Arafat: O Irredutível (Editora Planeta, 2004) é uma obra que merece ser revisitada repetidas vezes, sobretudo por aqueles que se dedicam ao estudo do Oriente Médio ou estão profundamente engajados com a causa da libertação da Palestina. Este livro não é apenas uma leitura a ser recomendada, mas uma referência fundamental que deve estar sempre ao alcance, pronta para oferecer orientações e servir como uma fonte inestimável de consulta.
Antes de mergulharmos na análise detalhada do livro, é imprescindível destacar a relevância do prefácio, escrito por Nelson Mandela, cuja voz carrega uma autoridade moral incomparável. Mandela traça um paralelo incisivo entre o apartheid que assolou a África do Sul e o apartheid sionista imposto aos palestinos, ressaltando as semelhanças entre ambas as opressões sistêmicas. Mandela enfatiza que a luta pela liberdade e justiça na África do Sul permanece incompleta enquanto a Palestina continuar a ser oprimida, afirmando que a verdadeira emancipação de um povo está intrinsecamente ligada à libertação de todos os povos.
Este livro se distingue como a única biografia autorizada de Yasser Arafat disponível em português. A narrativa começa com uma discussão sobre as origens de Arafat, que alguns sionistas afirmam ser no Cairo, capital do Egito, alegação desmentida pelo biógrafo Amnon Kapeliouk, que confirma o nascimento do líder palestino na cidade de Jerusalém. Um detalhe curioso e simbólico é que o corpo de Arafat repousa atualmente em um túmulo sob as águas na Mukataa, em Ramallah, na Cisjordânia, sede de seu quartel-general, à espera do dia em que a Palestina seja libertada para que seus restos mortais possam ser transferidos a Jerusalém, conforme seu desejo expresso.
Escrito por Amnon Kapeliouk — jornalista experiente e profundo conhecedor das complexidades do Oriente Médio — este livro oferece uma análise meticulosa e detalhada da trajetória de Arafat, desde suas origens humildes até seu papel como líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). A obra aborda episódios cruciais como a Guerra dos Seis Dias, a formação de um Estado palestino dentro da Jordânia, a traição e os jogos de poder por parte dos governos árabes, a Guerra do Yom Kippur, além dos trágicos eventos de Setembro Negro e o massacre de Sabra e Shatila, contra refugiados palestinos no Líbano. Esses relatos são essenciais para se compreender a complexa ocupação israelense na Palestina.
LEIA: Contra o apagamento: Memórias fotográficas da Palestina antes da Nakba
Kapeliouk apresenta Arafat como um homem de paradoxos: um líder carismático, porém enigmático; suas decisões, frequentemente uma combinação de pragmatismo e inflexibilidade. A narrativa é rica em detalhes, fundamentada em uma vasta gama de fontes, incluindo entrevistas com figuras próximas a Arafat e documentos históricos de peso. Um dos aspectos mais notáveis desta biografia é a inclusão de numerosos trechos de discursos e falas de Arafat, que conferem à narrativa um tom íntimo e revelador.
A obra não se limita a retratar Arafat como um líder político; explora também sua vida pessoal e os desafios que enfrentou ao longo de décadas de conflito. Kapeliouk examina as relações de Arafat com outras figuras políticas, tanto aliadas quanto adversárias, e como ele navegou pelas águas turbulentas e voláteis da política no Oriente Médio. A biografia ilumina momentos decisivos da história palestina, com destaque especial para o período dos Acordos de Oslo e o papel crucial desempenhado por Arafat, junto ao primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, na condução das negociações. Este ponto é particularmente relevante, pois a biografia desafia a narrativa dominante de que as mediações de paz ocorreram exclusivamente sob intervenção dos Estados Unidos — visão frequentemente propagada por Israel em outras biografias e relatos historiográficos, salvo na biografia autorizada após o assassinato de Rabin por um extremista judeu durante uma manifestação em Israel em favor da paz, conforme relatado pelos editores do Jerusalém Post, cuja narrativa converge com a de Kapeliouk.
Entretanto, para aqueles que buscam uma leitura acrítica ou meramente elogiosa, este livro não atenderá a tais expectativas. Kapeliouk equilibra com maestria uma visão crítica e empática de Arafat. Ele não hesita em expor os erros e contradições do líder palestino, mas também reconhece suas contribuições significativas e sua inabalável determinação em lutar por um Estado palestino independente. Essa abordagem multifacetada permite ao leitor compreender de maneira mais profunda as motivações e dilemas enfrentados por Arafat ao longo de sua vida, desmistificando as caricaturas de perfeição ou demonização que muitas vezes lhe são impostas.
Em suma, Arafat: O Irredutível é uma leitura indispensável para quem deseja entender a complexidade da figura de Yasser Arafat e o contexto histórico no qual ele atuou. Kapeliouk oferece uma biografia densa e repleta de detalhes, que não apenas ilumina a trajetória de Arafat, mas também lança luz sobre as tensões e desafios inerentes ao conflito israelo-palestino. Contudo, é importante notar que a última edição deste livro foi publicada em 2004, o que torna a obra difícil de encontrar em livrarias ou sebos. Infelizmente, as poucas cópias disponíveis costumam ser caras.
LEIA: Operação Belém: Em busca de embaixadores para a cidade palestina
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.