Em uma saída abrupta de uma das líderes mais visadas da Ivy League, a presidente da Universidade de Columbia em Nova York, Minouche Shafik, anunciou sua renúncia na noite desta quarta-feira (14), após meses de críticas por permitir a repressão policial de protestos pró-Palestina.
A queda da reitora foi recebida com alívio — porém cautela — entre ativistas discentes, que caracterizam seu legado pela violência assumida contra manifestações antiguerra. Estudantes saíram às ruas nova iorquinas para comemorar, mas prometeram manter os esforços para que Columbia desinvista do aparato militar de Israel.
Maryan Alwan, de 22 anos, organizadora do coletivo Students for Justice in Palestine —Estudantes por Justiça na Palestina — disse se sentir “pessoalmente vingada”. Maryan esteve na linha de frente da primavera estudantil, enquanto o número de mortos pela campanha de Israel em Gaza não parava de subir.
Estudantes de Columbia foram pioneiros em erguer acampamentos de solidariedade a Gaza no campus histórico, em meados de abril, enquanto Shafik prometia, no Capitólio, reprimir manifestações de “antissemitismo”.
Os alunos reivindicavam de Columbia que retirasse investimentos de empreendimentos ligados a Israel e exigiam um cessar-fogo. Seu acampamento fez florescer uma onda de protestos similares em universidades dos Estados Unidos e de todo o mundo.
Sob Shafik, no entanto, a gestão de Columbia preferiu chamar a polícia para dispersar o acampamento, em vez de dialogar com seus estudantes. Alunos se viram submetidos a uma campanha de perseguição, descrita por muitos como novo macartismo, incluindo suspensão e ameaças de expulsão ou a sua carreira.
Maryan prometeu manter a luta, ao compará-la com a mobilização contra a Guerra do Vietnã: “Não tenho ilusões de que nossa demanda por desinvestimento se encerre com a remoção de uma testa-de-ferro. O reitor de Columbia em 1968 renunciou também no mês de agosto, após uma primavera de protestos, mas levou muito mais tempo para as agremiações estudantis conquistarem seus objetivos”.
Mandato tumultuoso
Em sua carta de renúncia, Shafik alegou “tentar navegar um caminho que preservasse os princípios acadêmicos e tratasse a todos com justiça e compaixão”. Shafik descreveu seu tempo no cargo como “um período de tumulto, no qual se tornou difícil superar as divergências em nossa comunidade”.
“Ao longo do verão, fui capaz de refletir e decidi seguir em frente, para melhor permitir que Columbia atravesse os desafios adiante”, acrescentou.
Todavia, para o professor de psicologia Carl Hart, os 14 meses de sua presidência foram marcados precisamente pela erosão desses princípios. “Ao longo de minha carreira, eu busco ensinar meus alunos a defenderem quem não tem voz, a enfrentarem a injustiça. Mas quando o fizeram, foram punidos”, comentou Har.
Shafik não negociou com os ativistas, mas sim adotou uma abordagem repressiva. Em duas ocasiões — 18 e 30 de abril — convocou a tropa de choque para dispersar os atos estudantis, em medida denunciada como um “risco desnecessário”.
Dezenas de estudantes foram presos.
Hart denunciou também o uso de acusações facciosas de antissemitismo contra grupos antiguerra e pró-Palestina, incluindo judeus antissionistas.
Chamada ao Congresso americano, em 17 de abril, Shafik capitulou a deputados que buscavam politizar a matéria a seu favor.
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Nos dias seguintes ao depoimento, Shafik sofreu um voto de censura do corpo docente da Faculdade de Artes e Ciências de Columbia. Um painel julgou que suas ações seriam uma ameaça às liberdades acadêmicas — porém não pediu sua renúncia.
Segundo professores e estudantes, agora é fundamental um “recomeço”, inclusive pela retirada das ações disciplinares contra manifestantes pela nova gestão — como já fez a promotoria de Manhattan, que removeu todas as queixas.
“Penso que, como resultado desse fiasco, mais professores estarão atentos ao processo de escolha do próximo reitor”, disse Hart. “Espero que nossos colegas estejam vendo e busquem asseverar que, quem quer que seja, seja melhor em compreender o que fazer nesse espaço”.
“Não descansaremos”
Cameron Jones, de 20 anos, organizador da sessão do coletivo de judeus antissionistas Jewish Voice for Peace em Columbia, ecoou esperanças de que a universidade indique “um presidente que ouça de verdade seus estudantes e professores, em vez de apenas interesses do Congresso e de doadores”.
“Estamos comprometidos em manter nosso ativismo porque compreendemos que não se trata de um único indivíduo, mas toda uma instituição que continua cúmplice desse genocídio em curso”, acrescentou à Al Jazeera. “Não descansaremos até que Columbia desinvista [de Israel] e que a Palestina seja livre”.
Estudantes voltam às aulas em setembro para o novo semestre. Há rumores de que as autoridades acadêmicas cogitam autorizar seus policiais no campus a conduzir prisões, sob denúncias de uma escalada autoritária na universidade.
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Os manifestantes, no entanto, prometem realizar novos atos, à medida que perdura o genocídio israelense em Gaza, que já supera os índices de 40 mil mortos, 92 mil feridos e dois milhões de desabrigados.
As ações estudantis devem se intensificar ainda junto à campanha às eleições de 20 de novembro, sobretudo após o incumbente democrata Joe Biden deixar a corrida e dar a missão a sua vice Kamala Harris, contra o republicano Donald Trump.
Eleitores progressistas se aproximaram de Harris desde sua ascensão como candidata, contudo, ainda ponderam abstenção caso não se manifeste uma mudança de postura em relação à Palestina.
Nesta semana, não obstante, o governo Biden, por meio de seu secretário de Estado, Antony Blinken, aprovou US$20 bilhões adicionais em armas a Israel, apesar de alertas de cumplicidade no genocídio.
Israel age em desacato de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas para debater um cessar-fogo, assim como medidas cautelares do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, para desescalada e fluxo humanitário.
O Estado israelense é também réu por genocídio em Haia, sob denúncia sul-africana, deferida em janeiro.
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