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Rosewater — ou 118 Dias: O aroma do desespero e da esperança

Da esquerda para a direita: Jornalista Maziar Bahari, ator Gael Garcia Bernal e diretor Jon Stewart na première do filme Rosewater no AMC Lincoln Square Theater, em Nova York, Estados Unidos, em 12 de novembro de 2014 [Desiree Navarro/WireImage]

“A primeira coisa que você precisa saber sobre o Irã é que ele não é do mal”. Foram as palavras ditas por Maziar Bahari, jornalista canadense-iraniano, com um sorriso tímido e um brilho arguto no olhar, ao ser entrevistado pelo programa The Daily Show em um esquete sobre o relacionamento entre Irã e Estados Unidos, em junho de 2009. Uma semana depois, Bahari foi levado da casa de sua família à infame penitenciária iraniana de Evin, por documentar as atrocidades perpetradas pelo regime em meio às disputas sobre as eleições presidenciais. Encarcerado, sofreu confinamento solitário, agressões físicas, tortura psicológica e ameaças de execução, por quatro meses terríveis, até ser eventualmente libertado.

Bahari havia viajado a seu país natal para cobrir os acontecimentos políticos em nome da revista Newsweek, mas logo se viu no coração de um movimento de protestos que ficou conhecido como Revolução Verde, após alegações de fraude eleitoral, resultando em dezenas de civis mortos.

Após sua soltura, em parte devido à incansável campanha de sua esposa — grávida, na época —, Bahari publicou um livro sobre sua experiência atrás das grades, sob o título em inglês Then They Came For Me, cujo recorte pessoal desta história profundamente política serviu de base ao filme de ficção Rosewater — lançado no Brasil como 118 Dias —, de 2014, dirigido por Jon Stewart, apresentador do The Daily Show.

O título original do filme se soma a uma belíssima sequência de abertura que registra a colheita de pétalas de rosa e o processo de manufatura da água de rosas, como uma ode às imagens e aromas do Irã, assim como metonímia para a figura do “especialista” de Bahari — isto é, o interrogador incumbido do caso. É nesta figura que tanto o livro quanto o filme se concentram, e no perturbador e patológico relacionamento que se desenvolveu entre refém e carcereiro, durante os longos meses de interrogatório. Este homem calvo de meia-idade, ora chamado pelo narrador de “Rosewater”, pelo odor de sua loção pós-barba que mal mascara seu suor, assombra a narrativa; é a persona em torno da qual orbita a maior parte do sofrimento de Bahari.

Como escreve no prólogo de seu livro:

Eu conseguia sentir seu cheiro antes mesmo de vê-lo. Seu cheiro era um misto de suor com águas de rosa e me lembrava de minha juventude … Foi em uma manhã de junho de 2009, quando vieram por mim — estava eu no espaço delicado entre o sono e o despertar, sentindo seu aroma. Não percebi que eu era um homem de 42 anos em meu quarto de Teerã — pensei que, em vez disso, tinha seis anos novamente.

Colheita de pétalas para produção de água de rosas em Qamsar, no Irã, em 10 de maio de 2012 [Kaveh Kazemi/Getty Images]

Com um elenco estrelado, o filme é uma reconstrução bem orquestrada da história de Bahari; e é precisamente neste fato que repousa sua maior virtude e sua fraqueza por excelência. O espaço claustrofóbico do interrogatório e a repetitividade sufocante das perguntas do “especialista”, que dominam a narrativa, reproduzem, em todas as suas minúcias, um retrato íntimo do absurdo e da crueldade do encarceramento. Contudo, como o livro original, Rosewater tem uma tendência em se concentrar nos traumas da experiência pessoal de Bahari, sem citar a luta de centenas de milhares, senão milhões de iranianos que continuam a sofrer sob a tirania. Diferente de Bahari, a ampla maioria dos cidadãos comuns do país não pode usufruir de contatos internacionais ou de uma reputação como repórter para salvá-los dos cassetetes e punhos do Basij — o batalhão paramilitar do Irã. Suas vozes são, portanto, infelizmente silenciadas. Embora o próprio Bahari tenha plena e dolorosa consciência deste fato, o filme faz pouco para recalibrar a matéria para além de comentários ocasionais.,

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De fato, apesar de seus esforços de autenticidade ao exibir registros de noticiários e da imprensa contemporânea, e apesar das esperanças de Bahari de que a inspiração por trás do filme “mostrasse uma versão com mais nuances do Irã e de suas lutas”, o filme parece cair na armadilha de representar um país conforme os preconceitos do público ocidental, em particular, nos Estados Unidos. É claro, é sempre difícil obter um retrato preciso de um lugar inacessível ao realizador; no entanto, certas escolhas de linguagem — como o diálogo realizado inteiramente em um inglês com sotaque, considerando a escolha de Gael Garcia Bernal como Bahari, com forte sotaque espanhol; a presença do árabe em vez do persa em placas e lojas, incluindo a locação na Jordânia; e tentativas por vezes um tanto forçadas de retratar o “bom muçulmano”, como o taxista Davood, orando à beira da estrada, algo que pode ser visto como tabu pelos xiitas — resultam em uma obra que parece mais preocupada com a superfície e com a bilheteria do que em uma representação fiel das complexidades da sociedade iraniana.

Não obstante, o filme consegue retratar com êxito os altos e baixos da batalha pessoal de um homem contra seu encarceramento e, ao fazê-lo, reafirma o caráter absurdo e o sentimento de desespero — e, em último caso, de esperança — da condição humana. Nas palavras do diretor Jon Stewart: “Espero que este filme transmita um sentimento de que as pessoas que se encontram em situação similar a Bahari não estão sozinhas, tampouco foram esquecidas. Com sorte, poderão encontrar algum consolo nisso”.

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