Quando Sara Ishaq retornou ao Iêmen, após dez anos no exterior, para se reconectar com o lado escocês de suas raízes, encontrou o país onde cresceu à margem da revolução. O ano é 2011 e o espírito contagiante dos levantes populares na Tunísia e no Egito enfim chegou à península — o povo iemenita ansiava pelo fim do autoritarismo do então presidente Ali Abdullah Saleh, sonhando com um país mais justo e sem corrupção.
Veja, por exemplo, Waleed, um dos primos de Sara. Waleed foi sequestrado nas ruas sem qualquer mandado, desapareceu nas cadeias do regime e sofreu tortura por quatro meses nas mãos das Forças de Segurança Nacional. Sara — que está por trás da câmera todo este tempo — registra a luta de sua família para trazer a público o sequestro de Waleed, a fim de pressionar as autoridades a libertá-lo.
À medida que as manifestações ganham corpo nas ruas, dezenas de milhares de pessoas se unem ao coro pela renúncia de Saleh. Sara estende sua passagem por ao menos um mês e meio, a fim de registrar os acontecimentos, ao acompanhar a previsão de seu pai de quanto tempo demoraria para cair o presidente.
Desta maneira, The Mulberry House — em tradução livre, A casa dos frutos de amora —, documentário gravado e dirigido por Sara Ishaq, com 64 minutos de duração, continua a mover-se ora da casa de sua família, ora à revolução que cresce cada vez mais do outro lado das paredes. No início, parece que o pai de Sara está mais interessado em saber quando sua família pretende se casar. “Uma das conquistas de nossa revolução será encontrar um marido para Sara”, brinca o pai.
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No entanto, quem sabe ao refletir uma mudança de atmosfera que tomou toda a população iemenita, conforme muitos cidadãos se tornavam cada vez mais engajados à medida que persistiam as manifestações de massa, seu pai parece abandonar o assunto — muito menos interessante — do eventual matrimônio de sua família para se concentrar devidamente no próprio levante, por exemplo, ao expressar seu apoio à decisão de Sara de registrá-lo em filme.
“Documentar os eventos com sua câmera pode ajudar as pessoas e levar nossas histórias a todo o mundo, para que todos conheçam”, afirma o pai, diante da câmera, ao contrapor o ceticismo do avô. “Sara está levando à luz as dores das pessoas”. Eventualmente, o documentário se torna um registro profundamente único por meio de lentes deveras pessoais, pelas quais examina as atitudes de uma família em particular sobre os protestos da Primavera Árabe no Iêmen.
Enquanto isso, Sara insiste em documentar os eventos na Praça da Mudança — o berço da revolução iemenita na capital Sanaa —, ao filmar, registrar em seu blog e dar entrevistas a diversos canais e agências de mídia de todo o mundo. Sara leva seu espectador a testemunhar a imposição do estado de emergência de Saleh, assim como o blecaute instituído à força contra o bairro Hasbara, a fim de antecipar um bombardeio brutal da Força Aérea.
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O documentário de Sara integrou o Festival de Cinema do Human Rights Watch realizado em junho de 2014, onde fez sua estreia ao público britânico. De sua viagem, nasceu também um segundo documentário, Karama Has No Walls — traduzido livremente como Karama não tem muros —, mais curto, de 26 minutos, retratando a Sexta-feira por Dignidade de 18 de março, quando 45 manifestantes foram massacrados na Praça da Mudança pelas forças do governo. Karama Has No Walls se tornou o primeiro documentário do Iêmen a receber uma indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Documentário de Curta-metragem.
Quanto a The Mulberry House, quem sabe, um pouco mais de contexto e análise poderia auxiliar o público estrangeiro em entender as minúcias da revolução no Iêmen, em particular dado que não conseguiu angariar o mesmo impulso que suas irmãs populares no Egito ou na Tunísia, por exemplo.
Com o tempo, os protestos no Iêmen ainda assim lograram a queda do regime de Saleh, após 33 anos de ditadura. Ainda assim, “a corrupção ainda existe”, destacou o pai de Sara na ocasião da obra — incidentes de violações graves da liberdade de expressão e outros direitos civis perduraram no país, incluindo restrições à manifestação. O Iêmen foi tomado por outro processo político, com a ascensão do grupo rebelde houthi, no fim de 2014 e o exílio, desde então, do presidente Abdrabbuh Mansur Hadi, que deflagrou oito anos de conflito envolvendo as potências regionais — sobretudo Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã. Apesar de parecer que a crise tenha se acalmado, o Iêmen continua instável, sob uma intrincada conjuntura que assola a região.
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