Hoje, cerca de 300 mil refugiados palestinos vivem no Líbano, embora apenas 2% deles tenham autorização de trabalho. A legislação libanesa proíbe os palestinos de exercerem diversas profissões — aqueles que trabalham ganham um valor menor do que o salário mínimo. Os membros da diáspora palestina no Estado levantino tampouco podem possuir um imóvel próprio e têm seu acesso aos sistemas de justiça e saúde severamente restritos.
Ein el-Helweh, campo de refugiados no sul do Líbano, que abriga parte dessa população, foi construído ainda em 1948, na ocasião da Nakba — em árabe, catástrofe —, quando foi criado o Estado de Israel mediante limpeza étnica planejada. Seu objetivo então era prover abrigo temporário aos refugiados. No entanto, sete décadas se passaram, ao converter um campo provisório em uma espécie de favela permanente a seus moradores. Trata-se do maior campo de refugiados no Líbano, ao abrigar até 120 mil pessoas, dentro de uma área bastante inferior a sequer um quilômetro quadrado.

Campo de refugiados palestino de Ein El-Helweh, perto da cidade de Sídon, no sul do Líbano, em 23 de março de 2009 [Ramzi Haidar/AFP via Getty Images]

A vida no campo de refugiados palestino de Ein el-Helweh, no Líbano, conforme registros do filme de documentário A World Not Ours (Um Mundo Que Não é Nosso), do diretor palestino Mahdi Fleifel [Divulgação]

Cartaz do filme A World Not Ours (Um Mundo Que Não é Nosso), do diretor Mahdi Fleifel [Divulgação]
Um exemplo particularmente interessante das diferentes direções que a vida dos refugiados palestinos tomou ao longo da história moderna se demonstra pela amizade entre o diretor e Abu Iyad. Enquanto Fleifal passava seus verões no campo de refugiados e então voltava para a casa no exterior, seu amigo e personagem central, Abu Iyad — que recebeu este apelido em homenagem a Salah Khalaf, chefe de inteligência e vice-líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), assassinado em Túnis em 1991 — jamais pôde deixá-lo. Membro de longa data do partido Fatah, que hoje controla a Autoridade Palestina, sediada em Ramallah, Cisjordânia ocupada, seu amigo se tornou, com o tempo, desiludido com a promessa de retorno e indignado frente à postura das lideranças nacionais.
“Eu queria que Israel nos matasse de uma vez”, lamenta Abu Iyad ao documentarista. “Destruímos a nós mesmos. Acho que não quero mais retornar à Palestina”.
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O tio de Fleifal, Said, na época das gravações, passava grande parte de seu tempo cuidado de seus passarinhos. Durante uma das diversas invasões da ocupação israelense à região, o irmão de Said, Jamal, instalou explosivos em torno do campo e foi baleado no pescoço por um franco-atirador quando o exército libanês sitiou o perímetro. Jamal morreu dez anos depois — tinha apenas 23 anos.
Apesar do sofrimento da vida na diáspora, o filme acompanha a sobrevivência destes personagens, como Said e Abu Iyad, no campo de refugiados. Trata-se de uma abordagem profundamente pessoal às questões do refúgio e da diáspora imposta ao povo palestino pela brutal colonização israelense, assim como a discriminação institucional sob o regime sectário libanês. Um Mundo Que Não é Nosso proporciona uma perspectiva interessante sobre as ramificações da vida desde a Nakba.
Um Mundo Que Não é Nosso está disponível para streaming na Netflix.
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