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O cerco: Peça sobre a ocupação reflete a cultura do povo palestino

Teatro da Liberdade, no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada, em 12 de dezembro de 2022 [Jaafar Ashtiyeh/AFP via Getty Images]

É abril de 2002 e a Segunda Intifada tomava cidades e aldeias por todo o território da Palestina. Em Belém, na Cisjordânia, um grupo de combatentes armados se viu forçado a buscar abrigo em um dos lugares mais sagrados do planeta — a Igreja da Natividade, onde nasceu, segundo a tradição, Jesus Cristo. Em torno de 200 palestinos também se abrigavam no local, tentando se esconder a violenta invasão militar de Israel contra a cidade. Em resposta, os soldados israelenses colocaram Belém sob um estado de sítio e cercaram completamente o santuário.

O cerco durou 39 dias. Ao longo das semanas, oito palestinos foram mortos e 40 foram feridos, à medida que franco-atiradores atingiam um por um. No fim, um acordo entre a resistência e a ocupação foi alcançado — os combatentes, derrotados, se renderam e aceitaram um exílio permanente de sua terra natal.

O Teatro da Liberdade, trupe de dramaturgia palestina radicada na cidade de Jenin, na Cisjordânia, recriou esse momento chave na história palestina com sua peça O Cerco, que chegou aos palcos britânicos como o título em inglês The Siege. A peça chegou a Londres como parte de uma turnê internacional; contudo, não sem enfrentar algumas dificuldades. Protestos foram realizados do lado de fora dos teatros por onde passou e o tabloide britânico The Daily Mail lançou um ataque contra os artistas sob a manchete “Contribuinte do Reino Unido financia peça ‘pró-terrorismo’ [sic]: £15 mil de dinheiro público a um show baseado nas palavras do Hamas”.

No entanto, as tentativas de acabar com a festa da trupe no Reino Unido fracassaram: na noite de estreia, em Londres, em 19 de maio de 2015, a companhia se apresentou a uma plateia lotada, no Centro de Artes Battersea. Ingressos para as sessões seguintes logo se esgotaram.

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O MEMO conversou na ocasião com o diretor assistente Alaa Shehada sobre porque o grupo escolheu este evento em particular como tema de sua peça. Shehada observou anseios de desafiar as narrativas postas sobre o que aconteceu. O cerco contra a Igreja da Natividade ganhou manchetes em todo o mundo, devido à santidade do local, mas os relatos da imprensa corporativa não foram precisos, como denunciou Shehada. De acordo com o dramaturgo, tamanha representação injusta ou mesmo distorcida dos fatos, por uma prática contumaz da imprensa internacional, insiste em ignorar relatos dos palestinos em campo.

“Queríamos mostrar as histórias reais do que acontece na Palestina”, notou Shehada. “Somos palestinos que vivem sob ocupação e temos direito de contar nossas próprias histórias”.

O Cerco é um retrato arrebatador de um instante crucial na Segunda Intifada, contado de maneira a levar à vida os acontecimentos. A peça é narrada por um guia de turismo, que instrui o público sobre a importância histórica e espiritual do santuário. A “visita” nos apresenta à história dos combatentes palestinos e somos transportados de volta a sua entrada na Igreja da Natividade. O Cerco se concentra em seis dos combatentes e seu relacionamento uns com os outros, com o exército israelense do lado de fora e os párocos e religiosos do lado de dentro. Acompanhamos sua jornada pelos 39 dias em que ficaram entocados e testemunhamos as decisões difíceis e as emoções complexas que tiveram de enfrentar ao longo do tempo.

A peça é baseada nos testemunhos reais desses combatentes. O Teatro da Liberdade conduziu horas e horas de entrevistas com palestinos que ainda vivem no exílio e suas famílias. Com a ajuda de atores imensamente talentosos, registros originais e efeitos sonoros realistas, o público é transportado ao coração da Segunda Intifada. Não é, no entanto, algo fácil de se ver — a peça é tão eficaz em sua realização que, por vezes, é difícil de olhar. É uma história de dor e desalento, embora apaixonada e comovente. A versão londrina teve problemas de tradução e legendagem, mas, mesmo assim, pouco afetou a capacidade da trupe de estabelecer um diálogo afetivo com o público.

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Mas o que esperava a trupe palestina com sua turnê pelo Reino Unido? “Desejávamos, por meio de nossa arte, construir mudanças na cabeça das pessoas; então, até mesmo impactar os seus governos”, explicou Shehada em sua passagem por Londres. “O que mais queríamos era mostrar à sociedade britânica que viemos de um lugar de cultura. Somos artistas, somos fotógrafos, somos dançarinos, atores e diretores — não somos ‘terroristas’, como muitos nos chamam. Somos uma gente de paz, uma gente que ama viver … Queremos contar nossas histórias”.

Para os palestinos, o árduo trabalho do Teatro da Liberdade proporciona um espaço à criatividade e um caminho para resistir à ocupação de forma distinta. “Vocês não têm ideia de quantas gerações foram mortas, em suas cabeças, pela ocupação. Em nossas mentes, as ocupações são muitas; na sociedade, também”, concluiu Shehada. “Um de nossos principais objetivos é encontrar espaço, encontrar novas coras, porque se não há cores na nossa vida, se não há espaço para a imaginação ou para a criatividade, não há espaço para sonhar. É esta a magia do teatro. Com a arte, acredito totalmente que consigo fazer qualquer coisa”.

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