Um grupo de sírios que escapou de seu país, assolado pela guerra, em busca de alguma segurança em Beirute no Líbano, encontra trabalho na construção civil. Contudo, como resultado de toques de recolher impostos pelo governo aos refugiados, o único contato que possuem com o mundo exterior é um buraco no concreto o qual atravessam para começar seu turno. Este é o mote do documentário Taste of Cement — ou O Gosto do cimento —, do diretor Ziad Kalthoum, embora a realidade retratada reflita dores ainda mais profundas dos refugiados sírios.
Narrado por um dos trabalhadores, o filme é único no fato de que seu público jamais é apresentado ao protagonista e que não há diálogo entre os personagens. Esta obra de 85 minutos de duração se explica simplesmente por sentenças dispersas entre imagens fortes e delicado simbolismo.
Ao girar pelo ciclo de vida do concreto, a obra mostra o cotidiano de trabalhadores que vivem no porão de seu local de trabalho, onde erguem um arranha-céu de 22 andares. Nos dizem que, a princípio, acreditaram que viveriam debaixo de Beirute por 12 horas por dia e as outras 12 poderiam passar à luz do sol. Fica claro, porém, que não é o caso. Beirute sempre está acima deles, opressiva, mesmo que estejam a apenas dez metros da praia.
Os trabalhadores estão presos no local e vivem na miséria. Não têm mais esperanças e parecem seguir seu dia a dia como se fossem robôs, salvo por atualizações à noite das tragédias, da morte e da destruição que transcorrem em sua terra.
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O narrador expõe a história do relacionamento com seu pai, que também trabalhou na construção civil em Beirute. O concreto se impõe a toda sua vida: “Eu sentia o gosto do cimento em cada mordida da comida que meu pai nos trazia”.
Quando seu pai enfim se aposentou e voltou à Síria, para reconstruir a casa da família, eclodiu a guerra e mais uma vez o protagonista forçado a “comer concreto”, desta vez, como resultado de um bombardeio que o soterrou sob os escombros.
Por meio de sua narração, os danos causados pela guerra e o subsequente colapso das pilhas de concreto contrapõem a construção de um arranha-céu em Beirute com suas vidas destruídas para além das fronteiras.
Registros emocionais devem comover o público, sobretudo cenas de crianças chorando sob os escombros quando voluntários da defesa civil, com as mãos desnudas, escavam as ruínas para resgatá-las. A tragédia na Síria, a perda de vidas inocentes e as dores do isolamento imposto aos refugiados são nítidas por todo o filme. Os registros são tanto evocativos quanto informativos.
Prevalece a mensagem: Desde o fim da guerra civil, constrói-se e se reconstrói Beirute. Até quando e a que custo? Será que o mesmo acontecerá com a Síria?
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