uma das guerras mais sangrentas da História moderna.
Tudo baseado em mentiras.
O longa-metragem de Rob Reiner, Shock and Awe — lançado no Brasil como Choque e Pavor: A verdade importa —, reconstitui detalhadamente os meses que antecederam a invasão, por meio de testemunhos e das experiências dos jornalistas Jonathan Landay, Warren Strobel, John Walcott e Joe Galloway, que buscaram expor a rede de mentiras assumida pela administração de George W. Bush após o 11 de setembro.
Agora de conhecimento geral, especulações preliminares de que a Casa Branca estaria mentindo ao público foram tratadas na época como “teorias da conspiração” e mesmo “traição” ao Estado — difamações comuns quando a narrativa oficial é questionada. O mundo, logicamente, ainda guardava luto dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e um conveniente bode expiatório pareceu surgir para aplacar demandas por justiça — ou mesmo a sede de vingança.
Ainda assim, os quatro jornalistas da rede Knight Ridder Newspapers, em Washington DC, optaram por um caminho que divergia da abordagem de todas as outras redes de imprensa no país. Apesar de sua cobertura solitária, conseguiram expor ao público em massa as verdades terríveis que mais tarde se comprovariam.
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As tentativas lamentáveis da gestão Bush de descobrir lanços entre Osama Bin Laden e Saddam Hussein, para justificar a guerra no Iraque, para fins estratégicos e financeiros, mal foram questionadas em nome do patriotismo. O punhado de repórteres e fontes que buscou contar a verdade ao mundo foram ostracizados por boa parte do público e pelas corporações de imprensa. O governo preferiu terceirizar a campanha, ao ignorar as acusações por receios de trazer atenção indesejada.
Todavia, após quase uma década de combates e trilhões de dólares perdidos, o mundo todo percebeu que os quatro jornalistas reportaram nos 18 meses antes da guerra era absolutamente verdade.
Como diz a mensagem que antecede os créditos no longa-metragem, após 17 anos, as tropas permaneciam engajadas em uma região desestabilizada na luta contra um novo inimigo: a organização terrorista Daesh (Estado Islâmico). Mais de 36 mil soldados dos Estados Unidos haviam sido mortos ou feridos, além de um milhão de iraquianos sob o conflito. Ainda assim, a coalizão ocidental encontrou nenhuma das supostas “armas de destruição em massa”, apesar de servirem como pretexto primário para a invasão.
Ao traçar comparações entre a Guerra do Iraque e a Guerra do Vietnã, muitas pessoas mais tarde perceberam o desperdício colossal em vidas humanas. Aqueles caluniados como “conspiracionistas” e “traidores” foram redimidos pela verdade. Corporações de imprensa, que promoveram a agenda do governo, como o New York Times, buscaram se desculpar ao público e, apesar de uma gorda aposentadoria, muitos dos associados de Bush encerraram sua carreira política.
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Os danos, não obstante, perduram até hoje. Como um governo inteiro pôde mentir tão descaradamente para ganho próprio e sair impune? Desculpas e audiências, por óbvio, não bastam, muito menos trarão de volta as vidas perdidas.
Mas, quem sabe, a questão mais assustadora posta pelo filme é como toda uma nação, motivada por um pacote de mentiras, capitulou tão cegamente a seu governo rumo à devastação? Quem sabe, o maior feito de Choque e Pavor é retratar o poder capcioso da imprensa. Jornais, revistas e emissoras de televisão — uma devastadora e extensa rede de mentiras profissionalizadas, que proclama dizer a verdade, mas distorce fontes e fatos para promover uma agenda em particular. Tudo isso claramente demonstrado pela Guerra do Iraque.
Choque e Pavor confirma a demanda de longa data pelo fim do oligopólio corporativo de imprensa, por mais redes independentes que não temam nadar contra a corrente e pela importância incomensurável da liberdade de ideias.
Ao recorrer às histórias pessoais dos quatro jornalistas, Choque e Pavor cria um vínculo entre espectador e enredo, tornando o filme um entretenimento informativo. Com um elenco de estrelas — Tommy Lee Jones, Woody Harrelson, Jessica Biel, Milla Jovovich, James Marsden e o próprio diretor, Rob Reiner — Choque e Pavor dramatiza a intensa gravidade dos eventos que incorreram em uma catástrofe, temperado com momentos de humor que tornam a obra muito mais acessível.
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