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Crianças esquecidas: A tragédia dos refugiados na Europa

Crianças brincam no campo de refugiados de Moria, na ilha de Lesbos, na Grécia, em 5 de março de 2020 [Louisa Gouliamaki/AFP via Getty Images]

Quando a família de Omar atravessou a fronteira entre a Turquia e a Bulgária era fevereiro e começava a nevar. Enquanto as crianças se abrigavam do frio, urinando em si mesmas para se aquecer, o pai de Omar e seu tio saíram em busca de comida. Contudo, jamais retornaram, congelados até a morte. Mais tarde, o primo de Omar foi sequestrado por uma gangue de tráfico humano, por um mês, libertado apenas quando sua família pagou suas dívidas.

Entre lágrimas bastante aflitivas, é Omar, com então 11 anos de idade, que recorda sua própria história aos realizadores de The Forgotten Children — em português, As crianças esquecidas —, documentário que chama atenção ao fenômeno trágico das crianças refugiadas que chegam à Europa. À época do lançamento do filme, em meados de 2016, estimava-se 88 mil crianças ilhadas na Europa sem seus pais; sem um lugar seguro para viver e vulneráveis a criminosos que buscam explorá-las para trabalho escravo e abuso sexual. Na mesma época, a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol) calculava cerca de dez mil crianças refugiadas desaparecidas desde sua chegada à Europa.

Embora a imprensa tenha acompanhado exaustivamente a crise dos refugiados, há pouco registro das crianças assoladas pela tragédia. É neste contexto que The Forgotten Children acompanha a vida de quatro grupos de órfãos que contam suas próprias histórias.

Nagham e Mohamed, de 12 e 13 anos de idade, refugiados sírios de Aleppo, vivem em um posto de gasolina abandonado no norte da Grécia, sem sequer banheiro ou chuveiros. Todos os dias, caminham quilômetros para obter comida em um campo de refugiados administrado pelo Estado. Após seu pai ser sequestrado na Síria, um bombardeio matou sua mãe e as duas crianças quase se afogaram ao atravessar os mares à Europa. Nagham e Mohamed pensaram que encontrariam segurança no novo continente. Contudo, em um comentário particularmente sombrio, que demonstra quão precária é a vida dessas crianças, Nagham observa: “A situação é a mesma na Síria. Se você sair pra fora [sic], qualquer coisa pode acontecer”.

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Sem lugar para ficar, Nagham e Mohamed se movem entre o posto de gasolina, o campo de refugiados e um prédio ocupado por anarquistas. Nenhum desses lugares é verdadeiramente seguro, sobretudo para que uma criança cresça em segurança; contudo, ambos os irmãos se veem presos entre um sistema cruel e um continente que parece rejeitá-los a todo instante. Enquanto o governo grego buscava transferir seus refugiados a campos segregados, apesar das denúncias de violência e péssimas condições, os países dos Balcãs fechavam suas fronteiras, ao selar, desta maneira, o acesso dos requerentes de asilo ao restante da Europa.

É verdade que a Grécia tinha outros problemas para além da crise de refugiados. A dívida externa e as taxas de desemprego levaram muitas pessoas a se voluntariarem no país para lidar com uma situação que o governo não consegue, ou nem pretende controlar. Sadie Clasby, que administra uma escola junto de sua mãe, perto da fronteira búlgara com a Turquia, a ativista Neda Kadri, e seu marido Rafat, um refugiado sírio, são alguns dos voluntários que protagonizam o filme.

Não obstante, gerir a crise que se intensifica não é justificativa para os relatos de violência ou desculpa para o fato de que as autoridades gregas continuam a trancafiar as crianças refugiadas em centros de detenção, junto dos adultos.

Além disso, os campos gregos administrados pelo Estado fecharam suas portas à imprensa. Disfarçados, Neda e Rafat visitaram um centro de detenção para conversar com as crianças detidas ali. Firas foi enviado através da fronteira turca por seus familiares, que conseguiram arcar apenas com a passagem de uma pessoa à Grécia. Firas foi detido logo após entrar no país. Nas seis semanas que passou em custódia, adquiriu transtorno de estresse pós-traumático (TESP) e cicatrizes de bala em suas costas, apesar das quais jamais foi tratado devidamente por um médico. Autoridades também indeferiram seus apelos para que fosse reintegrado à família na Turquia.

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The Forgotten Children traz questões seríssimas sobre como a Grécia vem tratando há anos da crise dos refugiados, mas vale considerar que alguns dos países mais abastados da Europa pouco fizeram para aliviar a pressão nos países de fronteira, para responderem adequadamente ao volume de chegadas. De fato, nenhuma das potências está na lista dos dez primeiros países a abrigar refugiados.

Ainda em 2016, o governo do Reino Unido se viu forçado a voltar atrás em seu posicionamento abismal sobre as crianças refugiadas, quando a Câmara dos Lordes votou para retificar um projeto de imigração, ao obrigar o Departamento do Interior a receber ao menos três mil menores desacompanhados no país. As políticas desde então, no entanto, apenas se deterioraram. Dois meses depois da emenda legislativa, somente 20 crianças haviam sido aceitas no país.

À medida que os governos da Europa continuam a lavar as mãos diante da crise, quais as chances têm Omar, Nagham, Mohamed, Firas e outras milhares de crianças abandonadas na Europa?

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