Ao folhear este livro, a discrepância entre a vida próspera na vida na Palestina antes da Nakba e a narrativa sionista sobre uma terra erma é marcante. Ao nos familiarizarmos com o conteúdo deste livro, com o título Against Erasure: A Photographic Memory of Palestine Before the Nakba (Haymark Books, 2024) — ou, em tradução livre, Contra o apagamento: Memórias fotográficas da Palestina —, temos um testemunho vívido que abala todos os mitos do sionismo e traz à luz o papel vergonhoso das Nações Unidas ao auxiliar uma ideologia colonial europeia que destruiu a Palestina, ao ponto de atingir a escala de genocídio que vemos hoje em Gaza.
Imediatamente, a quem conhece ambos os idiomas, o prefácio de Mohammed El-Kurd traz uma diferença impactante de linguagem. O livro é uma edição bilíngue em árabe e inglês. El-Kurd logo observa: “Em inglês, há necessidade de lotar as páginas com fatos e números detalhando as crueldades fundamentais de uma atrocidade que deveria — há muito, muito tempo — ser reconhecida internacionalmente”. Em árabe, continua, “não há necessidade de tamanha contextualização”, dado que a Nakba continua a ocorrer e atravessa gerações, localidades geográficas e mesmo o exílio. O sionismo, prossegue El-Kurd, “nos inviabilizou” desde os primórdios do processo colonial.
Teresa Aranguren leva seu leitor a uma jornada histórica pela Palestina, ao mostrar, em particular, como o mito de uma terra sem povo é desmentido pelos relatos de diversas pessoas que viajaram à Palestina no período final do século XIX, e como os Rothschilds e o Fundo Nacional Judaico alteraram a posse de terras no país por meio dos primeiros movimentos de apropriação do território. A obra recorda que o Fundo Nacional Judaico requereu mão-de-obra exclusivamente judaica nas terras apreendidas e que estas, via contrato, não poderiam ser concedidas a indivíduos não-judeus.
Bichara Khader descreve a Nakba de 1948 como um “sociocídio acompanhado de um memoricídio”, ao evocar o discurso na cidade de Haifa do antigo ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, no qual celebrou a judaização das aldeias e cidades palestinas via limpeza étnica.
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Com a maior parte do livro dedicada a evidências fotográficas e memórias da vida na Palestina antes da Nakba, o breve contexto dos autores presentes reafirma a linha do tempo das imagens em questão, à medida que avança a colonização. As fotografias em si contam várias histórias de abundância, de uma sociedade que abraçou o comércio, a agricultura, as artes, a educação e a medicina e de todo uma diversidade desintegrada pelo colonialismo britânico e das milícias sionistas. Desde a revolta de 1936, ao período imediato após a Nakba, em 1948, as evidências fotográficas compiladas neste livro vão da prosperidade e abundância ao roubo colonial, assim como às primeiras instâncias de deslocamento — que engendraram a Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), à medida que a comunidade internacional se voltou a sua abordagem humanitária à crise, em vez de se concentrar nos direitos políticos do povo colonizado.
A antologia de imagens reforça o protagonismo do direito de retorno dos refugiados da Palestina histórica, como um direito político legítimo, oposto a um conceito abstrato. O cultivo de oliveiras na Palestina, os sistemas de irrigação, o papel da cidade de Jaffa na exportação de frutas cítricas, as tradições e celebrações religiosas, os comerciantes de Jerusalém, a medicina e suas especializações, como na Escola para Cegos de Hebron — para mencionarmos apenas alguns exemplos —, tudo isso aponta para uma terra e um povo que prosperava bem com suas próprias pernas e sua própria cultura. A terra não estava vazia. Muito pelo contrário, este livro mostra uma sociedade vibrante passando, pouco a pouco, a sentir as implicações do Mandato Britânico na Palestina e seu regime colonial, mais tarde substituído pelo colonialismo de assentamento sionista.
Uma foto em particular registra a inauguração do Serviço de Radiodifusão da Palestina, em março de 1936. A legenda indica que o Mandato Britânico proibiu pautas políticas ao longo da transmissão — “um primeiro indício do futuro e das limitações de mídia na Palestina mandatória”.
Uma outra foto alude a uma anedota sobre a noção em torno de disputas religiosas na Palestina sobre a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, no começo do século XX. Na ocasião, as várias denominações cristãs que lutavam pela custódia das chaves por fim decidiram deferi-la a uma família islâmica, incumbida de proteger o santuário — uma decisão que prevalece até hoje.
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Outra foto mostra trabalhadoras do Departamento Aduaneiro de Haifa, incluindo duas mulheres judias trabalhando ao lado de palestinas e britânicas.
E, apesar das falsas alegações dos sionistas de que a Palestina não possuía indústria, o livro mostra ainda imagens históricas de uma ferrovia nacional em Jerusalém, em 1898, e da inauguração da linha Jaffa–Jerusalém em 1920.
Uma porção considerável da obra se dedica a retratos familiares e individuais de figuras proeminentes no país. Intercaladas com essas imagens estão localidades notáveis que exerceram um papel de destaque nos primórdios da resistência palestino, como a casa dos Khoury, em Haifa, mais tarde incendiada pelas milícias do Haganah.
Os primeiros momentos da destruição na Palestina também se revelam pelos registros presentes na obra, com imagens de Haifa em abril de 1948 após os ataques das milícias sionistas contra a aldeia, incluindo a demolição de prédios e bairros inteiros, dando ao leitor um ponto de vista distinto sobre a historicidade da destruição em curso na Faixa de Gaza sitiada. Os registros compreendem fotos de refugiados deixando Jaffa e outros deslocados de Gaza a Hebron, além dos primórdios da diáspora, com imagens daqueles deslocados à força a Líbano e Egito.
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À medida que a Nakba ganha corpo, os campos de refugiados passam a dominar a parte derradeira do livro, junto as primeiras iniciativas humanitárias da UNRWA. Entre outros registros, o compromisso do povo palestino com a educação se evidencia por uma foto registrando uma sala de aula da pré-escola no campo de refugiados Dikwaneh, em solo libanês.
Observa Aranguren: “A criação do Estado sionista seria impossível sem esvaziar a terra de sua população árabe”. A Palestina jamais foi uma terra sem povo, mas os sionistas ainda hoje buscam esvaziá-la dos palestinos, como se mostra pelo genocídio em curso em Gaza. Como uma publicação fundamental para nossos tempos, este livro ilustra que não há desculpa para não revisitarmos o passado, ao conectarmos trajetórias do povo nativo e embarcarmos em uma luta para reverter os disparates coloniais que roubaram a Palestina dos palestinos.