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Em discurso no Capitólio, Netanyahu defende continuidade do genocídio

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, discursa ao Congresso dos EUA, no Capitólio, em Washington DC, em 24 de julho de 2024 [Bryan Dozier/Agência Anadolu]

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, realizou nesta quarta-feira (24) o quarto discurso de sua carreira política ao Congresso dos Estados Unidos, com o intuito de manter mobilizado o apoio do país ao genocídio em Gaza.

Seu discurso, a convite de deputados e senadores de ambos os partidos, entretanto, foi recebido com protestos nos arredores do Capitólio, na cidade de Washington.

Rashida Tlaib, primeira deputada americana de origem palestina, compareceu à sessão com um cartaz com os dizeres “culpado de genocídio” e “criminoso de guerra”, além de um keffiyeh — lenço tradicional palestino — sobre os ombros.

Netanyahu usou o pódio para difamar críticos e adversários como “antissemitas”, entre os quais os manifestantes nos campi universitários dos Estados Unidos e no exterior e o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia.

Com seu mais recente discurso, Netanyahu superou Winston Churchill, falecido premiê do Reino Unido, como líder global com mais discursos ao Capitólio.

Netanyahu entrou na câmara sob aplausos de deputados aliados, assim como algumas vaias. O premiê cumprimento parlamentares, embora nem todos tenham aceitado seu aperto de mãos.

No palco, saudou o apoio americano, incluindo ao mencionar nominalmente tanto Joe Biden, atual mandatário democrata, quanto Donald Trump, seu antecessor e oponente republicano, candidato à eleição em novembro.

“Nos bons e maus momentos, Israel sempre será seu amigo leal e firme parceiro”, disse Netanyahu. “Em nome do povo de Israel, venho dizer: Obrigado, América”.

Netanyahu mencionou o apoio à ofensiva em Gaza após 7 de outubro e as medidas de Trump para reconhecer a anexação israelense das colinas de Golã — território sírio — e da cidade ocupada de Jerusalém, para onde transferiu a embaixada americana.

O Congresso se mostrou dividido, sobretudo entre democratas de campos distintos que se ausentaram, dentre os quais Alexandria Ocasio-Cortez, progressista de Nova York e a ex-presidente da câmara, conservadora, Nancy Pelosi.

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Protestos do lado de fora da sede do legislativo reuniram milhares, incluindo grupos de judeus antissionistas que contestaram as alegações de Netanyahu de representá-los, ao denunciar o premiê por genocídio sob os dizeres “Não em nosso nome” e “Nunca mais é nunca mais para todos”.

Manifestantes pró-palestinos protestam perto do Capitólio dos EUA enquanto o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu discursa em uma reunião conjunta do Congresso em Washington, DC, em 24 de julho de 2024 [ANDREW THOMAS/AFP via Getty Images]

A polícia do Capitólio alegou “violência” ao disparar gás lacrimogêneo.

Netanyahu não hesitou em atacar os manifestantes: “Muitos escolhem ficar ao lado do mal [sic]. Eles estão do lado do Hamas, de estupradores e assassinos [sic]. Deveriam ter vergonha de si mesmos”.

O premiê tampouco vacilou em apelar a fake news, promovidas por redes de extrema-direita nos Estados Unidos, para acusar o Irã de promover os atos antiguerra: “Com os tiranos de Teerã, que matam mulheres e enforcam gays [sic], financiando vocês, vocês se tornaram oficialmente isso: idiotas úteis”.

Ataques à lei internacional

Os protestos, no entanto, não são o único revés enfrentado por Netanyahu.

Em maio, Karim Khan, promotor-chefe do TPI, solicitou um mandado de prisão contra o premiê israelense e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, ao apontar “crimes de guerra e lesa-humanidade”. Khan requereu a mesma medida a três lideranças do Hamas.

“Se as mãos de Israel estiverem atadas, os Estados Unidos são os próximos. Vou dizer o que vem a seguir: a capacidade de todas as democracias [sic] de combater o terrorismo estará em perigo”, insistiu o político supremacista.

Netanyahu usou a plataforma no Congresso americano para reagir ao que caracterizou como “acusações falsas” e defender a continuidade da guerra.

No exterior, aliados pressionam por negociações de cessar-fogo, enquanto em casa, as ruas israelenses se veem tomadas por protestos contra o governo, incluindo apelos por uma troca de prisioneiros para libertação dos reféns.

Netanyahu é acusado de postergar soluções em causa própria, apreensivo com a queda de seu governo e sua eventual prisão por corrupção, sob três processos em curso.

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À imprensa americana, familiares dos reféns reportaram esperanças de que Netanyahu usasse seu discurso para anunciar um acordo — contudo, sem aval.

O primeiro-ministro insistiu na aniquilação do Hamas como prerrequisito à paz, apesar de alertas de especialistas militares de que o objetivo é inalcançável.

Sobre o pós-guerra, Netanyahu esboçou uma imagem de controle do exército de Israel sobre Gaza, ao perpetuar efetivamente a ocupação.

“Não desejamos reassentar Gaza”, declarou o premiê aos deputados. “Mas, pelo futuro próximo, devemos manter o controle geral de segurança, para evitar que o terrorismo ressurja [sic] e garantir que Gaza nunca mais ameace Israel”.

Neste sentido, Netanyahu pediu mais recursos aos deputados americanos, ainda acima dos US$3.8 bilhões anuais enviados pelo Pentágono, além de um pacote extra, deferido por Biden em abril, de US$17 bilhões.

“Acelerar a assistência militar dos Estados Unidos pode agilizar de maneira dramática o fim da guerra e ajudar a evitar uma guerra mais ampla no Oriente Médio”, argumentou Netanyahu. “Sejam mais rápidos em nos dar as ferramentas e terminaremos o trabalho também mais rápido”.

“Civilização e barbárie”

Netanyahu recorreu a uma retórica de choque de civilizações em seu pitching por mais recursos militares, ao adular o Capitólio como “fortaleza da democracia”.

“Este não é um confronto entre civilizações”, alegou o premiê. “É um confronto entre a civilização e a barbárie. Um confronto entre aqueles que glorificam a morte e aqueles que santificam a vida [sic]”.

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Neste sentido, Mustafa Barghouti, proeminente líder político palestino, rechaçou a fala de Netanyahu como “repleta de mentiras”, ao promover o racismo e a islamofobia.

Conforme Barghouti: “[Netanyahu] descreve seus crimes de genocídio, punição coletiva e limpeza étnica como ‘civilização’. Mas, na verdade, a civilização de que Netanyahu se vangloria é pura degradação, vista na morte de 48 mil pessoas na Faixa de Gaza”.

Barghouti enfatizou a catástrofe imposta à infância, com entre 15 mil e 17 mil crianças mortas por Israel, além de ao menos 1.200 que sofreram amputações pelos ataques de Israel, em condições sanitárias cada vez mais precárias.

Israel mantém ataques indiscriminados contra Gaza desde 7 de outubro, deixando ao menos 39 mil mortos e 90 mil feridos até então, além de dois milhões de desabrigados e dez mil desaparecidos — provavelmente mortos sob os escombros.

Netanyahu chegou a pregar uma “guerra santa contra as crianças das trevas”, ao lançar sua invasão por terra contra Gaza. Em discurso similar, seu ministro da Defesa chegou a rotular os 2.4 milhões de palestinos de Gaza como “animais humanos”.

O Estado colonial justifica suas ações como “autodefesa” por uma operação do Hamas que atravessou a fronteira e capturou colonos e soldados.

Segundo o exército ocupante, 1.200 pessoas foram mortas na ocasião. O índice, porém, sofre escrutínio, após o jornal israelense Haaretz corroborar “fogo amigo”, sob ordens gravadas de comandantes de Israel para impedir a tomada de reféns.

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Desde então, relatos de “atrocidades” cometidas pelos combatentes palestinos, como supostos estupros e bebês decapitados, utilizadas para justificar o genocídio em Gaza, foram sucessivamente desmentidos.

As ações israelenses desacatam também medidas cautelares do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), onde é réu por genocídio sob denúncia sul-africana, além de resoluções por um cessar-fogo do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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