António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), reforçou apelos por um processo de reforma do Conselho de Segurança, ao indicar a urgência de uma vaga permanente para o continente africano no fórum internacional.
Durante debate aberto intitulado “Injustiça histórico e reforço da representação eficaz da África”, realizado nesta segunda-feira (12), Guterres reafirmou que a composição do Conselho de Segurança falhou sem acompanhar o ritmo das mudanças globais.
A sessão foi convocada por Serra Leoa, que preside o plenário em agosto, contou com a contou com a presença de Guterres e do atual presidente da Assembleia Geral, Dennis Francis, entre outros oficiais de alto escalão.
Para Guterres, há “fissuras nos alicerces” no órgão das Nações Unidas, “grandes demais para serem ignoradas”.
“Não podemos aceitar que o mais importante órgão de paz e segurança mundial careça de uma voz permanente de um continente com muito mais de um bilhão de pessoas”, argumentou Guterres. “Tampouco podemos aceitar que o ponto de vista africano seja subestimado em termos de paz e segurança, seja no continente ou em todo o mundo”.
Conforme o diplomata português, essa é a origem do constante “impasse e estagnação em torno das crises mais prementes da atualidade”, ao incitar a crise de legitimidade e credibilidade hoje em voga, “que afeta o próprio multilateralismo”.
Guterres recordou que o Conselho foi concebido pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial, ao refletir as estruturas de poder de 1945, quando boa parte da África estava ainda sob domínio colonial, sem a devida voz nos assuntos internacionais.
Para o secretário-geral, a omissão permanece ainda em aberto, de modo que é preciso não apenas um membro permanente que represente o continente no fórum, como um maior número de representantes rotativos, proporcional a sua importância.
Para Guterres, a África carece de representação em governança global — incluindo nas instituições financeiras —, embora seja “sobrerepresentada” em termos dos “próprios desafios que estas estruturas foram concebidas para enfrentar”.
Neste sentido, o diplomata advertiu que conflitos, emergências e disputas geopolíticas “têm impacto descomunal nos países africanos”.
“Sem segurança africana não há segurança global”, destacou Guterres, ao notar o que caracterizou como “imperativo estratégico”, de maneira a melhorar a aplicabilidade e a legitimidade das resoluções do órgão.
O Conselho de Segurança é composto por 15 membros, dentre os quais cinco membros permanentes com poder de veto: China, França, Rússia, Estados Unidos e Reino Unido — isto é, detentores de armas nucleares.
Os outros dez membros rotativos são alocados regionalmente, com dez assentos para a África; dois para a região Ásia—Pacífico; dois para América Latina e Caribe; dois para a Europa Ocidental e outros; e um para o Leste Europeu.
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Desde maio, membros do Conselho de Segurança debatem a demanda por melhoria na representação africana, diante dos desafios em curso.
Dennis Francis, presidente da Assembleia Geral, reiterou que as Nações Unidas têm de refletir a realidade do mundo.
“O fato de que a África continua a ser manifestamente sub-representada no Conselho é simplesmente errado e ofende ambos os princípios de igualdade e de inclusão”, disse o embaixador de Trinidad e Tobago.
Para Francis, a assimetria de forças “vai contra o princípio de equidade de soberania de Estados e pede por reforma urgente da instituição para refletir o mundo atual, em vez daquilo que era há quase 80 anos”.
Momento favorável
Francis defendeu como legítimos os apelos crescentes por um Conselho de Segurança “mais representativo, responsivo, democrático e transparente”, incluindo revitalização das estruturas e melhor prestação de contas “por suas ações e suas inações”.
Carlos Lopes, professor da Universidade da Cidade do Cabo e ex-embaixador da União Africana, disse à Al Jazeera que os apelos do continente não são novidade, mas vivem um “momento favorável” em termos de tendências geopolíticas.
Países emergentes tendem a defender uma reforma no Conselho, incluindo Brasil sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Em meados de fevereiro, em viagem ao continente africano, como convidado de honra do bloco regional, Lula sugeriu esforços para “repensar a ONU”, a fim de materializar o que descreveu como “nova governança global”.
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“Não é possível que a ONU seja governada pelos vencedores e perdedores da Segunda Guerra Mundial. É importante lembrar que o mundo mudou, a política mudou; países ficaram maiores e mais importantes”, argumentou Lula na ocasião.
Após a cúpula dos Brics de agosto último, que aceitou novos membros, China e Rússia aderiram aos apelos por reforma no Conselho, ao divergir dos outros países com poder de veto. Uma carta neste sentido foi assinada pelos cinco membros originais dos Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Durante a sessão desta segunda, o presidente de Serra Leoa, Julius Maada Bio, insistiu que seus pares na África reivindicam dois assentos permanentes no Conselho e duas vagas adicionais em caráter não-permanente.
“A União Africana escolherá seus membros permanentes”, indicou Maada Bio. “A África quer a abolição do poder de veto. Contudo, se os Estados-membros desejam mantê-lo, que este se estenda aos novos membros permanentes, como questão de justiça”.
“Há uma competição pelos votos africanos”, comentou Lopes. “Alinhar uma posição ou outra ao bloco africano se tornou cada vez mais difícil”.
Segundo Lopes, “os africanos foram capazes de navegar muito bem nas atuais tensões geopolíticas”, incluindo ao conquistar uma vaga para a União Africana no Grupo dos 20 (G20). “Agora é hora de ir além e tentar o mesmo no Conselho de Segurança”.