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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Um Dia em Gaza: Documentário da BBC traz humanidade ao conflito

Forças israelenses disparam gás lacrimogêneo contra manifestantes palestinos durante a Grande Marcha do Retorno, na cerca nominal de Gaza, em 11 de janeiro de 2019 [Ali Jadallah/Agência Anadolu]

O canal britânico BBC lançou, em meados de 2019, um documentário implacavelmente real sobre a história de um dia fatídico para ambos as margens de um abismo. One Day in Gaza (Um Dia em Gaza) serve de testamento às artes do documentário.

Em 14 de maio de 2018, um dia que se tornaria motivo de orgulho para a historiografia nacionalista israelense, os Estados Unidos transferiram oficialmente sua embaixada de Tel Aviv à cidade ocupada de Jerusalém. Enquanto oficiais israelenses e americanos, no entanto, celebravam o evento, a apenas alguns quilômetros de distância, do outro lado da cerca de arame farpado, um outro mundo, profundamente ferido por sete décadas de ocupação, contabilizava a tragédia de mais sessenta mortos.

O documentário de Olly Lambert traz à luz algumas duras verdades daquele árduo dia, ao confrontar sua audiência com relatos comoventes da pura vivência humana: amor e perdas que transbordam pelas lentes à casa de seus espectadores. Apoiado por horas de excertos registrados em vídeo, compilados por ambos os lados do conflito, a obra documental de Lambert proporciona 58 minutos de humanidade crua e aterradora sob um microscópio.

Jamais me senti tão fisicamente desconfortável em assistir algo em minha televisão. A abordagem severa de Lambert para retratar os degraus mais baixos da moral humana emerge como registros sem cortes daquela carnificina. Segundos e segundos de corpos que sangram, que se contorcem; de pessoas lutando para respirar no assoalho de um hospital; membros arrancados e gritos histéricos de vítimas do gás lacrimogêneo. Por quase oito horas, o exército israelense baleou mais de mil palestinos que participavam da Grande Marcha do Retorno — uma campanha de manifestações civis por seu direito de retorno a suas terras ancestrais, segundo a lei internacional. Tudo isso em não mais que 30 segundos de vídeo.

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Um entrevistado da ong Médicos Sem Fronteiras (MSF) descreve de maneira bastante gráfica como a grande maioria das vítimas foi baleada nas pernas: “Ossos convertidos em poeira … Como se diz, o surto de uma doença, vimos o surto de armas de fogo”. A magnitude da situação se expande pela capacidade de Lambert de transmitir o caráter íntimo de histórias individuais. Sentimo-nos conectados a essas pessoas, algumas delas contando em primeira mão a história daquele dia; outras que só existem na memória, eternizadas pelo luto de seus entes queridos. Vemos o panorama pelo que ele é: uma amálgama de experiências únicas que compõe uma terrível imagem do caos.

Um dos personagens é Wisal Sheikh Khalil, cujas horas finais passou entre as orações e os protestos perto da cerca nominal de fronteira entre Gaza e o território considerado Israel. Tudo que Wisal mais desejava, como refugiada palestina, era retornar à terra de seus avôs. O vídeo de celular de seu brusco assassinato é trêmulo e de baixa resolução — ainda assim, é devastador. Ela está de pé, conversando com uma amiga, quando um franco-atirador israelense atinge sua cabeça e a derruba contra o chão. Assistir a uma menina de 14 anos morrendo em sua tela não é um jeito agradável de passar o tempo. Contudo, ver uma vida ceifada antes mesmo de começar é precisamente o que reitera o caráter vazio das alegações do exército israelense, de que uma “bala perdida atingiu um alvo e mudou de direção”. A mesma falácia se repetiu diante de outro assassinato, dessa vez do voluntário médico Razan al-Najjar, em junho de 2018.

Outro entrevistado, Bashir, é filmado apenas da cintura para cima, até revelar que sua perna foi amputada pelo que caracterizou como uma “bala orgulhosa” — um dos mais de dois mil feridos daquele dia cruel. Sua estranha descrição do objeto que mudou sua vida irreversivelmente é perturbadora, para dizer o mínimo, mas a forma como ele fala daquela tarde de maio não carrega nenhum remorso. Mesmo a jovem Wisal afirmou a sua mãe que não se importaria em “morrer como mártir”.

Para dizer o mínimo, o documentário de Lambert dá rosto ao fato de que os palestinos têm um amor profundo por sua terra e seu patrimônio, e que a decisão provocativa do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para transferir sua embaixada — pondo de lado a lei internacional — os incitou a agir sobre seus sentimentos.

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A maioria dos manifestantes se reuniu pacificamente contra o evento, mas a presença do Hamas e outros grupos da resistência serviu de desculpa para que as forças de Israel atirassem para matar. Contudo, o ponto de vista franco de Lambert permite ao público tomar suas próprias conclusões, se tamanha escala de “retaliação” foi proporcional ou justificada. O diretor desnuda os fatos e se concentra no que realmente ocorreu, para além de fatores externos como o contexto histórico ou geopolítico, que ofuscam, vez e outra, os acontecimentos em campo e parecem diminuir os relatos.

O documentário também traz justaposições de ironia entre ambos os lados do evento. Uma avó israelense insiste que a Grande Marcha do Retorno a apavora, enquanto uma mãe palestina relata sobre toda a comida que levou aos manifestantes, como se fosse um piquenique no parque.

Talvez seja isso o mais assustador. Como confessa um soldado israelense: “Uma cerca feita de metal, com menos de um centímetro de espessura, mas mundos diferentes — mundos completamente diferentes”.

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