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O espetáculo da legitimação do genocídio palestino

Luciano Huck, apresentador da TV Globo, durante evento empresarial Web Summit Rio 2023, no Riocentro, Rio de Janeiro, Brasil, em 1º de maio de 2023 [Vaughn Ridley/Sportsfile for Web Summit Rio via Getty Images]

No dia 1º de julho do corrente ano, em plena zona sul carioca, o Teatro Casagrande – um palco histórico da dramaturgia no Rio de Janeiro e outrora sede de eventos pela Anistia – foi sede de um evento colonial. O instituto Hillel Rio, em parceria com a rede sionista Stand With Us, promoveu um debate intitulado: “O pós-7 de outubro”, onde estariam presentes mais de mil pessoas. No palco, eis a atração principal:

O evento contou com um importante painel de discussão, do qual participaram o apresentador de televisão Luciano Huck e o jornalista Caio Blinder, além do cientista político e presidente-executivo da StandWithUs Brasil, André Lajst. A conversa foi mediada pela jornalista Mariliz Pereira Jorge.

O Hillel Rio de Janeiro, com sede em Ipanema, a seis quadras da praia e uma da Lagoa Rodrigo de Freitas, instalado em uma das áreas mais valorizadas do país, é uma seção local do movimento transnacional. O chamado Hillel International, operando em 16 países, se afirma como a maior rede de campus judaicos em todo o mundo. Fundado em 1923, na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, tem presença em 850 campus de faculdades e universidades. O mote de sua atuação seria a “acolhida” a estudantes vítimas de alegado “antissemitismo”. Propositadamente confundem esse crime – a apostasia contra a fé judaica ou pessoas com esta origem ou religião — com o apoio ao apartheid e ao genocídio do povo palestino. Existe uma contagem (tracking) de casos de antissemitismo, e dez medidas de pronta resposta para proteger quem defende o assassinato de mulheres e crianças em Gaza e na Cisjordânia.

A comunicação do Hillel – tanto a seção brasileira como a rede mundial – traz uma comunicação aprazível, leve, muito semelhante a agências de intercâmbios estudantis. O “detalhe” é a defesa inexorável do Estado Sionista, a denominação de “terrorista” ao movimento Hamas e à heroica resistência palestina, e a ampla oferta de “experiências” nos territórios ocupados de 1948. Ou seja, discurso contemporâneo como uma peça de publicidade em prol da ocupação da Palestina. Na grande lista de anunciantes ou apoiadores, o Hillel International conta com a Organização Sionista Mundial, o Fundo Nacional Judaico dos Estados Unidos e a própria Stand With Us.

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Podemos notar uma estratégia estética e, por vezes, discursiva comum entre os painelistas. Mesmo de gerações diferentes, se apresentam como joviais e descolados. Dentre estes, o mais famoso apresentador global do momento tem apelo massivo no Brasil.

Luciano Huck e o “sionismo neoliberal do bem”

Luciano Huck é sem dúvida alguma o sionista mais articulado do país. Todos os truques de legitimação do Estado colonial, o apresentador e bilionário sabe usar. Ele é portador de uma mensagem neoliberal sutil, onde a ausência de política públicas, o elevado custo da despesa financeira em função do cartel bancário e a brutal corrida pela sobrevivência é transmitido ao grande público como “superação e força de vontade”.

O comunicador que se dedica a vender mercadorias diversas, incluindo agora seu plano de capitalização, também é um importante instrumento no apoio aos genocidas na Palestina ocupada. Seu discurso é recheado de “pink washing” – a legitimação do Apartheid sionista porque o exército colonial recruta mulheres para assassinar crianças palestinas; o “rainbow washing” – a suposta aceitação da comunidade LGBTQUIA+ no país inventado por europeus de fé judaica; o “green washing” — afinal, Israel tem o maior número de veganos e vegetarianos do Oriente Médio; e o “sport washing” – já que as delegações desportivas o esporte de alto rendimento atraem multidões em diversos países.

Huck tem outra “variável perigosa”. Ele tenta legitimar o especulador Roberto Campos Neto e o neofascista Tarcísio de Freitas  – ex-ministro de Bolsonaro que governa São Paulo –, um ex-servidor público que se dedica a entregar o patrimônio público às empresas privadas. Sua última manobra foi a “doação” da SABESP  – a terceira maior empresa de saneamento do mundo – para os controladores do Grupo Equatorial, dentre eles o sionista Jorge Paulo Lemann. Vale lembrar que é o mesmo conglomerado que controla a AMBEV e recebeu doações de empresas públicas, como a CEEE Distribuidora, no Rio Grande do Sul, e mesmo a Eletrobrás, em manobra operada pelo pinochetista Paulo Guedes, “superministro” do desgoverno Bolsonaro. Como se fosse pouco, Tarcísio força um vínculo ilegal e inconstitucional, ao usar as dependências e rituais da suposta “Igreja” Universal do Reino de Deus para momentos de oração e autoajuda da Polícia Militar, cuja secretaria é liderada pelo famigerado Derrite.

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A pregação é uma só. Alinhamento ao “Ocidente”, falso moralismo, privatização, economia subordinada ao cartel financeiro e sionismo. Este pode ser o de vertente eurojudaica, como na reunião descrita no início do texto, ou então de tipo evangélico neopentecostal ou neocalvinista, pregado pela empresa de Edir Macedo, em concorrência contra Silas Malafaia, RR Soares, “apóstolo” Hernandes, André Valadão e outros charlatães da fé alheia. Ao contrário da média de irracionalidade bolsonarista, a presença de Luciano Huck em um evento desta envergadura, ratificado por representantes autênticos da direita sionista, é uma forma de legitimar na cultura de massas brasileira a farsa promovida por Tel Aviv.

Afirmam querer a solução “dois povos e dois Estados”, mas não dão sequer um passo nesse sentido. Ao contrário, recentemente anexaram de modo formal mais da metade da Cisjordânia e a meta idêntica é realizar isso em Gaza – caso vençam a resistência, o que não vai acontecer. Essa normalização da barbárie é uma das peças de propaganda do jornalista Caio Blinder, membro do Manhattan Connection, programa outrora global e hoje no canal de negócios BM&C News. Blinder defende o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, passava pano para Bolsonaro e teria feito “um voto tático” para evitar o mal maior da reeleição. Eu poderia citar postagens de sua conta no Twitter, mas como estou bloqueado, convido a leitoras e leitores a fazê-lo. Recentemente, o colunista que, em 2001 e 2004, tecia elogios a Bush Jr, Caio foi desmontado pelo também jornalista Leandro Demori – este sim, muito qualificado.

Toda dominação necessita de um discurso para se legitimar

Como já dissemos em outros momentos, o sequestro das identidades judaicas e suas coletividades pelo sionismo ainda é hegemônico, mas longe de ser quase a totalidade de alguns anos atrás. O debate “O pós-07 de outubro” promovido pelo Hillel Rio e pelo Stand With Us, parece ser um sinal da “repaginação” necessária para manter o domínio. Não se trata mais dos trogloditas bolsonaristas e sim a tentativa de realizar algo aprazível para plateias genéricas.

Com a estética de jovens – e não tão jovens – “empreendedores”, o sionismo operando no Brasil pode se tornar mais parecido com a formação inicial do MBL antes do golpe, com apelido de impeachment, em abril de 2016. Desde a década passada que o bilionário global Luciano Huck flerta com o poder central. É neoliberalismo aqui e massacre de palestinos lá, mas com uma estética “limpinha e cheirosa”.

https://www.instagram.com/p/C8uukrZyLpR/

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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