O ano é 2001 e um grupo de homens em fuga da perseguição imposta por autoridades chinesas busca refúgio no Afeganistão e Paquistão. São todos uigures, uma minoria de muçulmanos falantes do turco que vivem, sobretudo, na região autônoma de Xinjiang, sob perseguição de Pequim. Eles não sabem que terroristas haviam acabado de atacar as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro — incidente que viraria do avesso o curso de suas vidas.
Em resposta ao ataque terrorista, o exército dos Estados Unidos invadiu o Afeganistão, com a missão de desmantelar a organização Al Qaeda e remover o Talibã do poder, ao oferecer enormes recompensas em dinheiro por informações sobre “terroristas” que operassem por toda a região. Estranhos naquela terra, os homens em fuga se tornam alvos fáceis de indivíduos afoitos por recompensa financeira. Os uigures são vendidos, assim, como “terroristas” aos Estados Unidos. São 22 homens, capturados de maneira tão escusa, levados à Baía de Guantánamo — a mais infame prisão militar dos Estados Unidos, no Caribe.
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Do norte da China à costa de Cuba, Uyghurs: Prisoners of the Absurd — em português, Uigures: Prisioneiros do absurdo —, documentário dirigido por Patricio Henríquez, com 98 minutos de duração, estreou no Festival Internacional de Cinema do Human Rights Watch, em Londres, Reino Unido, com exibição em 22 e 24 de março de 2015. O filme navega pela extraordinária odisseia de três desses “prisioneiros do absurdo”, em busca da liberdade por meio de um complexo labirinto de interesses políticos e econômicos internacionais, que nada tem a ver com eles. Os personagens são Abu Bakker Qassum, Khalil Mamut e Ahmat Abdulahad, rapidamente percebidos como inocentes por seus interrogadores e carcereiros americanos, embora se mantenham atrás das grades, em condições precárias, por anos e anos.
O documentário mapeia a demarcação dos réus de Guantánamo como “combatentes ilegais” — isto é, privados dos direitos básicos previstos pela Convenção de Genebra —, chegando à tentativa fracassada do ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de fechar a prisão. Ao fazê-lo, Uyghurs: Prisoners of the Absurd obtém êxito em tornar nítida a ilegalidade no âmago da existência de Guantánamo.
A narrativa reúne entrevistas com os homens em questão e aqueles que lutaram para libertá-los. Desta forma, constrói um relato bastante íntimo de sua jornada, sua luta e suas dores. Muito embora o público ocidental possa interpretar parte das entrevistas como um pouco “secas”, a jornada em si traz consigo uma forte carga emocional.
Os homens concedem detalhes dos abusos e das violações que sofreram nas mãos de seus interrogadores americanos. Seus relatos sobre a vida em Guantánamo são de fato apavorantes. Os protagonistas desta obra acabam no chamado Campo Seis — descrito como um “calabouço debaixo da terra” ou mesmo “um túmulo” aos prisioneiros, onde até mesmo a luz do sol não passa de um capricho. Para os espectadores dessa obra, no entanto, será seu encarceramento contínuo, apesar da certeza evidente da inocência desses homens, que representará um motivo de choque.
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Henríquez deve ser elogiado por construir cuidadosamente a narrativa, que transcorre como um pesadelo kafkaniano. Os três personagens, eventualmente, despertam desse sonho terrível e se encontram em lares improváveis por todo o globo, muito embora, como diz um dos ex-prisioneiros, os melhores anos de sua vida tenham sido roubados. Para o público, fica o choque a indignação perante a absoluta injustiça que os uigures enfrentaram por todo o planeta, ao questionar, em particular, a resposta dos Estados Unidos aos ataques terroristas de 11 de setembro.