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Retorno a Homs: As esperanças de um jovem sob a guerra na Síria

Abdul Basset Saroot no filme de documentário Return to Homs, dirigido por Talal Derki [Return to Homs/Screenshot/Divulgação]

Abdul Basset Saroot, goleiro da seleção nacional sub-20 da Síria, que se tornou combatente pela libertação de seu país, em relação ao regime totalitário do presidente Bashar al-Assad, foi designado “terrorista” pelo governo em Damasco. O exército invadiu o bairro onde morava para encontrá-lo — então, matou seu irmão mais velho e destruiu a casa de sua família quando Basset se recusou a se entregar.

Certa vez considerado o segundo melhor goleiro jovem do continente asiático, Basset ascendeu a protagonista do documentário Return to Homs — em tradução livre, Retorno a Homs —, de 80 minutos de duração, dirigido por Talal Derki. A obra segue a história de Basset desde o instante em que se sentiu compelido a mobilizar manifestantes pacíficos, no início da revolução, até o momento em que mostrou as repercussões de suas ações a Ossama — cinegrafista e ativista de mídia —, ao registrar os escombros da residência de sua família, destruída por um morteiro do regime.

 

Desta forma, em questão de três anos, a vida de Basset virou do avesso, ao representar chances perdidas, escolhas feitas e uma vida que jamais imaginou para si — em suma, um microcosmos da Síria assolada pela guerra civil, precisamente no âmago de um conflito que devastou o país e parece não ter fim. É também um conto de desespero, o qual o levou às armas à medida que o combate se tornou não somente implacável, como inexorável.

“Nossos sonhos passados ficaram para trás”, comenta Basset no documentário.

Return to Homs fez sua estreia nos Estados Unidos no Festival de Cinema de Sundance, em janeiro de 2014, ocasião na qual conquistou o Grande Prêmio do Júri. No mês seguinte, estreou no Reino Unido, ao ser exibido como parte do Festival de Cinema do Human Rights Watch, na cidade de Londres. Return to Homs proporciona a seus espectadores um relato bastante íntimo, em primeira pessoa, sobre o conflito na Síria, em franco contraste com o panorama apresentado pela cobertura de imprensa.

Este documentário custou US$300 mil dólares para ser realizado, financiado, em grande parte, por recursos de incentivo da Europa. O Festival de Cinema de Sundance, por exemplo, abriu mão das taxas de inscrição, dado que o diretor Talal Derki e o coprodutor Orwa Nyrabia não tinha limite suficiente em seus cartões de crédito sequer para pagar os valores de registro online. A filmagem em si também contou com persistentes obstáculos. Devido à falta de energia elétrica, os cineastas recarregavam seus equipamentos com a bateria dos carros e geradores portáteis movidos a gás. Após as filmagens, os registros eram escondidos e contrabandeados para fora do país.

Em uma das cenas, um grupo de rapazes se reúne na esquina de uma rua, parecem conversar; outros reconstroem uma reserva central. Por um momento bastante breve, parece que a vida comum segue em meio ao caos, até que o som de disparos dos franco-atiradores do regime, instalados sobre os prédios públicos, fazem com que dois ciclistas fujam para longe, seguidos por um enorme tanque de guerra que desce violentamente a rua.

A história acontece na antiga cidade de Homs, considerada, em um primeiro instante, a “capital da Revolução”, alcunha que logrou pelas manifestações de bravura de residentes que protestaram por democracia, ao resistir até o limite contra os disparos de gás lacrimogêneo e os veículos militares mandados pelo regime.

Cidade de Homs, na Síria, retratada no filme de documentário Return to Homs, dirigido por Talal Derki [Return to Homs/Screenshot/Divulgação]

Quando foi lançado o filme, a cidade passava por 18 meses de cerco armado, com tropas do governo de Bashar Assad posicionadas aos quatro cantos. Sob sítio, pouquíssima assistência humanitária era autorizada a passar pelos limites da cidade, enquanto a população permanecia, na prática, impossibilitada de ir e vir.

Muitos dos residentes de Homs foram deslocados à força para outras partes do país ou mesmo ao exterior, somando-se aos milhões de refugiados sírios. Cerca de 40 mil pessoas foram presas naquele período. Entre o início do levante, em 2011, e o lançamento da obra, apenas em Homs 15 mil pessoas haviam sido mortas e dois terços da cidade haviam sido destruídos. A situação certamente piorou.

Manifestantes sírios pró-democracia realizam ato por Abdul Basset Sarout, ex-jogador de futebol e combatente da resistência morto pelo regime de Bashar al-Assad, na Mesquita Fatih, na cidade de Istambul, na Turquia, em 9 de junho de 2019 [Sokoon Media/Creative Commons/Reprodução]

Em 8 de junho de 2019, Abdul Basset Saroot — protagonista deste documentário — faleceu de seus ferimentos em um hospital da Turquia, após confrontos entre a resistência nacional e o exército do regime, na região em Hama, no noroeste da Síria, segundo informações do Observatório Sírio de Direitos Humanos.

Retornar para Homs era, na época, um sonho para muitos. Para Basset e outras vítimas da guerra deixou de ser possível.

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