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As partes em conflito do Sudão devem estar dispostas a conversar sobre a paz em Genebra

Presidente do Conselho de Soberania do Sudão, general Abdel Fattah Abdelrahman al-Burhan (C) e seu vice Mohamed Hamdan Dagalo (esq.) participam da cerimônia realizada no Congresso da Amizade e no Salão de Reuniões em Cartum, Sudão, em 05 de dezembro de 2022 [Mahmoud Hjaj/Anadolu Agency via Getty Images]

O apelo urgente por ação para evitar que 2,5 milhões de sudaneses morram de fome no norte de Darfur está, ironicamente, sendo emitido pelas partes em guerra que são ostensivamente responsáveis pela crise. Esta semana, a ONU alertou sobre uma crise de fome de estágio três, indicando que um quarto de milhão de pessoas, ou talvez mais, poderia morrer de fome antes do final de setembro.

Em um apelo desesperado nas mídias sociais, as Forças de Apoio Rápido (RSF), que controlam militarmente a área, culparam as Forças Armadas Sudanesas (SAF) por impedir e bloquear a chegada de suprimentos urgentes de socorro à área. A resposta inicial das SAF foi afirmar que o campo de Zamzam, que abriga 220.000 refugiados, não estava em perigo. No entanto, relatórios de agências de ajuda humanitária confirmam que os habitantes do campo estão seriamente necessitados de alimentos e água potável.

Coincidentemente, o pedido de assistência ocorreu após uma ligação telefônica pessoal entre o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e Abdul Fatah Al-Burhan, presidente de fato do Sudão e chefe do exército.

Blinken expressou preocupação com a crescente crise humanitária em Darfur.

Ele reiterou a necessidade de pôr fim às hostilidades e a necessidade de os dois lados iniciarem conversações, que estão programadas para 14 de agosto em Genebra. As conversações serão mediadas pelos Estados Unidos, com o Egito, a ONU, a União Africana e os Emirados Árabes Unidos participando como observadores.

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“Falei com ele sobre a necessidade de abordar as preocupações do governo antes de qualquer negociação”, disse Al-Burhan. Ele acrescentou que havia informado Blinken de que a RSF estava “atacando e sitiando Al-Fashir e impedindo a passagem de alimentos para os deslocados do campo de Zamzam”.

Luta pelo poder no Sudão, entre o general Abdel Fattah Abdelrahman al-Burhan e seu vice Mohamed Hamdan Dagalo – Cartoon [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Essa preocupação com o fato de a ajuda não chegar às áreas afetadas é acompanhada pela preocupação do governo sudanês em não permitir que suprimentos de ajuda não supervisionados sejam entregues sem seu controle. Na quarta-feira, o governo lançou um ataque contundente contra os Emirados Árabes Unidos, acusando-os de minar a soberania do Sudão ao defender a entrega de ajuda humanitária através das linhas de conflito sem o consentimento de Cartum.

Em uma declaração contundente, o Ministério das Relações Exteriores da capital questionou a sinceridade dos Emirados Árabes Unidos em expressar preocupação com o povo sudanês, afirmando: “Se os Emirados Árabes Unidos estiverem realmente preocupados com o sangue e a segurança dos cidadãos sudaneses, devem parar de fornecer à milícia [RSF] as armas usadas para matar nosso povo e privá-lo de alimentos e ajuda. Somente assim a paz será alcançada e o sofrimento humanitário será aliviado.”

No entanto, conselheiros militares e comentaristas estão alertando contra a pressa em pedir um cessar-fogo ou uma interrupção prematura das hostilidades. Muitos se lembram das negociações de paz paralisadas que permitiram que a RSF se reagrupasse e se rearmasse para criar novas rotas de fornecimento de armas. Além disso, com a reticência do exército, os antigos grupos armados que lutaram contra o presidente deposto Omar Al-Bashir estão irritados por não terem sido convidados a participar das negociações. Isso torna ainda mais remota a possibilidade de as negociações serem bem-sucedidas. O grupo liderado por Mini Arko Minnawi, juntamente com o Justice and Equality Movement (JEM), liderado por Jibril Ibrahim, juntou-se à guerra em apoio à SAF contra a RSF em novembro passado, depois de ter sido neutro.

As especulações sobre o momento da abordagem dos EUA surgiram com o anúncio de reuniões agendadas entre o Sudão e a Rússia.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia confirmou as conversas com o Sudão sobre o aumento de sua capacidade militar. Assim, os comentaristas acreditam que as conversações em Genebra têm mais a ver com o fato de os EUA não permitirem que a Rússia tenha vantagem na região do que com um desejo genuíno de acabar com a guerra e com o sofrimento de milhões de sudaneses.

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Na última semana, os ganhos militares levaram ao anúncio de que Al-Burhan pode transferir seu quartel-general para Omdurman, às margens do Nilo, em frente à capital Cartum. Muitos acreditam que, se o exército sudanês recuperar o controle total da capital, a guerra estará praticamente encerrada.

Falando na televisão nacional, Yassir Atta, um membro comprometido com o movimento islâmico e oficial sênior do exército, revelou que Al-Burhan havia falado sobre entregar as rédeas do poder a seu vice. Isso foi uma conversa fiada ou um reflexo da confiança entre a liderança e a base de que a guerra está em seus estágios finais.

Essa confiança foi reforçada por uma gravação vazada de um importante oficial da RSF que admitiu que a prestação de serviços, como o conserto do ponto de água em Singa, no estado de Sennar, para a população local não estava surtindo o efeito desejado.

Falando em um grupo de bate-papo de um fórum público, o funcionário disse: “Não faz sentido consertar bombas de água ou fornecer serviços para o público, por Alá. O povo sudanês, desde o dia em que Alá o criou, é como um burro e não faz nada a menos que seja conduzido por uma vara. Esse bom tratamento é desperdiçado com eles, não deveria haver trabalho humanitário…”

No que diz respeito ao exército, as decisões estratégicas tomadas nos próximos dias determinarão a direção da marcha para a paz. Se não houver disposição para um diálogo significativo nas negociações de Genebra, a iniciativa pode sair pela culatra e o governo sudanês pode ser visto como um obstáculo à paz. Por outro lado, se houver muitas concessões, os ganhos militares – inclusive os obtidos em Cartum – poderão ser perdidos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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