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A lei por essas bandas: Um retrato do sistema legal da ocupação israelense

Ra’anan Alexandrowicz, diretor de The Law in These Parts (A lei por essas bandas), recebe o prêmio de Melhor Documentário do Festival de Cinema de Sundance de 2012, em Park City, Utah, Estados Unidos, 28 de janeiro de 2021 [Fred Hayes/Getty Images]

“Neste filme, documentarei um sistema legal; um sistema que organiza o Estado de direito nos territórios que conquistamos em 1967. Este é um sistema único. Pouquíssimas pessoas compreendem sua profundidade”.

Este sistema, como nos conta o diretor e narrador Ra’anan Alexandrowicz em The Law in These Parts (A lei por essas bandas), é uma rede de normas fabricada por profissionais militares e aplicada para governar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza desde sua ocupação ilegal em 1967. Por mais de meio século, esses profissionais implementaram uma série de cortes militares, emitiram leis e ordens arbitrárias e puniram milhares de palestinos por supostamente violá-las.

A legislação não tem brecha: tributação, correios, seguro de veículos, uso compulsório da moeda israelense, gestão de sítios arqueológicos, demolição de residências, construção de assentamentos ilegais e repressão a qualquer forma de resistência. Os palestinos vivem sob uma série de regras projetadas por seus ocupantes que permitiram a prisão de milhares, incluindo tortura, e expropriação das terras por mais de meio milhão de colonos ilegais.

Trata-se de um sistema judicial que questiona se a ocupação e o Estado de direito são de fato compatíveis: pode Israel realmente ser uma democracia moderna?

A lei por essas bandas, documentário de 101 minutos, foi exibido como parte do Festival de Cinema do Human Rights Watch, em Londres. Em 2012, ganhou o prêmio de Melhor Documentário do Festival de Cinema de Sundance.

 

A lei por essas bandas combina uma série de entrevistas extensas com esses profissionais militares — arquitetos desse sistema de discriminação legal, denunciado como apartheid —, sobrepostas a registros de vídeo da Palestina ocupada, que remetem aos processos coloniais desde a década de 1940.

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Em uma das cenas, palestinos vestindo camisa branca, paletó e seu lenço tradicional (keffieh) se reúnem em frente à Suprema Corte de Israel, na cidade ocupada de Jerusalém — uma instituição caracterizada como “absolutamente imparcial” pelo então juiz aposentado Meir Shamgar, falecido em 2019, aos 94 anos de idade, em sua entrevista ao documentário.

Meir Shamgar (à esquerda), então presidente da Suprema Corte de Israel, visita a Mesquita Abraâmica (Túmulo do Patriarcas), na cidade de Hebron, como parte do inquérito sobre o massacre cometido pelo colono israelo-americano Baruch Goldstein, em 9 de março de 1994 [Patrick Baz/AFP via Getty Images]

Dentro do tribunal, uma das questões mais prementes a ser resolvida é precisamente a pauta dos assentamentos. Em 1979, a corte determinou o caráter ilegal do assentamento de Elon Moreh, na Cisjordânia ocupada, ao ordenar que as terras fossem devolvidas aos requerentes do caso — isto é, aos residentes da antiga aldeia árabe-palestina que deu lugar ao colonato israelense. Ainda assim, para que a construção do assentamento fosse adiante, o tenente-coronel reformado Alexander Ramati sugeriu apreender as propriedades sob o pretexto de que seriam “terra morta” — uma espécie de lacuna legal herdada dos tempos do Império Otomano.

Conforme essa lei, terras supostamente desabitadas e sem cultivo seriam expropriadas. “Logo à noite, tínhamos disponível um helicóptero e uma equipe — um piloto, um agente de operações e eu —, sentados na cabine em busca de ‘terras mortas’. Voamos de um lado para o outro até encontrarmos a área adequada”, relatou Ramati. O local que encontraram — terras palestinas — deu lugar ao atual assentamento de Elon Moreh, na Cisjordânia.

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Que a Suprema Corte de Israel, ao julgar sobre terras palestinas, tenha permitido que o assentamento fosse reconstruído é um somente um dos muitos exemplos perturbadores de um sistema judicial — na melhor das hipóteses — maleável. Na prática, o tribunal fracassou — ou, pior, se permitiu fracassar — ao impedir que as leis fossem deturpadas, com implicações severas a famílias palestinas ancestrais.

Elon Moreh, perto da cidade de Nablus, foi construído sobre as aldeias palestinas de Azmut e Deir al-Hatab, mediante limpeza étnica. O colonato abriga hoje aproximadamente dois mil habitantes, exclusivamente judeus, e impõe sua jurisdição sobre uma área oito vezes maior do que o previsto pelos supostos limites da municipalidade, de acordo com estimativos do Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).

O mecanismo colonial aplicado para a criação do assentamento de Elon Moreh serviu como precedente à expansão dos colonatos israelenses, replicado por toda a Cisjordânia desde a década de 1980.

Ao fim da entrevista, Alexandrowics pergunta abertamente a Meir Shamgar: “Por acaso, o senhor acha que nós — cidadãos de Israel — aceitaríamos um sistema legal como aquele que operamos nos territórios ocupados?”.

A questão, ao que parece, permanece em aberto.

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