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De olho no pós-guerra, Hamas e Fatah firmam reconciliação mediada por Pequim

Crianças com a bandeira nacional palestina em uma escola do distrito de Jibaliya, na Cidade de Gaza, no contexto da crise causada pelos ataques de Israel, em 23 de julho de 2024 [Abdo Abu Salama/Agência Anadolu]

Um acordo mediado pela China para construir pontes sobre uma fissura de anos entre as principais facções palestinas, em nome de um eventual governo de união nacional, foi firmado em Pequim, para o desgosto da liderança israelense.

As informações são das agências de notícias Anadolu e Al Jazeera.

Representantes de 14 grupos palestinos, entre os quais os rivais Hamas, que governa a Faixa de Gaza, e Fatah, que controla a Autoridade Palestina na Cisjordânia, alcançaram um acordo de reconciliação após três dias de intensas negociações.

O acordo foi confirmado por um anúncio emitido nesta terça-feira (23) pelo ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi.

O tratado busca assegurar a governança palestina sobre Gaza uma vez que Israel dê fim a sua violenta ofensiva militar contra o enclave.

Os signatários prometeram estabelecer um governo interino conjunto para monitorar a reconstrução de Gaza e lograr a realização de eleições nacionais.

“A declaração de Pequim é mais um passo positivo rumo a conquistar a união nacional palestina”, comentou Husam Badran, membro do gabinete político do Hamas, em nota oficial.

Passos imediatos

Mustafa Barghouti, presidente da Iniciativa Nacional Palestina, observou que as facções nacionais tomarão “passos imediatos” para implementar o acordo. Segundo Barghouti, os termos “vão muito além” do que quaisquer outros firmados previamente.

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Barghouti explicou que o acordo tem quatro elementos chave: estabelecimento de um governo de união nacional; formação de liderança para eleições futuras; eleições livres a um novo Conselho Nacional Palestino; e declaração geral de união diante dos ataques e violações de Israel.

Para Barghouti, o elemento de união nacional é crucial pois “bloqueia esforços de Israel para criar algum tipo de estrutura colaborativa contra os interesses palestinos”.

Segundo seu relato, a guerra em Gaza foi o “principal fator” para motivar as facções a superarem divergências. “O tempo está se acabando. Israel trabalhando para liquidar a questão palestina e palestinos não têm escolha senão dar fim a sua divisão”.

Conforme Barghouti, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, chefe do partido Fatah, deve dar início a uma série de consultas com todos os grupos envolvidos para constituir um governo interino de união nacional.

Os signatários reforçaram também o compromisso em estabelecer um Estado palestino independente com Jerusalém Oriental como sua capital, segundo resoluções relevantes da Organização das Nações Unidas (ONU).

O acordo reconhece ainda o direito legítimo do povo palestino de resistir à ocupação e à colonização israelense, em nome de seus direitos por autodeterminação conforme as leis e normas internacionais, incluindo a Carta da ONU.

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“Hoje, assinamos um acordo por união nacional e reiteramos que nosso caminho para completar essa jornada é certamente a união nacional”, afirmou Moussa Abu Marzouk, chefe da delegação do Hamas, em coletiva de imprensa em Pequim.

Abu Marzouk notou à Anadolu que as discussões foram realizadas em “uma atmosfera positiva” e que há um cronograma sobre a mesa. “Todas as facções se uniram contra a guerra de extermínio travada por Israel contra Gaza”, reafirmou.

Oposição israelense

Israel, de sua parte, rechaçou qualquer acordo palestino com intuito de garantir gestão civil sobre Gaza, após quase dez meses de operação militar que destruiu os serviços e a infraestrutura civil do enclave, levando a mortes em massa e uma crise de fome.

O ministro de Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, insistiu que o país não permitirá controle conjunto — de Hamas e Fatah — sobre Gaza.

“Isso não vai acontecer porque o governo do Hamas será esmagado”, alegou o ministro na rede social X (Twitter). “Abbas verá Gaza de longe. A segurança de Israel continuará unicamente nas mãos de Israel”.

O regime colonial de Benjamin Netanyahu obstrui negociações por um cessar-fogo em Gaza, incluindo troca de prisioneiros, apesar de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas neste sentido.

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Críticos alertam que Netanyahu age em causa próprio, sob ameaças de colapso de seu governo, caso remate as hostilidades, e eventual prisão por corrupção.

Israel também se opõe a qualquer administração da Autoridade Palestina, radicada em Ramallah, na Cisjordânia ocupada, sobre a Faixa de Gaza.

O acordo de Pequim não é o primeiro alcançado pelas partes desde a ruptura em 2007. Rodadas de negociações prévias foram realizadas nos últimos anos na Turquia, Argélia, Rússia e Egito, contudo, sem seguimento político.

Cisjordânia e Gaza permanecem divididos desde então, após o grupo Hamas vencer as eleições nacionais de janeiro de 2006, porém sem aval de Israel e da Autoridade.

Esforços internacionais

A China busca exercer um papel de mediador no conflito, ao preencher uma lacuna dos Estados Unidos, cuja confiança das partes interessadas é comprometida por seu apoio incondicional à campanha israelense.

Pequim recebeu Fatah e Hamas para conversas prévias em abril.

Segundo Lin Jian, porta-voz da chancelaria chinesa, ambas as partes “expressaram sua vontade política de alcançar a reconciliação por meio do diálogo e consultas”. Segundo o assessor, houve uma série de progressos em “questões específicas”.

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O acordo desta terça-feira logrou a alcunha de “Declaração de Pequim”.

Para o chanceler Wang, “a reconciliação é uma questão interna das facções palestinas, mas, ao mesmo tempo, não pode ser conquistada sem o devido apoio da comunidade internacional”.

A China mantém seu apoio declarado à chamada solução de dois Estados, mas tende a um posicionamento favorável aos direitos palestinos, inclusive ao defender o direito à resistência armada em fóruns da ONU, conforme a lei internacional.

Há meses, o presidente Xi Jinping reivindica uma conferência de paz internacional para acabar com a guerra.

Israel mantém ataques indiscriminados a Gaza desde 7 de outubro de 2023, após uma operação transfronteiriça do Hamas que capturou colonos e soldados. Desde então, ao menos 39 mil palestinos foram mortos, além de 90 mil feridos, dez mil desaparecidos e dois milhões de desabrigados.

As ações israelenses — em desacato a medidas cautelares do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia — são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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