“O cerco militar israelense impôs duras perdas aos palestinos de Gaza, mas este filme revela vida e esperança dentre a devastação”.
Kamal Khalaf era um operário da construção civil e pai de cinco filhos, radicado em Gaza, que perdeu seu emprego em 2007 quando Israel impôs um bloqueio por ar, mar e terra contra o enclave costeiro, após o movimento Hamas vencer as eleições nacionais palestinas. Com o cerco militar — caracterizado como ilegal pela Organização das Nações Unidas (ONU) —, veio a proibição de entrada de materiais de construção civil, como aço e cimento, e uma epidemia de desemprego que transcendeu o setor a todos os aspectos da vida em Gaza.
“Desde o cerco, a importação de materiais de construção foi banida”, explicou Khalaf. “Fiquei dois anos sem trabalhar. Não tinha nada com o que construir”.
Antes de serem escavados túneis entre Gaza e o Egito, para permitir a entrada de bens essenciais, os palestinos locais tentaram erguer casas de barro para abrigar suas famílias. Após a campanha israelense de 2008 e 2009, reconstruíram sua infraestrutura com os próprios escombros, ao vasculhá-los em busca de aço e concreto.
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Khalaf pergunta ao proprietário de uma casa que está reconstruindo se ele tem medo de que voltará a ser destruída pelas forças israelenses. O homem lhe responde: “Mesmo que a destruam, reergueremos nossas casas uma e outra vez”.
Agências e especialistas das Nações Unidas estimam que, somente durante os bombardeios israelenses contra Gaza de dezembro de 2008 a janeiro de 2009, ao menos 60 mil residências civis foram danificadas ou destruídas.
A história de Khalaf é documenta em Gaza Lives On (Gaza vive), produção da rede Al Jazeera lançada em 9 de dezembro de 2014 como parte do Festival de Cinema Palestino de Bristol. Desde a mídia à agricultura, a obra registra a vida dos palestinos de Gaza que vivem sob o cerco.
Os túneis, uma via desesperada por comida, medicamentos, peças mecânicas, cimento e outros bens essenciais, reuniu famílias e permitiu casamentos. May Waedeh, originalmente de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, teve sua viagem indeferida pelo governo de Israel, para que se casasse com Mohammed. Sem opção, May realizou uma viagem de quatro dias à Jordânia; então, voou ao Egito, para, enfim, atravessar o subterrâneo à Faixa de Gaza.
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“Eu quase morri para chegar em Gaza”, contou May ao documentário. Sentados na praia onde se casaram, comentou a esposa: “Que bonito é o pôr do sol … Que bonito é o mar … Gostaria de sair em uma viagem de navio”.
À época, May e Mohammed viviam juntos no campo de refugiados de Nuseirat — vitimado por um massacre no início de junho de 2024, além de sucessivos ataques na campanha genocida desde outubro anterior.
Abu Anwar Jahjouh vivia no campo de refugiados de Shati, no norte de Gaza, vendendo milho na praia. Jahjouh recordava como Gaza costumava exportar laranjas e limões e toranjas antes da Guerra dos Seis Dias, em 1967 — quando os navios comerciais pararam de aportar. “Ninguém mais vem a Gaza. Não conseguimos exportar mais nada. É por isso que eu tenho que vender milho na praia. Fazemos o que é possível para sobreviver”.
De acordo com um relatório da confederação humanitária Oxfam, já em 2008, cerca de 95% das operações industrias haviam sido suspensas devido à falta de acesso a materiais necessários para a cadeia produtiva, além da impossibilidade de exportar os bens então manufaturados.
No entanto, ao documentário, reiterou Jahjouh: “Quanto mais Israel se mostra determinado em nos exterminar da terra, mais determinados ficamos em sobreviver”.
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Grande parte das terras para plantio e das águas de pesca se tornaram inacessíveis aos palestinos de Gaza devido ao cerco militar, além da devastação causada pelos sucessivos bombardeios e o fato de que Israel busca desraigar árvores e aplainar o solo sempre que possível. Como resultado, a grande maioria da população se tornou dependente de assistência humanitária para sobreviver.
Gaza Lives On é um retrato íntimo da vida cotidiana de Gaza sob o cerco militar israelense. Conta a história de pessoas comuns, duramente afetadas pelos reiterados processos de limpeza étnica impostos pelas forças coloniais de Israel. Todavia, é também um testamento da resiliência palestina: de um povo sofrido, mas que ainda assim encontra esperança e beleza em suas vidas.
Como observa um dos personagens: “Em meio à devastação, vemos pessoas que querem viver”.