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‘Perseguição política’: Justiça manda deportar palestino do Brasil

Cidadão palestino Muslim Abuumar Rajaa, detido pela Polícia Federal no aeroporto de Guarulhos [Reprodução/Redes sociais]

Em uma decisão irregular, a Justiça Federal de São Paulo deferiu neste domingo (23) a extradição do palestino Muslim Abuumar Rajaa, de 37 anos, junto de sua família, após a Polícia Federal (PF) detê-lo no Aeroporto de Guarulhos na sexta-feira.

A juíza plantonista Millena Marjorie Fonseca da Cunha, da 5ª Vara Federal da cidade de Guarulhos, decidiu revogar sua liminar de sábado contra a deportação, quando pediu explicações da Polícia Federal dentro de 24 horas.

A corporação insistiu que Abuumar tem ligações com o movimento palestino Hamas — contudo, sem apresentar provas.

O Hamas é criminalizado em Israel, Estados Unidos e países aliados. A medida, porém, contradiz a política no Brasil, que acompanha o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ao não reconhecer o Hamas como “grupo terrorista”.

A extradição coincide com esforços de repressão no exterior — em particular, Estados Unidos e Europa — contra o ativismo político palestino, em meio ao genocídio de Israel na Faixa de Gaza, deixando 37 mil mortos e 86 mil feridos até então.

Abuumar é professor universitário e diretor do Centro de Pesquisa e Diálogo da Ásia —  Oriente Médio (AMEC), com sede em Kuala Lumpur, na Malásia.

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Abuumar viajava com o filho de seis anos, a mulher grávida e a sogra de 69 anos, a fim de visitar seu irmão, naturalizado brasileiro, que reside em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A esposa passou mal no sábado e foi levada a um hospital.

Seu irmão reportou a “experiência traumática” da família e confirmou a arbitrariedade das ações tomadas pela Polícia Federal: “Meu filho não pode ver seu primo e entregar o presente que compramos, mesmo estando separados por poucos metros”.

Ao agradecer a mobilização, o irmão reiterou, porém, que Abuumar “tem um espírito elevado como qualquer outro palestino que enfrenta a injustiça”.

Abuumar e sua família foram forçados a embarcar em um voo a Doha, no Catar, ainda na noite de domingo (20h15), para regressar então a Kuala Lumpur, onde residem.

O pesquisador palestino já havia visitado o Brasil em outras ocasiões — a mais recente, no ano passado, antes de eclodir o genocídio em Gaza.

Conforme relatos, as informações utilizadas pelos agentes da Polícia Federal para deter Abuumar foram entregues pelo órgão homólogo nos Estados Unidos, o Departamento Federal de Investigação (FBI).

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Relatos indicam envolvimento da agência de espionagem israelense Mossad.

Em nota, a Polícia Federal insistiu que a “decisão judicial entendeu [como] legítimos os motivos de impedimento, conforme acordos e convenções internacionais, e autorizou repatriar” o cidadão palestino.

A Polícia Federal apelou ainda a uma justificativa característica de políticas americanas anti-imigração, ao acusar Abuumar de viajar com a esposa grávida para garantir que os familiares permanecessem no país.

A família tem cidadania malaia e sequer requereu visto para entrar no Brasil. Abuumar havia obtido visto legal para permanecer no Brasil por 90 dias em 13 de junho.

Sua defesa e associações palestinas questionaram a ação policial, ao destacar que não há acusações formais contra ele.

O advogado Bruno Henrique de Moura denunciou ilegalidade: “Isso não procede. Ele é um intelectual que defende a causa palestina, o fim da perseguição aos palestinos e o direito ao território nacional palestino”.

Abuumar foi detido pela Polícia Federal ainda no avião. Em seguida, segundo a defesa, foi levado a uma sala onde foi interrogado sobre suas preferências políticas, para além de questões de praxe, como motivação de viagem.

O interrogatório se deu sem a presença de um tradutor ou advogado, reportou Moura, em violação dos protocolos e ritos da Lei de Imigração no Brasil.

A Frente Palestina São Paulo reiterou o caráter arbitrário das ações da Polícia Federal. “[Abuumar] não é investigado, não responde a crimes e nem é procurado por agências internacionais. Nada justifica sua detenção arbitrária. Trata-se de uma violação brutal ao direito humanitário, que o Brasil não deve permitir”.

“Não é de hoje que há criminalização, ameaça e perseguição àqueles que denunciam o genocídio em curso em Gaza e a limpeza étnica na Cisjordânia”, acrescentou em nota. “Essa ação parece ser um salto num movimento de criminalização no Brasil”.

O deputado João Daniel (PT–SE) enviou ofícios aos ministérios da Justiça e de Relações Exteriores para solicitar explicações sobre a “real situação” de Abuumar e “garantia de sua segurança e integridade”.

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“Segundo informações extraoficiais, a razão para a inadmissão se relaciona a alegações de que o cidadão palestino teria ligações com grupos terroristas”, explicou o deputado. “Entretanto, não foram apresentadas provas, documentos ou ofícios que confirmem as alegações”, corroborou.

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL–SP) somou-se às solicitações ao Itamaraty, ao notar “tratamento arbitrário” e pedir o “cumprimento da legislação nacional e internacional aplicável e a preservação dos direitos humanos”.

Israel mantém ataques indiscriminados contra Gaza desde 7 de outubro, em retaliação e punição coletiva a uma operação transfronteiriça do Hamas que capturou soldados e colonos. Desde então, protestos internacionais eclodiram contra a guerra.

Segundo o exército ocupante, 1.200 pessoas foram mortas na ocasião. O número, no entanto, sofre escrutínio, após o jornal israelense Haaretz reportar “fogo amigo”, sob ordens gravadas de comandantes de Israel para impedir a tomada de reféns.

O Estado israelense é ainda réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, conforme denúncia sul-africana, com apoio do Brasil, deferida em 26 de janeiro.

Apesar de pressões internas e uma contenda acalorada com o regime israelense, que o declarou persona non grata, o governo brasileiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva posterga a ruptura de laços com a ocupação colonial na Palestina.

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Palestina: quatro mil anos de história
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