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‘Injustiças no exterior refletem comportamento em casa’, diz ativista anglo-palestina

A ativista anglo-palestina Leanne Mohamad, sem partido, é candidata ao parlamento por Ilford North. Mohamad condena o viés antipalestino do atual Partido Trabalhista de Keir Starmer e se inspira em suas raízes para prosseguir com seu trabalho de base.
Leanne Mohamad, candidata anglo-palestina, sem partido, pelo distrito de Ilford North, durante protesto por um cessar-fogo na Faixa de Gaza, em Londres, Reino Unido, 3 de fevereiro de 2024 [Mark Kerrison/In Pictures via Getty Images]

Às vésperas das eleições gerais no Reino Unido, o Partido Trabalhista se encontra diante de uma enorme crise de confiança, sobretudo entre sua base de eleitores muçulmanos. O partido, sob a liderança do “apoiador sionista” Keir Starmer, enfrenta duras críticas pela forma como reagiu ao genocídio em Gaza, levando a um declínio notável no apoio da comunidade islâmica.

O descontentamento é motivado pelos comentários de Starmer desde o princípio, quando disse defender o corte de todos os suprimentos fundamentais a Gaza, como parte do cerco militar de Israel, em flagrante desconsideração pelas vidas palestinas. Apesar dos apelos recentes por um “cessar-fogo sustentável”, os danos à reputação trabalhista já são marcantes.

Perdas trabalhistas 

A repercussão da postura de Starmer é gritante. O tradicional apoio da comunidade islâmica ao Partido Trabalhista desabou, de 86% em 2019 a 60% nas eleições deste ano. A queda se atribui ao fracasso da oposição em defender ativamente um cessar-fogo em Gaza e tratar de questões em seu cerne, como a islamofobia endêmica.

O impacto foi evidenciado pelas eleições locais de maio, nas quais trabalhistas perderam cargos “em muitos dos lugares nos quais as pessoas se identificam como muçulmanas”, em particular, a candidatos independentes, como “provável reflexo do descontentamento da comunidade com o posicionamento do partido sobre a guerra em Gaza”.

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Em um ambiente tão polarizado, não surpreende que as eleições gerais deste ano registrem um recorde de candidatos independentes. Dentre eles, Leanne Mohamad, ativista anglo-palestina e candidate por Ilford North, que representa uma nova onda de engajamento político que busca responder aos fracassos das lideranças tradicionais.

Uma jornada na política

A entrada de Leanne Mohamad na política tem raízes profundas em seu ativismo e sua história pessoal. “Sou uma cidadã anglo-palestina, neta de refugiados palestinos expulsos em 1948, em virtude da Nakba”, destacou Mohamad ao MEMO, em referência à “catástrofe” palestina, termo utilizado pela população nativa para descrever a expulsão de 800 mil pessoas de suas terras e a destruição de mais de 500 aldeias e cidades para dar lugar ao Estado de Israel.

A militância de Mohamad pelos direitos palestinos começou cedo, influenciada pelas histórias e experiências de sua família. Mohamad angariou atenção online por um discurso realizado ainda no colégio, sobre a Nakba, intitulado “Birds Not Bombs” (“Pássaros, não bombas”). Seu texto foi parte da competição Speak Out — contudo, discriminado e desclassificado pelo painel.

Durante a pandemia de covid-19, o envolvimento de Mohamad em esforços comunitários locais — como seu voluntariado na distribuição de alimentos aos necessitados no Clube da Juventude de Frenford — trouxe novos contornos a seu ponto de vista político. “Isso abriu meus olhos para as dificuldades enfrentadas em nossa comunidade, pelos trabalhadores e suas famílias”, relatou Mohamad.

Essas experiências a incentivaram a ir além: ao ativismo por direitos humanos universais, sob a motivação cada vez mais urgente de construir sistemas mais justos e tratar da velha negligência sistêmica que assola as populações.

Por Ilford North

A decisão de Mohamad de concorrer nas eleições pelo distrito de Ilford North tem como base o seu compromisso com sua comunidade e os direitos humanos. “Temos um deputado em Ilford North que se recusa a votar pela paz e é parte de um partido que apoia o assassinato brutal de milhares de civis”, denunciou Mohamad.

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Sua candidatura também se motiva por uma conexão profunda com a região, onde passou boa parte de sua vida: “Quero ver nosso povo, nossas comunidades prosperarem, em vez de serem ignoradas por sucessivos governos”.

Gaza e Palestina

A crise humanitária em Gaza permanece central para Mohamad. Ela defende ações imediatas e decisivas do governo britânico para tratar das questões urgentes que tomam a região. “Nossos atuais governantes e parlamentares, ao se recusarem a reivindicar um cessar-fogo em Gaza, em meio às ações de Israel, demonstram uma profunda desconexão entre a liderança política e os anseios da população”, argumentou a candidata.

Sua postura política tem como enfoque paz e justiça, ao reiterar a demanda por um embargo de armas ao Estado da ocupação israelense e responsabilização nas cortes internacionais daqueles que perpetraram ou ordenaram crimes de guerra.

A destruição de casas, hospitais, escolas, igrejas, mesquitas e universidades na Palestina é claramente genocídio.

Mohamad também reivindica de seu país que reconhece a independência do Estado palestino, livre da coação e do lobby colonial sionista. Para Mohamad, é fundamental desmontar o regime de apartheid em Israel, para instaurar em seu lugar uma sociedade justa e democrática, na qual todos sejam tratados sem discriminação, não importam suas raízes.

“Isso só pode ser feito caso a comunidade internacional pressione Israel a respeitar as normas e leis internacionais”, explicou Mohamad ao MEMO.

Esperança e ação

Para Mohamad, a conjuntura em Gaza não é meramente uma questão política, mas pessoal, ao influenciar e direcionar seu trabalho.

“A realidade e as consequências da Nakba de 1948 continuam até hoje”, destacou, ao expressar compromisso com um mundo mais justo, para que seja então também mais seguro. Mohamad insiste em deixar uma eloquente mensagem de esperança e ação coletiva a seus eleitores e sua comunidade em Ilford North. “Me escolheram como candidata independente porque conhecem meus valores, sabem de onde eu vim”.

“Vamos enfrentar a dura realidade do custo de vida, proteger nosso sistema de saúde universal e garantir que as ruas estejam seguras”, prometeu Mohamad, ao alertar: “Injustiças no exterior refletem como o governo nos trata em casa”. Mohamad pede a seus eleitores que ecoem seus apelos: “Juntos, podemos construir um futuro melhor”.

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