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Imane Khelif vence ouro inédito para a Argélia, supera campanha de ódio

Imane Khelif, atleta argelina, recebe a medalha de ouro no boxe feminino até 66 kg nos Jogos Olímpicos de Paris, em Roland Garros, na França, em 9 de agosto de 2024 [Aytaç Ünal/Agência Anadolu]

Multidões com bandeiras alviverdes tomaram as ruas de Argel, capital da Argélia, para festejar a medalha ouro inédita do boxe nacional, árabe e africano de Imane Kheif nos Jogos Olímpicos de Paris, na noite desta sexta-feira (6).

Khelif sorriu, dançou e berrou de alegria ao derrotar a chinesa Yang Liu na final do boxe feminino até 66 kg, no estádio de Roland Garros, ao fazer história após uma campanha de racismo e misoginia nas redes sociais que alvejou a atleta argelina.

Khelif, de 25 anos, dominou os três rounds da final olímpica e foi confirmada vitoriosa por decisão unânime.

Para além de suas oponentes, a quem prestou respeito, Khelif derrotou figuras como o oligarca Elon Musk, o presidenciável americano Donald Trump, a primeira-ministra da Itália, Georgia Meloni, e a autora da franquia Harry Potter, J.K. Rowling, que buscaram contestar o gênero da boxeadora.

Apesar dos ataques, Khelif desfrutou do apoio de concidadãos, do Comitê Olímpico da Argélia e do próprio presidente Abdelmadjid Tebboune.

Torcedores entusiasmados levaram bandeiras nacionais argelinas às arquibancadas do tradicional estádio de tênis na capital francesa. Khelif foi recebida sob gritos de apoio, que a acompanharam desde o soar do gongo até o hino nacional.

Yang, medalha de prata, enalteceu a conquista de Khelif. “Tentei tudo o que pude, mas minha oponente foi melhor. Ela é uma excelente lutadora e muito, muito forte”.

À rede britânica BBC, após ganhar a luta, comemorou Khelif: “Era o meu sonho e estou felicíssima em dizer hoje que sou campeã olímpica … Foram oito anos de trabalho duro, de exaustão e sem dormir, mas isso aqui — isso aqui é fantástico”.

Difamação de gênero

A atleta argelina foi desqualificada do Campeonato Mundial em 2023 pela Associação Mundial de Boxe (IBA), agência denunciada por corrupção chefiada pelo cartola Umar Kremlev, ligado ao presidente russo Vladimir Putin.

A IBA afirmou conduzir um teste, cujos detalhes jamais foram revelados, no qual Khelif supostamente falhou em termos de elegibilidade de gênero, após vencer precisamente a atleta e sensação russa Azalia Amineva.

O Comitê Olímpico Internacional (COI), que se desvinculou da IBA, defendeu a argelina, ao reiterar que o teste foi realizado de maneira opaca, sem metodologia científica e de maneira “súbita e arbitrária”.

A própria IBA admitiu que o teste não envolveu contagens de testosterona, hormônio masculino, ao insistir que os detalhes seriam “confidenciais”.

Na campanha olímpica, Khelif foi alvejada por ideólogos de extrema-direita ocidentais após derrotar Angela Carini em 1º de agosto, quando a italiana abandonou a luta após 46 segundos.

Carini se negou a apertar as mãos de Khelif e seguiu a fomentar o discurso difamatório. Mais tarde, alegou se desculpar.

Nas quartas de final, Khelif venceu a boxeadora húngara Anna Luca Hamori, após esta difundir imagens racistas em seu Instagram nas quais retratou sua adversária como um minotauro no ringue.

Ao receber denúncias de violação da Carta Olímpica, o COI, porém, somente advertiu a atleta da Hungria.

A semifinal contra a tailandesa Janjaem Suwannapheng e a final contra Yang, da China, em contrapartida, correram sem incidentes.

O Comitê Olímpico da Argélia condenou a campanha contra Khelif e reiterou assumir as medidas devidas. Na quinta-feira (8), denunciou “comportamento antiético direcionado a nossa campeã … por certas redes estrangeiras, mediante propaganda”.

“Tais ataques são inteiramente antiéticos e infundados, sobretudo à medida que Khelif se prepara para o ápice de sua carreira esportiva”, reiterou a federação argelina. Para o comitê, “a performance extraordinária [de Khelif] causou desconforto em alguns”.

Seu pai, Omar Khelif, de uma família camponesa argelina, chegou a mostrar a certidão de nascimento da filha para calar os detratores.

Em resposta, contudo, cidadãos argelinos e outros, incluindo celebridades e estrelas do futebol nacional, lançaram uma enorme mobilização de solidariedade a Khelif, a qual, em último caso, culminou na festa pelo ouro inédito nas ruas do país.

Rosas no Sena

A delegação da Argélia causou furor logo na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris, em 26 de julho, quando seus membros atiraram rosas no Rio Sena, em memória de um massacre francês contra manifestantes pró-independência em 1961.

Em 17 de outubro daquele ano, dezenas de manifestantes argelinos foram mortos pela polícia francesa ao protestarem na cidade de Paris contra a ocupação e colonização de sua terra natal. Estima-se até 200 mortos, cujos corpos foram jogados no Sena.

Outras 12 mil pessoas foram presas.

Em 2012, o então presidente da República, François Hollande, prestou homenagem às vítimas da “brutal repressão”. Em 2021, foi a vez do atual chefe de governo, Emmanuel Macron, ao reconhecer os crimes como “indesculpáveis”.

Os avanços, no entanto, sofrem resistência da ascendente extrema-direita na França e em toda a Europa, que busca negar atrocidades coloniais e promover discursos racistas contra africanos, árabes, muçulmanos e outras minorias.

A França ocupou a Argélia de 1830 a 1962, período no qual entre 400 mil e 1.5 milhão de argelinos foram mortos, segundo estimativas conservadoras.

O Estado argelino conquistou sua independência em 5 de julho de 1962, após oito anos de resistência contra as forças coloniais. Desde então, busca reparações.

A Argélia venceu seu primeiro ouro em Paris na modalidade de barras assimétricas da ginástica artística, com Kaylia Nemour, de 17 anos, que superou a chinesa Qiu Qiyuan e a americana Sunisa Lee.

Kayla Nemour, atleta argelina, disputa a final das barras assimétricas na ginástica artística, nos Jogos Olímpicos de Paris, na Arena Bercy, França, em 4 de agosto de 2024 [Aytaç Ünal/Agência Anadolu]

Assim como Khelif, a medalha de ouro de Nemour na ginástica é uma conquista inédita para uma atleta árabe e africana.

Nemour, nascida da comuna francesa de Saint-Benoît-la-Forêt, competia pela comissão europeia, mas foi excluída da equipe nacional após uma lesão esportiva. Há três anos, a jovem atleta voltou ao esporte, decidindo representar o país de seu pai.

A equipe francesa, em contrapartida, não se destacou em casa.

Após a vitória, comentou Nemour: “Ganhei esta medalha para mim e para a Argélia. Eu represento a Argélia. A França, acho, está me apoiando. Virei a página”.

Festa na Argélia

Vestindo vermelho e um sorriso triunfal, Khelif caminhou ao centro do ringue para que o árbitro erguesse sua mão.

Sua dança agora característica — aparente referência ao boxe latino-americano de seu treinador cubano Pedro Díaz — contrastou com o choro das quartas de final. Ao descer do ringue, sua equipe a ergueu sobre os ombros e festejou com a arena.

Ovacionada, Khelif se envolveu em uma bandeira argelina.

Seu nome ecoou não apenas em Roland Garros, como em Argel — em meio a fogos de artifício e buzinaços — e também em sua aldeia natal de Biban Mesbah, com não mais do que seis mil habitantes.

Apesar da preocupação do pai, um homem simples, Khelif vendeu cuscuz com a mãe e chegou a recolher latas para arcar com os treinos.

Após a vitória, desabafou a campeã: “Eu sou uma mulher forte com superpoderes. Do ringue, mandei uma mensagem a quem tanto me atacou”.

Em seguida, asseverou: “Quero agradecer todo o povo argelino aqui em Paris, em todo o mundo e na Argélia. A todo o povo da Argélia e aqueles que tanto me apoiaram, meu time e meu treinador: muito, muito obrigada. A Argélia hoje sorri feliz”.

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