A Jordânia, definitivamente, enfrenta problemas na economia. A taxa de desemprego do país bateu o número de 23% no último ano, para além disso, a crise hídrica submete os jordanianos ao racionamento de água, a alta dos combustíveis deixam aqueles que não podem comprar um veículo elétrico à mercê do precário sistema de transporte público e a alta de produtos da cesta básica como ovos e pão têm levado a população a realizar frequentes protestos. É notável o descontentamento da população, no entanto, a principal causa desse descontentamento está longe de ser as circunstâncias supracitadas.
Como já falamos anteriormente, a Jordânia é um país em que a esmagadora maioria da população tem alguma relação familiar e de sangue com a Palestina, por isso, ao caminhar pelas ruas vê-se muitas vezes a bandeira da palestina ao lado da bandeira da Jordânia. Nesse sentido, apesar de a situação financeira do país afetar muito a população, a maior causa de protestos é a relação do país com a colônia chamada de “israel”.
No ano de 1994 a Jordânia e “israel” assinaram o acordo de paz nomeado de Wadi Araba. A assinatura ocorreu depois que o Egito normalizou as relações assinando também um acordo de paz. O acordo Wadi Araba menciona que a partir da assinatura dele “se põe fim ao longo conflito entre Jordânia e Israel”, entretanto, as relações desses dois país tem ficado cada vez mais tensas com o passar do anos.
No limiar deste cenário, a Jordânia possui uma grande zona industrial que emprega cerca de 30.000 pessoas (em sua maioria descendentes de/ou palestinos) que produzem materiais com insumos israelenses para exportar com isenção de impostos para os Estados Unidos. Tudo isso graças ao acordo Wadi Araba.
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Vários termos deste acordo dizem respeito aos recursos hídricos, ao Rio Jordão e à administração sobre essa riqueza hídrica, que ficou por conta de ambos os países. Apesar de a negociação mencionar que a Jordânia pode retirar certa quantidade de água do Rio Jordão, “israel” tem esgotado os recursos do rio, fazendo com que esse fique em risco. São fatores como esse que colocam a Jordânia em intensa crise hídrica sem precedentes. Para além da crise hídrica, o desvio de água por Rio Jordão por “israel” também traz consequências ao Mar Morto, pois a maior fonte de abastecimento deste é o Rio Jordão.
Além da questão hídrica, outras questões estremecem as relações dos países, como a proibição da entrada do embaixador da Jordânia em “israel” na mesquita de Al Aqsa em janeiro de 2024, e, claro, o genocídio corrente em Gaza. Nos anos de 2023 e 2024 o embaixador de “israel” na Jordânia foi chamado 2 vezes para prestar esclarecimentos, o que não ocorria desde a assinatura do acordo de paz em 1994.
Apesar de a Jordânia ser o país vizinho que mais endureceu os termos para com “israel”, o reino enviou para Israel toneladas de produtos de cesta básica como verduras em geral, havendo até mesmo, naquele momento, a inclusão do pepino produzido na Jordânia na lista do boicote. Em contrapartida às ações, declarações muito duras foram emitidas pelo Ministério de Relações Exteriores e apelos televisionados por jornais ocidentais foram realizados pela Rainha Rania pelo fim das agressões.
Entretanto, nenhuma palavra proferida, nem sequer o endurecimento dos termos foram suficientes para conter o descontentamento da população. Em um cálculo conservador, nas últimas duas semanas deste mês corrente, a cidade de Amã foi cenário de 3 protestos massificados pelo fim do genocídio em Gaza. Esses protestos são um acúmulo de descontentamentos que começam no dia 07 de outubro de 2023.
Jordanian protesters gather near the Israeli embassy in Amman, chanting in condemnation of the Israeli massacres in Gaza today. pic.twitter.com/GC0jLtZZMo
— Quds News Network (@QudsNen) July 13, 2024
Jordanianos protestam em frente à embaixada de Israel em Aman contra os massacres em Gaza.
No dia 17 de outubro o Rei Abdullah II declarou que “não há refugiados na Jordânia, não há refugiados no Egito. Esta é uma situação de dimensão humanitária que tem de ser tratada dentro de Gaza e na Cisjordânia e não para tentar empurrar o desafio palestiniano e o seu futuro para os ombros de outras pessoas”. A declaração demonstra uma clara preocupação em mais uma vez ter de receber os palestinos expulsos por Israel, o que poderia agravar a situação do país. Essa preocupação se externa há anos, como exemplo do ano de 2020, quando o primeiro ministro Omar Razzaz ameaçou rever as relações com “israel” caso os assentamentos continuassem avançando e expulsando palestinos de suas terras.
A fragilidade do país se demonstrou de maneira mais acentuada quando o Irã lançou cerca de 300 mísseis em direção à Israel e diversos desses foram abatidos em território jordaniano pelas forças aéreas dos Estados Unidos e do Reino Unido. A justificativa do país foi que o abatimento foi realizado em razão da autodefesa. Tal ação foi duramente criticada por defensores da causa palestina e a justificativa dada pela Jordânia ficou a mercê de questionamentos sobre a veracidade da declaração, tendo em vista que outros países foram os responsáveis pelo abatimento dos mísseis que ocorreu em território jordaniano.
A dubiedade das relações entre os dois países expõe a difícil relação que a Jordânia se encontra: um país de 11,9 milhões de habitantes (sendo que cerca de 30% desse número é de refugiados), militarmente e economicamente frágil, vizinho de um dos maiores conflitos da contemporaneidade. O país, definitivamente, não deseja entrar em um conflito militar neste momento, enquanto lida com todas as implicações internas da colonização que ocorre no território vizinho.
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