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Além dos contratos militares: quais são os acordos do Brasil com Israel na educação?

Manifestaçáo poopular estudantil leva ao cancelamento da Feira das Universidades Israelenses 2023 na Unicamp [ Frente Palestina SP]

O governo federal brasileiro, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) possuem quinze convênios e acordos científicos com Israel, segundo uma apuração da reportagem. O governo federal do Brasil mantém sete acordos científicos com Israel, a USP possui sete convênios e acordos com universidades israelenses, enquanto a UFMG possui três.

As informações foram colhidas de um levantamento do Ministério de Relações Exteriores (MRE) e de uma apuração no departamento internacional das universidades.

Algumas das universidades conveniadas possuem laços históricos com o Exército de Israel e o movimento sionista. Os acordos foram mantidos em vigência apesar do genocídio realizado por Israel na Faixa de Gaza e dos apelos do povo palestino para o rompimento de relações.

A reportagem solicitou o posicionamento dos reitores das universidades e do ministro da Ciência e Tecnologia sobre a vigência, mas não obteve respostas.

Acordos 

Cinco dos acordos do governo federal são de “Cooperação Científica e Tecnológica”, um de “Cooperação Técnica” e um de “Energia Nuclear”. O primeiro contrato foi assinado em 1962, intitulado “Acordo Básico de Cooperação Técnica entre o Governo dos Estados Unidos do Brasil e o Governo de Israel”.

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Os termos do acordo, ainda em vigência, preveem desde o intercâmbio de técnicos e cientistas até a organização de seminários e programas de treinamento, “o estudo conjunto de projetos experimentais, de qualquer natureza, e sua realização conjunta ou com a eventual participação de terceiro país ou entidade internacional, nos termos e condições que forem ajustados” e “quaisquer outras atividades de cooperação técnica e científica a serem acordadas entre os dois Governos”.

Três novos acordos foram firmados em 1963, 1966 e 1973. Depois houve um hiato até que outros documentos foram assinados em 2007 e 2009. Outro acordo, de 2019, está em fase de promulgação no MRE. Ele acorda o objetivo de “desenvolver, facilitar e maximizar a cooperação entre instituições científicas e tecnológicas de ambos os países”.

A colaboração pode ir desde a pesquisa científica e tecnológica básica e aplicada até a troca de recursos científicos, com implementação de iniciativas como projetos, oficinas e treinamentos conjuntos. Dentre os termos está também a maior facilidade para entrada de pessoas, materiais, dados e equipamentos usados nesses projetos conjuntos.

No âmbito das universidades, a USP possui dois acordos de cooperação e quatro convênios acadêmicos vigentes com universidades e institutos israelenses. São eles a Hebrew University of Jerusalem (HUJI), a Ariel University, a University of Haifa, a Jerusalem School of Business Administration (ligada à HUJI) e o Consulado Geral de Israel em SP. Já a UFMG possui dois acordos de cooperação e um convênio de intercâmbio com as Hebrew University of Jerusalem e a United Hatzalah of Israel.

Fundadores sionistas e acordos militares

Algumas dessas universidades possuem vínculos históricos e profundos com o sionismo. A principal é a Hebrew University, ou Universidade Hebraica. A primeira unidade da Huji foi fundada no Monte Scopus, em 1918, e concentrou os primeiros sionistas que foram da Europa para o Oriente Médio.

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Um dos fundadores da universidade, Patrick Geddes, era conhecido pelas suas posições antiárabe. “Qualquer olho ocidental pode ver que os árabes são sujos, desarrumados e, em muitos aspectos, degenerados”, disse Geddes em uma carta. Até hoje, o campus da Universidade é decorado com mensagens sionistas.

A instituição ainda mantém laços vivos com o apartheid. Além de estar cercada por um checkpoint que divide a universidade da vila palestina de Issawiya, e que impede os estudantes palestinos de comparecerem às aulas, a Huji desenvolve projetos de tecnologia militar junto do Exército israelense.

Desde 2019, a Huji sedia o programa Havatzalot, um treinamento de elite das Forças de “Defesa” de Israel direcionado a treinar oficiais de inteligência. O programa é composto por uma graduação de duplo-diploma de três anos na unidade da Huji de Jerusalém, a mesma com a qual a USP e a UFMG têm relações.

Depois de formados, os oficiais vão trabalhar a Inteligência Militar de Israel, a Aman, criada em 1950 por paramilitares da milícia sionista Haganah. Antes de 2019, quem sediava o programa era a Universidade de Haifa, também conveniada com a USP.

A Huji também sediou no campus de Jerusalém um evento de recrutamento para a Associação de Segurança de Israel, a famosa polícia secreta sionista conhecida como Shin Bet, envolvida em casos de tortura e execuções e condenada pela ONU. A informação foi denunciada pelo movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS).

Em 2018, a Universidade de Haifa ganhou um concurso para organizar cursos superiores aos militares sionistas da Escola de Defesa Nacional, Escola de Comando e Estado-Maior e Escola de Comando Tático. A ideia da instituição era encontrar uma forma de permitir que os militares conseguissem cursar uma graduação ao mesmo tempo que exercessem o serviço militar.

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“Graças ao programa da Universidade de Haifa, [os militares israelenses] seriam capazes de prender palestinos sem julgamento, ordenar bombardeios de bairros civis e estabelecer critérios arbitrários para os postos de controle, mas ainda encontrar tempo para ouvir lições e fazer testes”, denuncia o BDS.

Repressão ao ativismo pró-palestina

As universidades também mantém uma política de repressão firme contra demonstrações de apoio ao povo palestino.

Esse ano, a Universidade de Haifa suspendeu, no dia 1° de janeiro, oito alunos sob a acusação de que eles teriam apoiado o partido político patriótico da Palestina, o Hamas, em publicações nas redes sociais.

Tanto a HUJI quanto a Universidade de Haifa promovem ou sediam, junto de várias outras instituições acadêmicas em Israel, um movimento de boicote ao boicote. Em 2015, a HUJI sediou uma conferência do Instituto Truman intitulada “BDS: Por que eles estão boicotando Israel?”.

Um ano depois, a Divisão para Desenvolvimento Externo e de Recursos da Universidade de Haifa anunciou que seus membros estavam buscando desenvolver formas de contornar o movimento de boicote.

Conquistas

Desde o 7 de outubro, mobilizações estudantis pró-Palestina cresceram pelo mundo. Em 2024, movimentos de ocupação de universidades se espalharam pelos Estados Unidos e Europa, junto de manifestações estudantis por todo o mundo.

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A pauta central das mobilizações é o rompimento de relações com as universidades israelenses, acompanhado do desinvestimento dessas instituições.

Em fevereiro, cinco universidades norueguesas cortaram laços com três universidades israelenses diferentes. Uma delas jurou não realizar novas colaborações. Isso ocorreu depois de mobilizações da União de Estudantes Noruegueses e o Senado Estudantil da Universidade de Oslo.

Na Irlanda, estudantes também forçaram a Trinity College Dublin a romper relações com instituições israelenses.

Demanda urgente 

Essas mobilizações seguem os chamados do povo palestino. Em novembro do ano passado, 15 grandes universidades palestinas se uniram para apelar que os povos do mundo isolassem as universidades israelenses.

 

Eles denunciam que Israel destruiu universidades como a Universidade Islâmica de Gaza e a Universidade Al-Azhar e causou a “morte maciça” de “estudantes, professores e funcionários”.

Eles complementaram que “também consideramos as universidades israelenses responsáveis, pois elas têm sido indispensáveis para o regime de opressão colonial e apartheid dos colonos, cúmplices de graves violações dos direitos humanos, incluindo o desenvolvimento de armamentos, doutrinas militares e justificativas legais para o ataque indiscriminado e em massa aos palestinos”.

Por isso, eles consideram o isolamento das universidades pela comunidade científica um “dever intelectual”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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