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Quem foi Ismail Haniyeh, chefe político do Hamas assassinado em Teerã

O assassinato de Haniyeh, atribuído a Tel Aviv, deve consagrá-lo, para muitos, como um símbolo da resistência nacional palestina diante da ocupação israelense

Ismail Haniyeh, líder do gabinete político do movimento Hamas, foi assassinado aos 62 anos de idade em Teerã, onde estava hospedado para a posse do presidente iraniano Masoud Pezeshkian, em um atentado que o grupo palestino descreveu como “ataque traiçoeiro das forças sionistas a sua residência”.

Haniyeh serviu brevemente como primeiro-ministro da Autoridade Palestina em 2006, após vencer as eleições nacionais cujos resultados democráticos foram rejeitados pelos Estados Unidos e Israel, levando-os a fomentar uma cisão na arena palestina, ao opor o partido Fatah, radicado na Cisjordânia e o Hamas, sob cerco em Gaza.

Haniyeh estava hospedado em uma residência especial para veteranos do exército, em situação semelhante a diversos chefes e representantes de governo e Estado de todo o mundo, para a cerimônia oficial de posse do executivo iraniano nesta terça (30).

Seu assassinato coincide com os quase dez meses de genocídio conduzido por Israel na Faixa de em Gaza, com ao menos 39 mil mortos e 90 mil feridos, sobretudo mulheres e crianças.

O líder do Hamas emergiu como uma força eminente no movimento por libertação da Palestina e, como gerações de colegas na vida política e no ativismo nacional, mostrou-se uma pedra no sapato do regime colonial israelense.

Embora Israel não tenha reivindicado responsabilidade pelo atentado na capital do Irã, até então, ministros celebraram a morte de Haniyeh nas redes sociais.

Haniyeh nasceu no campo de refugiados de al-Shati, no litoral da Cidade de Gaza, com uma história familiar que ecoa a maior parte dos habitantes do enclave mediterrâneo. Seus pais fugiram de Asqalan — hoje hebraicizada como Ashkelon — em meio à Nakba, ou catástrofe palestina, quando milícias sionistas expulsaram 800 mil palestinos nativos de suas terras e destruíram 500 aldeias e cidades, para possibilitar a criação do Estado de Israel.

Ainda jovem, Haniyeh se tornou ativista estudantil na Universidade Islâmica da Cidade de Gaza, onde cursava literatura árabe. Em 1983, juntou-se ao chamado Bloco Islâmico no campus, organização vista como uma das pioneiras do Hamas.

Quando eclodiu a Primeira Intifada, no final de 1987, Haniyeh atendeu ao chamado das ruas junto a muitos colegas, em protesto contra a ocupação. O episódio deu origem ao movimento de resistência Hamas, ao qual Haniyeh logo aderiu.

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Israel prendeu Haniyeh ao menos três vezes. Após servir três anos, sua sentença mais longa, foi deportado ao Líbano em 1992 ao lado de centenas de membros do Hamas e de outros grupos palestinos, abandonados em uma zona erma ao longo da fronteira.

Haniyeh retornou a Gaza um ano depois da assinatura dos Acordos de Oslo e se tornou confidente do sheikh Ahmed Yassim, líder espiritual e fundador do Hamas. Após Israel libertar Yassin da prisão, em 1997, Haniyeh foi nomeado seu assistente.

A ascensão o tornou alvo de tentativas de assassinatos por parte de Israel, um método comum adotado contra líderes palestinos.

Haniyeh e Yassin sobreviveram juntos a um atentado em setembro de 2003, ao deixar um edifício na Cidade de Gaza segundos antes de um bombardeio.

Meses depois, Yassin — que usava cadeira de rodas — foi morto por um helicóptero do exército ocupante, ao deixar uma mesquita após suas orações da manhã.

De acordo com Hassan Barrari, professor na Universidade do Catar, após 2003, Haniyeh ganhou popularidade entre as fileiras do Hamas por seus posicionamentos à imprensa. “Permaneceu uma figura proeminente até seu assassinato”, reiterou Barrari à rede de notícias Al Jazeera.

A estatura de Haniyeh no movimento nacional continuou a crescer em 2006, quando o Hamas concorreu às eleições legislativas palestinas pela primeira vez em sua história. Em um resultado considerado chocante, o grupo venceu a maioria dos votos, impondo um golpe sem precedentes ao partido Fatah e tornando Haniyeh primeiro-ministro da Autoridade Palestina.

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O resultado pegou os Estados Unidos — que haviam convocado o pleito — de surpresa. Hillary Clinton, então senadora e futura secretária de Estado, corroborou em registros vazados após as eleições crer que chamar as eleições foi um “enorme erro”, ao reiterar “se era para convocá-las, deveríamos ter certeza de fazer alguma coisa para determinar quem venceria”.

Governos ocidentais rejeitaram a vitória popular do Hamas e suspenderam o envio de assistência financeira à Autoridade Palestina. Em seguida, junto ao regime colonial em Tel Aviv e forças colaboracionistas, depuseram o governo eleito, ao desde então rotular o Hamas como “organização terrorista”.

Diante da pressão, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, exonerou o governo de Haniyeh, levando-o ao exílio em Gaza em 2007. Com o governo do Hamas então estabelecido em Gaza, Israel — em cooperação com o Egito — impôs um cerco militar ao enclave, mantido por 17 anos.

Em um pronunciamento à imprensa ainda em 2006, declarou Haniyeh: “Este cerco não vencerá nossa força de vontade e não tornará este conflito em um conflito interno, de modo que o conflito deve ser justamente contra aqueles que impuseram o cerco, hoje, contra o povo palestino”.

Em 2017, Haniyeh foi nomeado chefe do gabinete político do Hamas, liderando ações diplomáticas do grupo em diversas ocasiões, sobretudo na Turquia e no Catar. Haniyeh serviu como negociador em conversas por cessar-fogo nos reiterados ataques de Israel contra Gaza, e aproximou a causa palestina dos interesses do Irã.

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“Haniyeh foi uma figura política pragmática”, observou Nour Odeh, analista político à rede Al Jazeera. “Era conhecido por manter relações muito positivas com os líderes de todas as facções nacionais”.

Após as operações transfronteiriças de 7 de outubro, o governo de Israel do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deixou claro que os líderes do Hamas estariam em sua mira não para um eventual processo penal, mas para serem mortos. O genocídio em Gaza, de fato, matou dezenas de familiares de Haniyeh.

Em abril, três de seus filhos foram mortos por um bombardeio contra seu carro. Quatro de seus netos também foram assassinados — três meninas e um menino. No total, de acordo com Haniyeh, sessenta parentes foram mortos em dez meses, como parte da brutal campanha de punição coletiva e extermínio contra o povo de Gaza.

“Todo os palestinos de Gaza e suas famílias estão pagando um duro preço, ao custo do sangue de nossas crianças — e eu certamente estou entre eles”, lamentou Haniyeh em uma entrevista recente.

Este sentimento permanecerá um dos legados de Haniyeh, conforme a advogada Diana Buttu, que serviu como assessora da equipe de negociações palestina junto a Israel de 2000 a 2005. “Haniyeh será conhecido por lutar pela libertação do povo palestino e por sua força mesmo quando sua família se tornou presa”.

‘As netas de Haniyeh sentiram sua falta, agora ele se juntou a elas’

O assassinato de Haniyeh marca o mais recente assassinato de uma liderança política palestina atribuída a Israel. Em janeiro, um drone israelense matou Saleh al-Arouri, seu colega no gabinete político do Hamas, em Beirute, capital do Líbano.

Analistas, no entanto, advertem: assassinatos não acabaram com o Hamas no passado, tampouco acabarão com o movimento no presente contexto.

Conforme Barrari, “Israel não está lutando contra uma máfia — essas são pessoas que representam a resistência nacional palestina”.

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Palestina: quatro mil anos de história
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