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A nova liderança política do Hamas sob a lente da mídia pró-sionista

Yahya al-Sinwar, líder do Hamas na Faixa de Gaza, na Cidade de Gaza, em 10 de março de 2021 [Ali Jadallah/Agência Anadolu]

O Movimento de Resistência Islâmica Palestina (Hamas) anunciou seu novo líder após o assassinato de Ismail Haniyeh, em ato terrorista perpetrado pelo Estado Sionista em Teerã. Na primeira semana de agosto uma das principais forças político-militares do Eixo da Resistência revelou que o ex-preso político nas masmorras do Apartheid,Yahya Sinwar, passa a ocupar a liderança política. Como fizemos em outros artigos, o texto que segue analisa os relatos e narrativas de dois conglomerados de mídia hegemônica operando no Brasil abordando este fato.

O G1 e o fontismo sionista

No portal G1 (Globo), pertencente a família Marinho, a notícia foi publicada como: “Hamas anuncia Yahia Sinwar como novo chefe após morte de Ismail Haniyeh. Sinwar era o número 2 e é apontado como suposto mentor do ataque de 7 de outubro, que deu início à guerra entre Israel e o grupo terrorista. O paradeiro dele é desconhecido. Ministro israelense pede ‘rápida eliminação’ do terrorista.”

Interessante observar que a notícia cita o chanceler sionista Israel Katz como fonte e depois reproduz a classificação do Apartheid afirmando que:

“O grupo terrorista Hamas anunciou o nome de seu novo chefe nesta terça-feira (6 de agosto) por meio de um comunicado oficial”.

Dois parágrafos depois o texto expõe: “Desde a morte de Haniyeh, o nome de Sinwar já era um dos mais cotados ao posto. O grupo terrorista Hezbollah, aliado do Hamas, parabenizou Sinwar pela promoção.”

Cabe observar que nem o Brasil nem as Nações Unidas classificam Hamas ou Hezbollah como “terrorista”. Tampouco houve a “morte” de Hanieyh, pois a forma da redação dá a entender que ele simplesmente “morreu” ao invés de ter sido assassinado em evidente violação de soberania e ato de agressão contra o território iraniano.

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Na sequência o G1 traça o “perfil” conhecido do novo líder do Hamas: “Eleito em fevereiro de 2017 como chefe do Hamas na Faixa de Gaza, Yahya Sinwar, de 61 anos, é conhecido por sua linha dura. Passou 23 anos em prisões israelenses e foi libertado em 2011 em uma troca de prisioneiros. Nascido em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, uniu-se ao Hamas na época de sua criação, em 1987, ano da Primeira Intifada. Logo fundou o Majd, serviço de segurança interna do Hamas.”

Mantendo a “coerência” discursiva, o texto é anônimo e planta a ideia absurda de que o mártir Hanieyh era “mais político” e o atual é “linha dura”. Escrevendo sem fonte, citando autoridade sionista que é persona non grata no Brasil e afirmando caracterizações distintas do governo nacional brasileiro. O G1 e a Globo produziram uma peça de propaganda em linguagem jornalística bastante “coerente” com a sua linha editorial sionista.

A CNN Brasil reproduz a matriz estadunidense

A franquia brasileira da empresa transnacional de notícias, a CNN, publicou três matérias (traduzidas) abordando a nova liderança do Hamas. O padrão nas três é o uso de fontes ocidentais e a tentativa de falar em nome da “população de Gaza”, associando a figura da liderança palestina com alguém que não “oferece saída” para a população que é alvo de genocídio por parte do Apartheid Colonial da Palestina Ocupada.

A CNN inicia requentando uma matéria de 08/12/2023 e a publica em 06 de agosto deste ano. Assinada por Ivana Kottasová e David Shortell, traz o título “Quem é Yahya Sinwar, novo líder político do Hamas após morte de Ismail Haniyeh”. Na linha de apoio consta: “Israel já acusou publicamente Sinwar de ser o “cérebro” por trás do ataque do Hamas em 7 de outubro”.

As fontes citadas são Conselho Europeu de Relações Exteriores, o Departamento de Estado dos EUA e Centro Moshe Dayan para Estudos do Oriente Médio e da África, da Universidade de Tel Aviv. Também foram citados o porta-voz militar israelense, tenente-coronel Richard Hecht e o pacifista israelense Gershon Baskin. Das cinco fontes, quatro classificam Sinwar como “terrorista” reproduzindo a posição de Washington, seguida por França e Grã Bretanha.

No dia 07 de agosto foi publicado “Habitantes de Gaza veem dificuldades continuando com nova liderança do Hamas”. E no subtítulo traz “Yahya Sinwar, novo líder político do grupo, é considerado mais linha-dura e menos vulnerável à pressão das nações árabes do que seu antecessor”. Assina a matéria o chamado produtor da CNN em Gaza, Ibrahim Dahman.

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O autor escuta algumas fontes e todas dão um relato responsabilizando a liderança de Sinwar às condições de vida sofridas pela maioria. No seu perfil na rede Instagram, curiosamente, o produtor posta uma foto com um colega no Cairo (Egito) em novembro de 2023. Logo, o “colega” tem salvo conduto das autoridades sionistas para entrar e sair de Gaza? No mínimo curioso esse tratamento diferenciado quando a Al Jazeera mesmo é expulsa e tem seus jornalistas assassinados pelo Estado Sionista.

A outra matéria do dia 07 responsabiliza o Hamas pela dificuldade no avanço do cessar fogo. Traz o título “Como a troca de líder do Hamas pode afetar o acordo de cessar-fogo?”. Na linha de apoio reforça a posição de Tel Aviv: “Israel acusou Yahya Sinwar de ser o ‘cérebro’ por trás do ataque de 7 de outubro”.

O texto é uma bricolagem “assinada” por cinco jornalistas e faz uma lista de ameaças – pelo ponto de vista ocidental – advindas com a nomeação. Uma das fontes citadas é indireta, e traz a declaração do porta-voz de ocupação do Apartheid, Daniel Hagari à rede saudita Al Arabiya: “Há apenas um lugar que estamos designando para Yahya Sinwar, e é ao lado de Mohammed Deif e de todos os outros terroristas responsáveis por 7 de outubro [ataques]. É o único lugar que estamos preparando e designando para ele.”

Mais a frente os “autores da nota” citam um ex-colega de cela de Sinwar, Esmat Mansour, e este afirma: “Agora todas as decisões estão sob a sua autoridade, tanto as decisões militares como as políticas, e a decisão [de realizar] negociações.”

Outra fonte citada pela bricolagem em forma de matéria é a professora Devorah Margolin, financiada pelo fundo de financiamento Blumenstein-Rosenbloom dentro do Washington Institute for Near East Policy, a think tank pró Israel baseado na capital do país que financia o Estado Colonial. A suposta especialista afirma que: “A decisão de hoje de anunciar Yahya Sinwar – [que] planejou os ataques de 7 de outubro – como o novo chefe do Politburo acaba com todos os equívocos em torno da estrutura do grupo.”

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Apontando conclusões

Em geral a cobertura brasileira – ou difundida em português – é pouco equilibrada e costuma usar muitas fontes e agências de notícias ocidentais. Neste artigo elencamos o portal do maior conglomerado de comunicação do país e a reprodução da maior cadeia ocidental de “jornalismo”. A nomeação de Yahya Sinwar é descrita como um “gesto perigoso para o cessar fogo” e pode “endurecer” ainda mais o “conflito”. Pura hipocrisia.

A análise acima evidencia o cinismo em linguagem noticiosa. É uma reprodução do aparelho de propaganda dos Estados Unidos e defendendo as posições do Apartheid Sionista em sua meta de limpeza étnica, genocídio e punição coletiva contra o povo originário da terra ocupada.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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