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Egito cede terras mediterrâneas aos Emirados por US$35 bilhões

Abu Dhabi pagará o valor ao Cairo até este mês, para desenvolver a região de Ras el-Hekma, na costa mediterrânea. A venda serve de resposta à persistente crise econômica no Egito.
Praia mediterrânea em Alexandria, no norte do Egito, em 3 de dezembro de 2022 [John Wreford/SOPA Images/LightRocket via Getty Images]

O governo egípcio concordou em ceder a região de Ras el-Hekma, em sua costa noroeste, aos Emirados Árabes Unidos (EAU), para que a monarquia possa desenvolvê-la, pelo valor de US$35 bilhões, confirmou em 23 de fevereiro o primeiro-ministro do Egito, Mostafa Madbouly, após semanas de especulação.

Em coletiva de imprensa, diante de oficiais egípcios e emiradenses, Madbouly afirmou que seu país receberia US$15 bilhões em adiantamento logo na semana do anúncio e o restante dentro de dois meses.

O acordo representa o maior investimento estrangeiro direto em projetos de desenvolvimento urbano na história moderna do Egito. Trata-se de uma parceria entre o governo militar do Egito e um consórcio emiradense, encabeçado pela ADQ, reportou Madbouly na ocasião.

Notícias sobre a venda, no entanto, incitaram repúdio de críticos do regime, que reiteraram que as terras equivalem a uma das localidades costeiras mais valiosas do país, cujo desenvolvimento deveria estar nas mãos de investidores locais.

Madbouly insistiu, contudo, que o Estado egípcio receberá 35% dos lucros oriundos do projeto, muito embora se trate de um investimento privado com a maioria das ações obtidas via compra pelo consórcio emiradense.

O projeto de Ras el-Hekma abarca 170.000.000 m² e inclui bairros residenciais, resorts, escolas, universidades, uma zona industrial, um centro financeiro e um porto internacional para iates de luxo, além de um aeroporto no sul da cidade.

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Madbouly disse ainda que US$11 bilhões já foram depositados pelos Emirados no Banco Central — quantia que seria convertida em subsídios. O premiê prometeu que o projeto aliviará a crise econômica que assola o país há anos.

Sobre o destino dos atuais moradores de Ras el-Hekma, Madbouly alegou que seu governo deve realocá-los a outras áreas mediante indenização. Os residentes, no entanto, temem se deparar com ordens de despejo.

Ao comentar o acordo, o magnata egípcio Naguib Sawiris reiterou que o projeto contribuíra na luta contra a crise econômica, “ao atrair capital estrangeiro, criar empregos e estabilizar as taxas de câmbio”. Logo após o anúncio, o preço do dólar no mercado paralelo caiu em cinco libras, ao atingir 57 libras egípcias para cada dólar, contra 62 logo no dia anterior, segundo relatos da rede de notícias Cairo24.

O Egito mantém ainda conversas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) por um acordo de socorro capaz de exceder US$10 bilhões. Espera-se que o empréstimo resulte na desvalorização da moeda para equivaler às taxas do mercado clandestino — que quase dobram o índice oficial de 31 libras para cada dólar.

Promessas aos credores

Na ocasião do anúncio, Madbouly reiterou estar “a pouquíssimos passos de distância” de firmar um acordo com o FMI, sobretudo em decorrência dos investimentos externos em Ras el-Hekma.

Khaled Ikram, economista e ex-diretor da repartição egípcia do Banco Mundial, confirmou que o acordo pode melhorar a posição do país diante das negociações com o FMI. “Se as coisas forem como diz o anúncio, isso deve fortalecer a mão das autoridades egípcias durante as conversas”, argumentou Ikram ao Middle East Eye. “O acordo deve mitigar receios de inadimplência egípcia sobre suas obrigações externas [e] asseverar a credores e investidores de que não há razão para os boatos de que o apoio do Golfo à economia egípcia está minguando”.

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O Egito, lar de mais de 109 milhões de pessoas, enfrenta uma dura crise fiscal, com recordes de inflação e escassez de moeda estrangeira. Em agosto, a inflação anual se aproximou de 40%, de acordo com índices oficiais, levando muitos cidadãos à linha da pobreza. Antes da crise, mais da metade da população já vivia abaixo ou perigosamente próxima da linha da pobreza.

A dívida externa quadruplicou, chegando a US$164 bilhões, ao longo dos dez anos do regime do presidente e general Abdel Fattah el-Sisi. Os juros consomem hoje um valor acima das despesas anuais do governo. Apenas em 2024, estima-se que o Egito pague em juros US$34.8 bilhões, de acordo com um relatório do Banco Central.

As reservas estrangeiras do país são de apenas US$35 bilhões. Segundo dados oficiais do Banco Central, a proporção a curto prazo entre a dívida e as reservas estrangeiras ultrapassou 80% em 2022 — o dobro do ano anterior.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye em 23 de fevereiro de 2024.

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