As oliveiras são um símbolo universal da paz e um poderoso emblema da resiliência do povo palestino em preservar seus vínculos com a terra, em desafio à ocupação colonial israelense. Segundo o chef franco-palestino Fadi Kattan, poucas coisas representam a identidade nacional palestina como um ramo de oliveira.
“Quer saber porque eu decoro meus restaurantes com oliveiras? É algo característico e histórico para a cultura palestina. Suas raízes ligam toda uma nação a sua terra, assim como sua forma de vida diante da ocupação”, explicou Kattan.
As oliveiras que temos na Palestina são algumas das mais antigas do mundo. O ciclo das oliveiras dá ritmo a nossa gastronomia. Quando é a época de colheita, as pessoas se reúnem sobre a terra para coletar os frutos.
Após completar seus estudos em hotelaria no Instituto Vatel e trabalhar em Londres e Paris, Kattan retornou à Palestina para ajudar nos negócios da família. Após 15 anos de influência constante da situação volátil que assola a Palestina, Kattan decidiu regressar a sua antiga paixão: a cozinha.
Em 2016, abriu seu primeiro restaurante em sua cidade natal — Belém, na Cisjordânia ocupada. Desde então, avançou na carreira, ao abrir outros estabelecimentos, entre os quais o Akub, no badalado bairro londrino de Notting Hill, em 2023.
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Kattan nota que Belém é conhecida como a cidade onde nasceu Jesus, mas insiste que “na verdade, ninguém a conhece”. Sua família, por parte de pai, tem raízes antigas na cidade ocupada.
Foi em Belém que Kattan aprendeu tudo que sabe sobre a cozinha palestina — gênero nacional da gastronomia que, segundo seu relato, varia bastante de cidade em cidade. Mesmo a forma como as oliveiras são marinadas divergem bastante na Cisjordânia. Em Belém, explica Kattan, “colocamos um limão, pimenta com água e sal, e azeite”; outros lugares pulam a pimenta e outros ainda adicionam alho. “Contudo, na Palestina, onde quer que você esteja, no fim, a comida a mesma, com variações regionais”.
Como resultado, há “milhões de maneiras e todo um debate sobre quem faz o melhor azeite de oliva”. Segundo o chef, “se você é de Belém — como eu — dirá que o melhor azeite do mundo é feito em Beit Jala, uma pequena aldeia perto de Belém. Se você for do norte, dirá que é o azeite da região de Sebastia”.
Não obstante, as oliveiras ancestrais da Palestina estão sob ameaça. Colonos ilegais de Israel atacam continuamente os recursos naturais e as terras agrárias. Kattan relembra vivenciar este “ecocídio” em primeira mão: “Na Palestina, temos uma cidade chamada Birzeit — em árabe, ‘a fonte de azeite’ — que tem alguns das mais antigas prensas de azeite de todo o mundo. Infelizmente, a ocupação israelense busca arrancar e destruir sistematicamente essas oliveiras. Colonos ateiam fogo e atacam camponeses na época de colheita. Tentam sabotar nossos laços com a terra”.
Nossos recursos estão se tornando mais e mais restritos com a expropriação de terras pela ocupação, além do controle de nossas águas. E isso quando falamos da Cisjordânia e Jerusalém. Gaza é puro bombardeio, por toda a parte.
Os ataques israelenses não são somente contra a terra e seus moradores, mas contra a cultura e os locais de importância religiosa. Diante de tamanhos desafios, comentou o chef, a comida palestina se tornou para muitos a única forma “tangível” de preservar a cultura. É através da gastronomia que as mães palestinas, refugiadas desde a Nakba ou “catástrofe”, em 1948, foram capazes de “manter vivas nossa cultura e identidade que, infelizmente, são tão atacadas”.
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A abordagem de Kattan é uma releitura moderna de pratos tradicionais. Embora tenha raízes profundas na Palestina histórica, suas receitas são influenciadas por suas viagens e pela diáspora de sua família. “Meus avós emigraram para o Japão em 1920 e ficaram ali até 1943, quando os americanos bombardearam o país. Então fugiram para a Índia. Meu pai nasceu na Índia e voltou à Palestina em 1954. Do lado da minha mãe, meu vô nasceu em Belém, mas cresceu em Paris e, muito mais tarde, voltou a Belém”.
“É um prazer e uma honra compartilhar os sabores da Palestina com as pessoas, contar nossa história”, concluiu Kattan. “As pessoas criam toda uma fantasia sobre quem são os palestinos. Mas, na verdade, não somos tão diferentes”.