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Olhos de ladrão: Suspense palestino termina em aberto

Civis palestinos deixam a Igreja da Natividade após cerco conduzido por soldados israelenses, em Belém, na Cisjordânia ocupada, em 10 de maio de 2002 [Roger Lemoyne/Getty Images]

O ano é 2012 e Tarek, um engenheiro hidráulico da Cisjordânia, interpretado pelo ator egípcio Khaled Abol Naga, mantém um segredo obscuro desde a Segunda Intifada. Por meio de um flashback, vemos Tarek, dez anos antes, retornando para sua casa para se deparar com um cerco imposto por soldados da ocupação israelense contra sua aldeia. Ao tentar contrapor o exército e correr em busca de sua esposa e filha, o pai é baleado pelos soldados ocupantes. Assustado e ferido, Tarek se abriga em uma igreja local.

Ator egípcio Khaled Abol Naga (centro), ao lado da diretora palestino-americana Najwa Najjar, durante coletiva de imprensa na cidade de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, onde passaram quatro semanas filmando seu longa-metragem Eyes of a Thief, em 3 de junho de 2013 [Abbas Momani/AFP via Getty Images]

O suspense Eyes of a Thief — lançado ao público brasileiro sob o título Olhos de ladrão, no Festival Internacional de Cinema do Rio de 2014 —, dirigido por Najwa Najjar, é em parte inspirado no cerco militar israelense à Igreja da Natividade, na cidade de Belém, na Cisjordânia ocupada. Em 2002, combatentes da resistência palestina se esconderam na igreja quando o exército israelense ocupou Belém por 39 dias consecutivos, a fim de capturar os combatentes entocados.

Diretora palestino-americana Najwa Najjar ao lado de Robert De Niro, célebre ator, produtor e cofundador do Festival Internacional de Cinema de Tribeca, durante uma conversa realizada na edição do evento em Doha, Catar, em 29 de outubro de 2010 [Michael Buckner/Getty Images for DTFF]

De volta ao filme, em uma passagem secreta debaixo da igreja, Tarek redige uma carta a sua filha antes de tentar escapar, quem sabe, imaginando uma inevitável corrente de acontecimentos. Após passar dez anos encarcerado, por não conseguir apresentar seu documento de identidade em um posto de controle militar da ocupação, Tarek segue à cidade de Nablus, em busca de sua família.

 

Ao chegar na casa que certa vez compartilhou, a encontra abandonada e lhe dizem que sua esposa, na verdade, faleceu. É possível que dez anos tenham se passado sem que a notícia da morte de sua esposa chegasse a ele? Em vez de ficar com amigos ou família, sua filha foi levada a um orfanato e, de maneira suspeita, não pode ser localizada.

Quase imediatamente após seu retorno a Nablus, surge Malak. Uma força da natureza, o tipo de garota que abre fogo contra rapazes locais e rouba peças de metal da boleia dos caminhões para ganhar a vida. Logo a princípio, Tarek suspeita que Malak pode ser sua filha. Sem nenhum outro nome em jogo, o enredo se torna, quase imediatamente, previsível, como um golpe à linguagem de suspense.

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Malak recebe os cuidados de Lila, interpretada pela renomada cantora argelina Souad Massi, que trabalha como costureira em uma loja local. Este estabelecimento pertence ao empresário palestino Adel — um personagem suspeito que, ao que tudo indica, não tem nada de bom em mente. Lila depende financeiramente de Adel para sobreviver; o empresário, por sua vez, está apaixonado por sua funcionária. Contudo, também está Tarek, o que torna suas vidas em casa um tanto complicadas — como uma espécie de reflexo do mundo exterior.

Neste entremeio, Tarek tenta apaziguar o jeito descontroladamente rebelde de Malak ao ensiná-la a jogar bilhar — caso a menina prometa voltar para a escola —, no intuito de que ela vença uma competição local. Embora o filme invista tempo no aprendizado de Makak, ao fim, jamais vemos o torneio, tampouco descobrimos quem venceu.

Conforme se desenrola a história, parece que há mais no segredo obscuro de Tarek do que simplesmente não contar à menina que ele suspeita ser seu pai. Por vezes, parece difícil decifrar quais cenas do filme se passam em 2002 e quais acontecem em 2012; no entanto, é fácil imaginar a frustração vivenciada por Tarek ao deixar a prisão dez anos depois da Intifada, para descobrir que a ocupação militar continua em suas terras.

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Eyes of a Thief — ou Olhos de ladrão — pondera sobre este desespero e os efeitos que um conflito tão prolongado pode ter sobre o relacionamento entre as pessoas. A obra questiona também até onde as pessoas estão dispostas a ir quando sentem que quase tudo em suas vidas lhes foi roubado.

Eyes of a Thief, de 98 minutos de duração, teve sua estreia mundial no Palácio Cultural de Ramallah, na Cisjordânia, e foi selecionado como indicação do Estado da Palestina à categoria de Melhor Filme Estrangeiro da 87ª edição do Oscar, em 2015.

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