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Casamentos proibidos na Terra Santa: O preço do amor

Noiva israelense se casa com um noivo árabe muçulmano na casa da família do esposo; o matrimônio enfrentou protestos da organização israelense de extrema-direita Lehava, que busca combater a “assimilação judaica e o casamento misto”, no distrito de Jaffa, em Tel Aviv, em 17 de agosto de 2014 [Daniel Bar-On/AFP via Getty Images]

O amor é cego, como diz o ditado. Em Israel e na Palestina ocupada, contudo, sequer pode ser. O documentário Forbidden Marriages in the Holy Land — em tradução livre, Casamentos proibidos na Terra Santa — do diretor Michel Khleifi, traz à luz o caso de casais que foram contra a sociedade e suas famílias, contra a religião e o Estado — em suma, contra tudo e contra todos — para ficarem juntos. São casais “mistos” — casais de religiões distintas, ou, no contexto geopolítico, de diferentes lados do conflito.

O filme apresenta ao público oito desses casais, dentre os quais, judeus e muçulmanos, palestinos e israelenses, e outros que sofrem discriminação apesar de compartilharem a mesma religião ou a mesma etnia. Essa obra audiovisual de 1995 integrou uma série exibida como parte da programação do Festival Shubbak, intitulada “Uma homenagem a Michel Khleifi”, convidado a realizar a curadoria do evento para seu então aniversário de 65 anos, em 2015. Neste documentário em particular, o diretor palestino, nascido em Nazaré, trouxe à tona as intrincadas lutas que os casais enfrentam para equilibrar seu relacionamento com seus laços culturais, nacionais, políticos, religiosos ou mesmo familiares.

Diretor palestino Michel Khleifi (à frente, à direita) durante a cerimônia de abertura da 28ª edição do Festival de Cinema de Cartago, em Túnis, na Tunísia, em 4 de novembro de 2017 [Fethi Belaid/AFP via Getty Images]

Todos os personagens pagaram o preço por se apaixonar pela pessoa “errada”: quem sabe, uma vida inteira apartados de seus entes queridos; a perda de amigos; ou sofrer o ostracismo de suas comunidades e o desquite de suas raízes. Uma mulher palestina muçulmana que se casou com um homem israelense judeu comenta o relacionamento com sua família: “É como se algo tivesse sido irreparavelmente quebrado”. As relações cortadas não apenas partem o coração das pessoas, como trazem também um incisivo sentimento de medo: “Meu irmão mais velho jura que não vai se casar enquanto não me matar”. Para uma mulher judia que se casou com um árabe-israelense — isto é, um palestino dos territórios de 1948, ocupados durante a Nakba, mediante limpeza étnica —, seus amigos são incapazes de enxergar além da etnia de seu parceiro: “Em último caso, para eles, meu marido é e sempre foi um árabe. Eu não gosto disso. Meu marido é um ser humano. Não o vejo apenas como árabe”.

Segundo uma senhora idosa: “O problema surge quando se tem filhos … um problema que não fomos nós que criamos, mas sim a sociedade. A sociedade te empurra para o canto e pergunta, quem é você? E você é obrigado a escolher a sua identidade”. Seus comentários parecem encapsular um tema central da obra audiovisual: a questão da identidade para as crianças nascidas de uniões inter-raciais ou inter-religiosas. Para as crianças, negociar um senso de pertencimento em um ambiente hostil é parte da vida — uma batalha constante.

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Tamanha negociação se torna particularmente desafiadora logo nos anos de formação, quando a criança vai à escola. Uma mãe explica como tentou reunir ambos os lados da identidade de seus filhos: “Como eu expliquei a meu filho quando ele me disse que os seus amigos haviam perguntado se ele era árabe ou judeu: você é os dois — e pode se orgulhar disso”. Algumas crianças, entretanto, enfrentam menos perguntas e, em seu lugar, mais insultos. “Mamãe”, diz um menino, “eles falam que você é preta e feia. Se a gente se lavar, a gente fica branco?” Apesar de ambos os seu pais terem nascido na Palestina, as raízes do Chade da mãe de uma criança, deu vazão para o racismo. Outros casos envolvem a questão de famílias apartadas pela discriminação: “Nossos filhos não param de perguntar a mesma coisa para nós: Onde está a mamãe da mamãe? Cadê o papai da mamãe? Você não tem irmãos ou irmãs?”

Em um ambiente tão implacável, tais relacionamentos são também submetidos a uma vigilância constante. O dramaturgo Yehoshua Sobol comentou: “Ninguém aparece dois anos depois para checar se o novo casal continua feliz. E se o casamento cai por terra, ninguém celebra. Mas quando se diz respeito a casais mistos, o escrutínio é constante, como se não passassem de um experimento humano”.

Cenas de uma versão de Romeu e Julieta, de William Shakespeare, aparecem ao longo do documentário. A comparação é oportuna: uma história de um amor obstinado que transcende divisões e barreiras. Se o filme Forbidden Marriages in the Holy Land traz à luz a discriminação, o racismo e a intolerância, assim como questões complexas como identidade e pertencimento, é também um testamento do amor entre as pessoas e de sua natureza resiliente. Como nota uma senhora idosa sobre seu próprio matrimônio miscigenado: “Uma mulher feliz com seu marido se esquece de todo o mundo”. Outra, ao ser questionada se lamentava a decisão de se casar com um israelense, distante da família por conta disso, responde: “Não tenho arrependimento algum”.

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