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Perseguição a intelectual palestino é violação de soberania brasileira

Professor palestino Muslim Abuumar [Reprodução]

Muslim Abuumar é um professor universitário, PhD, que reside em Kuala Lumpur, capital da Malásia. Se trata de um renomado intelectual palestino cujo nome consta em uma lista não-oficial do FBI — a Polícia Federal dos Estados Unidos — como “apoiador do terrorismo”. A “acusação informal” é de que esse cidadão palestino e dotado de plenos direitos de cidadania malaia é vinculado ao Movimento de Resistência Islâmica da Palestina (Hamas). Ou seja — o Império que financia o ilegal Estado sionista aponta o dedo para o dr. Abuumar como se participar da luta pela libertação de sua terra fosse um “crime” ou algo “suspeito”. Não é. É meritório e nem a Organização das Nações Unidas (ONU) nem o Brasil consideram o partido eleito no pleito de 2006 como “terrorista”. Faltou avisar isso para o delegado responsável pelo setor de imigração da Polícia Federal, dentro do Aeroporto Internacional de Guarulhos.

No domingo, 23 de junho, Abuumar foi detido junto de sua esposa — grávida de sete meses —, da sogra de 69 anos e de seu filho de seis anos. Todos têm cidadania malaia, país com o qual Brasil tem relações diplomáticas, inclusive com acordo de visto. Tampouco havia nenhuma acusação formal contra eles. Abuumar portavam um visto de entrada, devidamente emitido pela representação diplomática na Malásia, e já haviam visitado o país em outras ocasiões. Detalhe, têm parentes residindo no Brasil. Tendo tudo isso em vista, qual foi o “argumento” da autoridade da Policial Federal no aeroporto de Guarulhos para detê-lo?

Segundo a agência de notícias Reuters, em base no fontismo — o que na gíria jornalística implica em vazamento seletivo —, a orientação veio dos Estados Unidos. “O pedido partiu do Departamento de Estado dos Estados Unidos”, revelou à Reuters fonte da Polícia Federal, sob condição de anonimato. “Já tinha sido provado perante um juiz que ele estava profundamente envolvido com o Hamas”, acrescentou, sem especificar quais as ligações ao movimento palestina, tampouco o processo.

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Na sentença da juíza Milenna Marjorie Fonseca, magistrada que aprovou a deportação, a sustentação se referiu a um comunicado de alerta enviado pela embaixada dos Estados Unidos “sobre um membro do Hamas que chegaria ao Brasil”. Insisto na pergunta: houve um acordo de cooperação internacional, um tratado assinado entre o país membro dos Bricas e a potência que lidera o G7, com algum grau de concordância, em perseguir quem resiste ao genocídio palestino? Que eu saiba não. Para os tomadores de decisão no Aeroporto de Guarulhos, tudo indica que sim.

Obviamente, que o cinismo acompanha um discurso de legitimação. Assim, a magistrada sentencia: “Nada há nos autos que permita concluir que a autoridade impetrada teria agido por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política”. Desta forma, a “discriminação que não discrimina”, além de outras aberrações, é baseada na lista permanente do FBI, chamada em inglês de Terrorist Screening System Center (Centro de Triagem Terrorista, ou TSC).

Em reportagem da CBS News, a lista em vigor desde 1º de dezembro de 2003, ano da segunda invasão dos Estados Unidos ao Iraque, que começou com 120 mil pessoas, chegou, em 2017, a reunir 1.16 milhão de mil indivíduos. Em dezembro de 2023 já passavam de dois milhões de nomes e pode estar ainda maior. A forma como a lista é elaborada e quem Washington denomina ou não de terrorista varia conforme as benesses políticas do Império decadente e sua colônia avançada, o Estado sionista apelidado de “Israel”. Nesta listagem, seguramente estão cidadãos e cidadãs de países árabes ou de maioria islâmica que foram sequestrados em seus países ou viajando e levados a força para a prisão ilegal de Guantánamo — um pedaço da ilha de Cuba ocupado militarmente pelas tropas estadunidenses.

Em outro momento histórico, algumas pessoas denominadas como takhfiristas pelos crentes no Islã, poderiam receber o título de “combatentes pela liberdade”. A hipocrisia imperialista é do tamanho da sanha genocida do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e seus asseclas.

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A listagem dos “suspeitos” pelos Estados Unidos  – o mesmo país que bombardeia com drones camponeses e professores, usando requintes de crueldade – é acompanhada de outra, esta de origem sionista, chamada de “Autoridade de Proibição de Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo em Israel”. Conforme consta no comunicado da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), este seria um órgão do Ministério da Justiça de Israel, que emitiu, em 26 de outubro de 2023, um grosseiro arrazoado que “chama todas as entidades reguladas globais para aumentar vigilância às campanhas de financiamento do terrorismo em resposta à guerra em andamento e estado de emergência”.

Uma resposta digna e altiva 

O website do Instituto Brasil – Palestina (Ibraspal) compartilhou uma resposta bastante educada e dotada de altivez do professor Muslim Abuumar. A resposta se dirige ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu governo, “ao povo brasileiro em geral”, “aos ativistas brasileiros que apoiam a causa palestina” e “aos brasileiros que apoiam a ocupação sionista”.

No primeiro ponto, ressalta: “O que mais me entristece é o fato de um país grande e independente e soberano como o Brasil ter sucumbido à vontade estrangeira de uma forma que contradiz a própria Constituição brasileira e desrespeita o espírito jurídico brasileiro”.

No segundo ponto, o alerta é ainda mais instigante: “Infelizmente, o que aconteceu comigo recentemente, quando me foi negada a entrada no Brasil com base em alegações moralmente falsas e legalmente infundadas, e seguindo agendas estrangeiras que não são o nacionalismo brasileiro, apoiadas pelas forças que estão tentando reforçar a hegemonia sobre os povos do mundo, é um indicador perigoso de que essas agendas podem encontrar seu caminho entre vocês”.

Portanto, a ressalva do diretor do Centro para Pesquisa e Diálogo Ásia – Oriente Médio e membro do Centro de Cultura Palestina na Malásia (PCOM) é um alerta para toda a militância defensora da causa palestina no Brasil. A violação de soberania que proporcionou a ilegalidade do ato contra ele e sua família, pode voltar a se repetir, outras e outras vezes.

Um histórico de violação de soberanias e internalização de agendas externas

Infelizmente não foi a primeira vez e, tendo em vista a ausência de reação oficial, teremos outras violações de soberanias. Entre 4 e 9 de outubro de 2009 mais de cem servidores federais e membros da Justiça sofreram lavagem cerebral dentro do consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, atendendo a um seminário que foi o carcinoma da Lava-Jato, conforme corretamente relatado pelo WikiLeaks.

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Em novembro de 2023 o Mossad assumiu ter auxiliado na prisão de três pessoas —duas em São Paulo, uma no Rio — “acusadas” de pertencerem ao Hezbollah. Considerando que somos cerca de dez milhões de descendentes de libaneses no Brasil, ser membro ou apoiador de um partido político que é governo em sua terra ancestral não é motivo para demérito. Nem Hamas e nem Hezbollah são considerados ilegais no país e a agenda de um Estado colonial não deveria ser pretexto para nada. Mas é.

Sinceramente, não devemos esperar reação enérgica alguma do governo brasileiro. A existência de um Estado paralelo que obedece aos Estados Unidos e ao apartheid sionista é uma evidência. Se trata de mais uma meta permanente a ser buscada pelos defensores da causa palestina e da parte não ocidentalizada da colônia árabe-brasileira. Que esta vergonha nos sirva de lição.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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