“Vivemos no Oriente Médio. A palavra ‘ofensivo’ nasceu aqui”, diz um personagem do filme L’insulte (O insulto), ao proclamar em uma sentença aquilo que pode resumir seu enredo.
Ziad Doueiri, diretor de West Beyrouth, filme premiado, aclamado pela crítica, lançado em 1998, entrega outro contundente comentário cultural em sua obra de 2017 — um eletrizante drama de tribunal repleto de performances atordoantes de seus principais personagens. A extensão absurda pela qual se arrasta uma briga mesquinha, de meras palavras trocadas a um embate nacional, reflete as vulnerabilidades do Oriente Médio, em particular na sociedade fragmentada do Líbano.
Sunitas, xiitas, cristãos, palestinos, drusos e outros. Uma lista interminável de etnias e grupos religiosos distintos convivendo no país, cada qual com suas próprias divisões e traumas, criando um tecido social e político sempre prestes a se partir, sob o medo de que incorra em mais uma guerra civil.
L’insulte expõe fissuras profundas em toda a região, através da história comovente de Tony Hanna e Yasser Salameh. Hanna, cristão libanês, é um mecânico mal-humorado com um passado traumático e seu primogênito a caminho. Salameh é um palestino de poucas palavras, que trabalha na construção civil. Seus caminhos se cruzam de maneira quase trágica.
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O que começa com um pequeno desentendimento sobre um cachimbo ilegal no balcão de Hanna escala pouco a pouco a uma controvérsia nacional, à medida que memórias da guerra são exumadas e atrocidades passadas veem à luz por meio do drama judicial. O filme transcende a questão de quem insultou quem, para abrir um debate amplo em torno dos preconceitos e das tensões raciais no Líbano.
As reviravoltas do enredo, sobretudo na corte, quase carecem de verossimilhança. De fato, um refugiado palestino no Líbano dificilmente seria tão bem representado diante da justiça como é Salameh e, no caso de um cidadão libanês nativo como querelante, o processo terminaria mais cedo, em detrimento do palestino.
Temperado com clichês que podem ressoar bem com o público árabe, a obra é ousada, no entanto, ao destacar consequências negativas do senso de orgulho e da identidade racial, como uma frequente válvula de escape a diferentes conflitos. L’insulte acerta ao explorar a divisão no Oriente Médio e expõe como muitas questões políticas se filtram por uma intrincada estrutura social, ao afetar enormemente a vida de indivíduos que têm muito mais em comum do que sequer pensam.
Como um retrato vívido da dinâmica social do Líbano contemporâneo, além da questão da diáspora palestina como um todo, L’insulte certamente toca o coração.
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