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Meu nome é Rachel Corrie: Peça relembra ativista morta por Israel

Rachel Corrie, ativista de 23 anos atropelada por tratores militares de Israel na Faixa de Gaza, em 2003 [Nawal al-Hawsawi/Twitter]

Vinte e um anos se passaram desde a morte da ativista americana Rachel Corrie, então com 23 anos, atropelada por tratores militares de Israel na Faixa de Gaza ocupada. Era 2003 quando ativistas e membros do Movimento de Solidariedade Internacional (ISM) realizavam protestos não-violentos para proteger a residência de uma família palestina, alvejada por uma demolição arbitrária, quando Rachel foi morta.

Desde o incidente, perto da travessia de Rafah, a atitude humanitária de Corrie tornou-se uma inspiração a numerosas ações de solidariedade internacional, como uma forma de resistência não-violenta, além de produções culturais celebrando sua bravura.

My Name is Rachel Corrie — em português, Meu Nome é Rachel Corrie — foi uma peça de teatro exibida no tradicional Young Vic, de Londres, baseada nos e-mails e diários da ativista pró-Palestina. Sua estreia ocorreu dois anos depois da tragédia, no Royal Court londrino. A versão original foi montada pela jornalista Katharine Viner e pelo falecido e consagrado ator britânico Alan Rickman.

Não é surpresa que a peça tenha sido alvo de ataques de grupos sionistas. A ira sobre o ressurgimento da peça fez com que apoiadores de Israel em solo britânico impusessem pressão ao Young Vic contra a realização da obra. David Lan, que é judeu, então diretor artístico do teatro, sentiu-se compelido a defender a instituição, ao declarar que “Gaza é uma ferida aberta para todo o planeta, da qual muitas pessoas ainda sofrem”.

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Organizações sionistas chegaram a reivindicar o corte nos recursos públicos destinados ao teatro, para garantir que adotasse uma posição “mais equilibrada” no que concerne à questão. Lan, de sua parte, insistiu que as manifestações artísticas são fundamentais para promover o diálogo. “Acolhemos e esperamos encorajar uma discussão tão ampla quanto possível sobre essa terrível situação, e valorizamos tudo que mantenha Gaza na vanguarda da consciência global”, disse Lan.

Para além da perturbação de ter ativistas sionistas empurrando panfletos goela abaixo de espectadores e transeuntes, difamando a memória de Corrie na entrada do teatro, a uma hora e meia de imersão na mente da ativista é uma experiência memorável.

A peça navega de maneira brilhante pelos diários de Corrie desde sua adolescência até o período de sua morte. Dirigido por Josh Roche, vencedor de vários prêmios, e com uma interpretação fantástica da atriz britânica Erin Doherty, a peça expõe seu público a uma representação visceral da brutalidade imposta pela ocupação militar israelense, através dos olhos de uma ativista que ainda buscava seu lugar sob o sol.

A performance atordoante de Doherty traz à vida momentos determinantes na jornada individual de Corrie, conforme luta contra seu próprio senso de privilégio em contraste com a miséria e a indignidade que assolam Gaza. Como se não bastasse, a montagem captura de maneira vigorosa as tensões internas de Corrie, que guardava um profundo senso de responsabilidade pelo apoio implacável de seu país natal, os Estados Unidos, para com Israel.

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O enredo é emocionalmente instigante, dada a natureza das anotações dos diários, que seu pretende que represente de maneira honesta pensamentos e sentimentos alheios às polêmicas que orbitam a matéria. Corrie se mostra profundamente perturbada pela constante desumanização dos muçulmanos e palestinos. Suas conversas com seu pai — incluídas na peça — trazem luz aos próprios preconceitos dos Estados Unidos e de seus cidadãos sobre o mundo pós-11 de setembro.

A força da peça e da performance de Doherty se soma à poderosa montagem de cena: um fundo composto por materiais crus e paineis compensados e sem cor tanto sobre o assoalho quanto as paredes. A peça central é uma barreira de madeira alta que parece sugerir o Muro do Apartheid construído por Israel nos territórios palestinos ocupados. Seria necessário, portanto, uma atriz excepcional interpretando uma pessoa fantástica para tornar a experiência ainda mais comovente e atordoante.

O legado de Rachel Corrie continua a inspirar milhares de campanhas e manifestações contra a opressão política. Esta montagem, de 2017, como sua predecessora, alcançou certamente a escala de “voz política irrepreensível” da jovem ativista de Olympia.

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