Por que muitos de nós ainda pisam em ovos em torno da linguagem sobre o hediondo genocídio israelense em Gaza?
Camadas de censura imposta sobre vozes palestinas e pró-Palestina nas redes sociais e na imprensa corporativa parecem ter ofuscado o juízo de alguns. Continuam a falar de um “conflito”, continuam a pedir a “ambos os lados” que tenham “moderação”; e, em certa parte, a culpar a resistência palestina pelos massacres conduzidos por Israel.
Embora essa linguagem seja esperada de alguns poucos jornalistas “sensíveis” da mídia mainstream, há também intelectuais, jornalistas e ativistas vistos como “pró-Palestina” que, por vezes, recorrem a uma linguagem semelhante.
Ao longo dos anos, o senso comum passou a ditar que, para que uma voz pró-Palestina conquistasse um espaço nos grandes jornais ocidentais, ele ou ela teria de aderir a uma série de regras e evitar certos adjetivos para descrever Israel, mesmo que o vocabulário fosse condizente com o que determina a lei internacional ou instituições proeminentes de direitos humanos.
Ao “diluir a linguagem”, supostamente ganhamos maior credibilidade — isto é, espaço para ser publicado.
Igualmente verdade é a proibição, na prática, de defender os direitos consagrados dos palestinos de usarem todas as formas de resistência a sua disposição, ou reconhecer e apoiar suas escolhas democráticas, porque o resultado, quem sabe, não é consistente com o que dita ou espera a mídia mainstream.
Algumas pessoas têm medo de sequer utilizar o termo “resistência”. Porém, negar aos palestinos seus direitos mais básicos de resistir quer dizer privá-los de toda e qualquer autonomia humana, muito menos relevância como agentes políticos. O pressuposto é que os palestinos, portanto, podem servir apenas ao papel de vítimas e nada mais. Não apenas isso é mentira — e condescendente — como é puro racismo.
Todo esse pisar em ovos sobre aquilo que deveria ser uma linguagem clara e direta em torno da questão palestina tem um preço. Quando a verdade é mascarada ou omitida, abre-se espaço para meias mentiras e mentiras completas.
Neste cenário alternativo, Israel é, na melhor das hipóteses, tão culpado pela “guerra” na Palestina quanto os próprios palestinos. Na pior das hipóteses, o exército ocupante está meramente engajado em uma situação de “autodefesa”.
Vale notar que, ao conter rigorosamente o debate sobre a Palestina, o Ocidente acabou por ferir seus próprios interesses. De fato, ao marginalizar vozes palestinas autênticas, as nações do Ocidente perderam a capacidade de compreender o contexto por trás da campanha em curso de Israel contra a Faixa de Gaza, muito menos aceitar ou navegar por sua parcela de responsabilidade neste genocídio ou exercer um papel significativo em dar fim às atrocidades.
O resultado é uma inexorável dissonância cognitiva, na qual regimes ocidentais violam as próprias regras que criaram, opõem-se às leis que afirmam defender e investem em um genocídio brutal enquanto criticam guerras em outras partes do mundo.
Duvido que o Ocidente consiga ser bem-sucedido em reivindicar novamente qualquer autoridade moral, resgatar sua credibilidade perdida ou construir confiança duradoura junto aos palestinos, árabes, muçulmanos e a todo o Sul Global. O extermínio de todo um povo dá o direito às pessoas a certo grau de ceticismo.
Para expor ainda mais a dissonância ocidental em Gaza, contudo, temos de aprender a falar sem quaisquer ressalvas, não importam as restrições postas a vozes pró-Palestina ou a censura nas redes sociais.
Naturalmente, nem todos os palestinos ou ativistas solidários concordam em tudo. Há aqueles que arriscam tudo e aqueles que querem contar a verdade como podem, sem correr o risco de perder seus privilégios, suas carreiras ou sua posição na sociedade.
Aqueles no primeiro grupo, em particular, merecem plataformas e devem ser louvados por sua coragem.
Um dos exemplos mais inspiradores são os jovens estudantes nos Estados Unidos e em outros países que arriscaram até mesmo seu próprio futuro — sob ameaças de serem expulsos de universidades de ponta ou perder o diploma — para conscientizar a todos sobre o genocídio israelense em Gaza.
São eles os verdadeiros líderes dos movimentos de solidariedade que buscam justiça — hoje e no futuro.
Esses estudantes compreenderam que, devido à censura sem precedentes sobre vozes palestinas autênticas em todas as plataformas de mídia, suas ações nas universidades, nas ruas e em cada cenário possível são fundamentais.
Os riscos que assumem ao falar pelas vítimas do genocídio em Gaza servirão como um novo parâmetro de bravura a inspirar jovens das futuras gerações.
É também crucial que esses estudantes tenham se recusado a fazer concessões sobre sua linguagem, suas demandas e prioridades para se encaixarem, serem publicados ou recorrerem ao genocídio como uma espécie de trampolim para suas carreiras. Aqueles que exploraram o sofrimento do povo palestino em benefício próprio, nem a história nem o restante de nós irá se esquecer.
Aqueles bem-intencionados, mas que ainda “diluem” a linguagem para tentar driblar a censura, vale alertar, em último caso, pouco fazem diferença, pois certas verdades não podem ser mastigadas ou atenuadas.
De fato, não há outra maneira honesta de descrever o que ocorre hoje em Gaza senão como genocídio, o qual somente Israel — a força ocupante e regime de apartheid — é verdadeiramente culpado.
Os únicos palestinos que merecem repúdio ou condenação são aqueles que colaboram com Israel para garantir que o resultado da crise, seja qual for, permaneça consistente com seus próprios interesses, seus privilégios financeiros e seus títulos falsos. Nenhum dinheiro ou prestígio no mundo poderá jamais redimir a credibilidade ou honra dessas pessoas.
“Em tempos de mentira, dizer a verdade é um ato revolucionário”, disse George Orwell. Lamentavelmente, vivemos nestes tempos. Podemos dizer também que, em tempos de genocídio, não dizer a verdade é algo desprezível.
Por favor, não parem de denunciar; sejam radicais e revolucionários; e jamais — jamais — equiparem aqueles que cometem o genocídio com aqueles que resistem — mesmo sob o risco de não se encaixarem.
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