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As relações dúbias entre Jordânia e Israel

Manifestantes marcham para a Praça Al-Nahl exigindo o fim do bloqueio de Israel e dos ataques à Faixa de Gaza em Amã, Jordânia, em 15 de março de 2024. [Laith Al-jnaidi / Agência Anadolu].

A Jordânia, definitivamente, enfrenta problemas na economia. A taxa de desemprego do país bateu o número de 23% no último ano, para além disso, a crise hídrica submete os jordanianos ao racionamento de água, a alta dos combustíveis deixam aqueles que não podem comprar um veículo elétrico à mercê do precário sistema de transporte público e a alta de produtos da cesta básica como ovos e pão têm levado a população a realizar frequentes protestos. É notável o descontentamento da população, no entanto, a principal causa desse descontentamento está longe de ser as circunstâncias supracitadas.

Como já falamos anteriormente, a Jordânia é um país em que a esmagadora maioria da população tem alguma relação familiar e de sangue com a Palestina, por isso, ao caminhar pelas ruas vê-se muitas vezes a bandeira da palestina ao lado da bandeira da Jordânia. Nesse sentido, apesar de a situação financeira do país afetar muito a população, a maior causa de protestos é a relação do país com a colônia chamada de “israel”.

No ano de 1994 a Jordânia e “israel” assinaram o acordo de paz nomeado de Wadi Araba. A assinatura ocorreu depois que o Egito normalizou as relações assinando também um acordo de paz. O acordo Wadi Araba menciona que a partir da assinatura dele “se põe fim ao longo conflito entre Jordânia e Israel”, entretanto, as relações desses dois país tem ficado cada vez mais tensas com o passar do anos.

No limiar deste cenário, a Jordânia possui uma grande zona industrial que emprega cerca de 30.000 pessoas (em sua maioria descendentes de/ou palestinos) que produzem materiais com insumos israelenses para exportar com isenção de impostos para os Estados Unidos. Tudo isso graças ao acordo Wadi Araba.

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Vários termos deste acordo dizem respeito aos recursos hídricos, ao Rio Jordão e à administração sobre essa riqueza hídrica, que ficou por conta de ambos os países. Apesar de a negociação mencionar que a Jordânia pode retirar certa quantidade de água do Rio Jordão, “israel” tem esgotado os recursos do rio, fazendo com que esse fique em risco. São fatores como esse que colocam a Jordânia em intensa crise hídrica sem precedentes. Para além da crise hídrica, o desvio de água por Rio Jordão por “israel” também traz consequências ao Mar Morto, pois a maior fonte de abastecimento deste é o Rio Jordão.

Além da questão hídrica, outras questões estremecem as relações dos países, como a proibição da entrada do embaixador da Jordânia em “israel” na mesquita de Al Aqsa em janeiro de 2024, e, claro, o genocídio corrente em Gaza. Nos anos de 2023 e 2024 o embaixador de “israel” na Jordânia foi chamado 2 vezes para prestar esclarecimentos, o que não ocorria desde a assinatura do acordo de paz em 1994.

Apesar de a Jordânia ser o país vizinho que mais endureceu os termos para com “israel”, o reino enviou para Israel toneladas de produtos de cesta básica como verduras em geral, havendo até mesmo, naquele momento, a inclusão do pepino produzido na Jordânia na lista do boicote. Em contrapartida às ações, declarações muito duras foram emitidas pelo Ministério de Relações Exteriores e apelos televisionados por jornais ocidentais foram realizados pela Rainha Rania pelo fim das agressões.

Entretanto, nenhuma palavra proferida, nem sequer o endurecimento dos termos foram suficientes para conter o descontentamento da população. Em um cálculo conservador, nas últimas duas semanas deste mês corrente, a cidade de Amã foi cenário de 3 protestos massificados pelo fim do genocídio em Gaza. Esses protestos são um acúmulo de descontentamentos que começam no dia 07 de outubro de 2023.

Jordanianos protestam em frente à embaixada de Israel em Aman contra os massacres em Gaza.

No dia 17 de outubro o Rei Abdullah II declarou que “não há refugiados na Jordânia, não há refugiados no Egito. Esta é uma situação de dimensão humanitária que tem de ser tratada dentro de Gaza e na Cisjordânia e não para tentar empurrar o desafio palestiniano e o seu futuro para os ombros de outras pessoas”. A declaração demonstra uma clara preocupação em mais uma vez ter de receber os palestinos expulsos por Israel, o que poderia agravar a situação do país. Essa preocupação se externa há anos, como exemplo do ano de 2020, quando o primeiro ministro Omar Razzaz ameaçou rever as relações com “israel” caso os assentamentos continuassem avançando e expulsando palestinos de suas terras.

A fragilidade do país se demonstrou de maneira mais acentuada quando o Irã lançou cerca de 300 mísseis em direção à Israel e diversos desses foram abatidos em território jordaniano pelas forças aéreas dos Estados Unidos e do Reino Unido. A justificativa do país foi que o abatimento foi realizado em razão da autodefesa. Tal ação foi duramente criticada por defensores da causa palestina e a justificativa dada pela Jordânia ficou a mercê de questionamentos sobre a veracidade da declaração, tendo em vista que outros países foram os responsáveis pelo abatimento dos mísseis que ocorreu em território jordaniano.

A dubiedade das relações entre os dois países expõe a difícil relação que a Jordânia se encontra: um país de 11,9 milhões de habitantes (sendo que cerca de 30% desse número é de refugiados), militarmente e economicamente frágil, vizinho de um dos maiores conflitos da contemporaneidade. O país, definitivamente, não deseja entrar em um conflito militar neste momento, enquanto lida com todas as implicações internas da colonização que ocorre no território vizinho.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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