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Erosão de áreas verdes no Cairo expõe residentes a calor escaldante

Pedestre tenta se proteger do sol ao atravessar a ponte de Abbas, em Gizé, no Egito, em 27 de julho de 2024 [Islam Safwat/Bloomberg via Getty Images]

O apartamento de Ahmed Belal, no Cairo, costumava dar de frente a um amontoado de árvores que lhe fornecia o tão necessário abrigo do forte calor do verão e da poluição, em uma área movimentada da capital egípcia.

No entanto, uma iniciativa do regime militar para expandir e aprofundar os viadutos na região levaram à destruição da maior parte das árvores, no distrito de classe média alta de Mohandeseen, na Grande Cairo.

Foi então que, em 2022, Belal decidiu fazer as malas e se mudar para o subúrbio.

“Vendi meu apartamento … para ter o mínimo de paz de espírito e um pouco de verde que espero que não destruam”, contou o médico de 39 anos à agência Reuters.

A remoção das áreas verdes na metrópole central se tornou motivo de furor nas redes sociais, sobretudo nas últimas semanas, conforme subiam as temperaturas. Residentes reconhecem que a política do regime exacerbou os efeitos do aquecimento global.

As temperaturas no Cairo chegaram a 43 °C logo no início do verão. A cidade de Assuã, no sul do país, bateu recorde de 49 °C ainda em 6 de junho, conforme a Autoridade de Meteorologia do Egito.

Nos anos recentes, o Egito embarcou em megaprojetos de construção de rodovias, sob promessas do presidente e general Abdel Fattah el-Sisi e correligionários de desanuviar os congestionamentos e atrair investimentos.

Contudo, além de não obter os resultados prometidos, as obras devoraram o já escasso espaço verde.

Embora faltem dados recentes, o Ministério do Meio Ambiente admitiu no último ano que a média per capita de verde no país é apenas 1.2 metros quadrados, muito aquém da recomendação de 9 m² da Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Entre 2017 e 2020, no ápice das obras rodoviárias no país, a cidade do Cairo perdeu em torno de 910.894 m² de área verde, segundo a iniciativa Soluções Políticas Alternativas, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Americana do Cairo.

A perda expõe as pessoas a temperaturas que representam risco de vida, à medida que as mudanças climáticas levam a ondas de calor cada vez mais frequentes e extremas ao redor do mundo, ao agravar, sobretudo, o efeito urbano das ilhas de calor.

“Em cidades densamente povoadas, onde o calor pode se tornar opressivo, a presença de parques, jardins e outras áreas verdes ajuda a reduzir as temperaturas e torna áreas externas mais aprazíveis e utilizáveis”, comentou Sana Sherif, socióloga e pesquisadora de política ambiental radicada no Cairo.

“Sem a sombra adequada e espaços para se refrescarem, residentes são cada vez mais sujeitos a doenças relacionadas ao calor”, explicou Sherif.

Ilhas de calor

Árvores e parques desapareceram da beira do rio Nilo, que corta o coração do Cairo e provê a maior proporção de água potável ao Egito.

Na Ilha de Dahab, logo ao sul do centro da capital, a expansão de um anel viário erodiu terras agrárias, como explicou Nabil Elhady da Universidade do Cairo. Além disso, uma extensa calçada de concreto está em construção às margens do rio.

“Obras, por natureza, aumentam o calor”, destacou Elhady.

Os projetos viários do país não são a única razão para a remoção do verde, alertam os críticos, à medida que parques também são engolidos por lojas e cafés.

Um porta-voz do Ministério do Meio Ambiente do Egito se recusou a responder sobre áreas onde o verde foi desarraigado mesmo sem que haja construção civil, ao referir a reportagem a comunicados à imprensa.

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Em julho, o governador do Cairo, Ibrahim Saber, diante das críticas da população, disse que nenhuma árvore seria arrancada sem a análise de um comitê especializado sobre a eventual obstrução das obras.

O Egito sediou a Conferência do Clima das Nações Unidas de 2022 (COP27), ocasião na qual alegou ter planos para plantar cem milhões de árvores em todo o país entre 2022 e 2029, somando-se a 3.1 supostamente já cultivadas.

“Substituir árvores com raízes profundas por novas árvores não é tarefa fácil”, reiterou Asmaa al-Halwagy, ativista ambiental e chefe da Associação dos Amantes das Árvores, organização fundada na década de 1970 para combater a expansão urbana sobre áreas naturais. “É preciso muito dinheiro, mão-de-obra e manutenção”.

“Continuamos a ouvir das mesmas pessoas, ‘plantamos 50, 500, três mil ou um milhão de árvores’. Pois cadê essas árvores?”, questionou o ativista.

‘Dispersão verde’

Embora as áreas densamente povoadas do Cairo concentrem o grosso dos projetos de novas rodovias, espaços verdes florescem em complexos residenciais nos subúrbios da cidade, reservados, no entanto, aos mais abastados.

A Nova Capital Administrativa, a leste do Cairo, projeto-piloto do governo Sisi, a fim de afastar os poderes da população, prevê um parque ao longo do rio de ao menos 35 km de extensão.

Sherif, no entanto, advertiu que a “dispersão do verde”, ou realocação das áreas verdes às periferias ricas no país, incidiram em uma “queda vertiginosa no acesso ao verde aos residentes do coração da cidade”, agravando sintomas da desigualdade social.

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Cortar árvores priva as pessoas não apenas da sombra, como do direito a atividades de lazer e outras amenidades básicas, reiterou Halwagy.

“Árvores mostram a identidade de um lugar”, acrescentou a ativista. “Hoje, os lugares carecem de identidade, muito menos memória”.

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