Desde 1979, o regime iraniano dos aiatolás proibiu as mulheres de cantarem sozinhas em público. O ano marcou o início da Revolução Islâmica e da repressão institucional e de costumes sobre a sociedade. A compositora Sara Najaf e suas amigas cantoras, não obstante, decidiram em conjunto desafiar esse arbítrio. Deste modo, este carismático grupo de amigas tomou a decisão corajosa de organizar um concerto na capital Teerã, no coração do país, ao estender um convite para que artistas mulheres da Tunísia e da França também participassem. Seu concerto logo se tornou uma verdadeira celebração da voz feminina — silenciada por quase 35 anos, na ocasião.
A tarefa obviamente seria árdua e sua luta é relatada em No Land’s Song — expressão similar a “canção de terra nenhuma” —, documentário sobre os avanços do projeto, de 91 minutos de duração, dirigido pelo irmão de Sara, o cineasta Ayat Najafi. O filme que resultou deste processo foi lançado como parte da programação do Festival de Cinema do Human Rights Watch, em Londres, em março de 2015. A narrativa acompanha os dolorosos vai e vens enfrentados pelo grupo, à medida que busca superar as barreiras infindáveis impostas pelas autoridades iranianas.
Inspiradas pelas memórias da valente cantora iraniana Qamar-ol-Moluk Vaziri, que, em 1924, se tornou a primeira mulher a realizar uma performance sem o véu islâmico, ou hijab, em frente de homens, Sara e suas amigas permaneceram otimistas. Para atingir seu objetivo, Sara passa a maior parte de seu tempo navegando entre o Ministério da Cultura do Irã e seus ensaios. Entre os argumentos que os burocratas do país jogam em sua cara, estão alegações como “as mulheres são nove meses mais delicada do que os homens” — como sugestão de que sua performance seria instigante, em comparação — ou recomendações sem pé nem cabeça, como “um homem deve bastar caso seja o cantor solo, enquanto as mulheres integram seu backing vocal”.
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Vemos Sara percorrer pelo “não” sem sequer ponderação, pela rejeição arbitrária dos vistos das cantoras estrangeiras e pelas rigorosas condições impostas contra a cantora e suas amigas. Por vezes, o espectador acompanha essa jornada excruciante e aflitiva, quase como uma via crúcis, tornando o arco do documentário um pouco arrastado. No entanto, seu compromisso corajoso brilha por toda a gravação — e é recompensado. O concerto acontece sem as restrições que as autoridades queriam impor e as mulheres cantam a uma grande audiência composta por ambos os gêneros.
Seu concerto é provocativo e arriscado, incluindo canções com letras sugestivas como “Se envolvam! Tomem riscos! Destruam a casa da tirania”. Da Tunísia, veio a cantora Emel Mathlouthi, cuja música Kelmti Horra (Meu mundo é livre) se tornou um hino dos movimentos populares de protesto por democracia durante a Primavera Árabe. Emel, ao se apresentar, dedica sua canção solo à juventude iraniana e tunisiana. Aos poucos, o que parecia ser uma celebração da voz feminina, logo se converte em um ato muito mais nítido de rebeldia e resistência cultural. A paixão de todas as mulheres envolvidas é inegável e, apesar de um começo difícil, no fim, cedemos a suas emoções.
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