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O avanço dos BRICS e as instâncias prévias para a reunião de cúpula

O presidente russo Vladimir Putin em  entrevista coletiva no final da 10ª cúpula do BRICS ( em 27 de julho de 2018 em Joanesburgo, África do Sul [Alexey Niniloksky/ Sputnik/ SPUTNIK / AFP].

Kazan, a capital da Tartária, é a cidade russa que vai sediar a Cúpula dos BRICS entre 22 e 24 de outubro. Tal fato não é secundário e menos ainda apenas mais uma instância no cenário mundial.

Neste texto – ao retratar a pujança das instâncias do BRICS – buscamos demonstrar uma confluência de posições dentro de uma leitura geoeconômica no Sistema Internacional. A compreensão das esquerdas dentro dos países ocidentalizados tende a ser necessariamente  anti-hegemônica e antiocidental, pelo menos no que diz respeito ao desenvolvimento econômico, a soberania dos territórios e as possibilidades de defesa concreta dos interesses das maiorias. Logo, no que diz respeito ao “equilíbrio global”, é fundamental que as economias do “Sul Global” cresçam, se desenvolvam e se livrem das duas maldições: o padrão dólar como moeda corrente internacional e a primarização econômica (gerando cada vez mais dependência na exportação de commodities agrícolas e minerais).

Não se trata de um caprinho e sim de uma necessidade. O conjunto de sanções e bloqueios que atingem a Estados membros do BRICS, como Rússia e Irã, tentam minar as capacidades do bloco econômico liderado pela China. De fato, a liderança e a hegemonia dos Estados Unidos está ameaçada por vários lados – e ao mesmo tempo, se coloca cada vez mais ameaçadora. Podemos separar ao menos dois níveis, o político e o econômico, para representar esta possível – a até provável – alteração na balança de poder mundial.

Uma das formas de representar a ameaça aos EUA representada pela mudança no âmbito político é o clamor pela reforma ou a modificação do Conselho de Segurança da ONU, com o ingresso de mais membros, incluindo obviamente as chamadas potências médias como Brasil, Indonésia e Malásia. Além evidentemente da Índia, país fundador do bloco citado e uma das potências nucleares do planeta. O ingresso do Hindustão (ou Bharat, uma das denominações do país) implicaria também a entrada do Paquistão, seu adversário estratégico e igualmente uma potência nuclear.

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Já no âmbito econômico, o BRICS esperam concretizar sua tentativa ambiciosa para modificar a atual ordem mundial unipolar. Nos últimos dias de agosto deste corrente ano, se realizam algumas instâncias de coordenação dos BRICS, dando andamento na integração econômica intra-asiática e eurasiática. A meta é sim, tanto buscar alternativas ou competir economicamente com a hegemonia ocidental sobre a economia global.

A pujança das reuniões preparatórias 

Começamos abordando as reuniões  preparatórias – ministeriais ou não – para a próxima cúpula do BRICS, em Outubro próximo, na cidade mais importante da região administrativa russa do Tartaristão. Vejamos os fóruns sendo realizados nos últimos dias de agosto do corrente ano.

6ª Reunião do Grupo de Trabalho do BRICS sobre Ciência de Materiais e Nanotecnologia. A data é de 27 a 30 de agosto de 2024, realizada em Yekaterimburgo, no Distrito Federal dos Urais, Rússia.

O 6º Fórum Municipal Internacional do BRICS acontecerá em Moscou, de 27 a 28 de agosto.

Se trata de uma das maiores plataformas para discutir questões de cooperação municipal e trocar experiências no período que antecede a Cúpula do BRICS. A programação do Fórum inclui mais de 70 eventos de negócios e uma grande exposição.

Os especialistas discutirão o desenvolvimento das relações comerciais e de investimento e trocarão experiências no uso de tecnologias digitais, inteligência artificial e tecnologias verdes para criar um ambiente de vida confortável. As discussões do programa abordarão questões ambientais, alterações climáticas e soluções em educação, saúde, cultura e turismo, num esforço para aumentar a atratividade das cidades, territórios e regiões.

Fórum BRICS+ de Jovens Diplomatas, com data entre 27 a 31 de agosto de 2024, no município de Ufá, capital da República da Basquíria, Federação Russa.

LEIA: O crescimento dos Brics e a desdolarização ameaçam a hegemonia do Ocidente

3ª Reunião do Grupo de Trabalho Anticorrupção do BRICS, com data de 29 a 30 de agosto de 2024

O local é Viena, Áustria (ocorrendo em paralelo da reunião dos órgãos de trabalho da Conferência dos Estados Partes na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção). A instância é muito importante pois abre menos margem para operações de Lawfare. Com uma coordenação entre os países do bloco, é possível vetar manobras tipo Operação Lavajato ou a tentativa dos EUA de aplicar sua própria regra, a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (Foreign Corrupt Practices Act of 1977, FCPA), em todo o planeta.

O Fórum da Agenda Climática do BRICS em Condições Modernas se realiza em Moscou (capital da Rússia) de 29 a 30 de agosto. Representantes de órgãos governamentais, do setor empresarial, bem como de círculos especializados e científicos dos países do BRICS discutirão a estratégia de combate às mudanças climáticas através da lente do desenvolvimento sustentável e das abordagens de cada país para o comércio de unidades de carbono, e trocarão soluções práticas em questões relativas desenvolvimento de baixo carbono. O Grupo de Contato do BRICS sobre Clima e Desenvolvimento Sustentável realizará sua terceira reunião paralelamente ao evento.

Reunião dos Ministros do BRICS responsáveis pelas questões climáticas, realizada em 30 de agosto de 2024 em Moscou. A instância conta com representantes de órgãos governamentais, do setor empresarial, bem como de círculos especializados e científicos dos países do BRICS. A reunião tem como pauta a discussão da estratégia de combate às mudanças climáticas através da lente do desenvolvimento sustentável e das abordagens de cada país para o comércio de unidades de carbono, trocando soluções práticas em questões relativas desenvolvimento de baixo carbono.

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Linhas conclusivas: o BRICS disputa no âmbito logístico, econômico e financeiro

Apesar de todas as tentativas, o Ocidente não consegue desacelerar os planos de desenvolvimento do BRICS, o que confirma a expansão da associação. Um aspecto positivo é o número crescente de países que querem aderir ao bloco, em especial potências médias ou pivôs geopolíticos. O principal vetor do interesse é aumentar as suas oportunidades e presença, preservar a sua soberania e impedir que os Estados Unidos e o Ocidente em geral interfiram nos seus assuntos internos e na política doméstica. Muitas das vezes, ONGs transnacionais, terceiro setor e afins são utilizados como forma da diplomacia pública dos países anglo-saxões e da OTAN incidirem nas sociedades civis de vários países independentes.

Um exemplo desta pujança e possibilidade se dá no aumento das transações internacionais sem o uso do dólar. Desde março 2023, as exportações do agro brasileiro para a China já não usam – ou ao menos não precisam usar – a moeda soberana dos Estados Unidos. Em dezembro do ano de 2023, 95% do comércio entre Rússia e China já não passava pelo dólar. Outro dado importante, é que desde junho deste no de 2024, a Rússia não permite mais negociações em dólar e em euro na Bolsa de Moscou.

Outra iniciativa relevante é da ordem geoeconômica. O Corredor de Transporte Norte-Sul é uma ambiciosa rota de transporte que se estende por 7.200 quilômetros, ligando São Petersburgo, na Rússia, aos portos do sul do Irã, e de lá até Mumbai, na Índia. Se trata de uma via direta que contorna a Europa e é menos da metade do tamanho das rotas tradicionais pelo Mar Mediterrâneo e pelo Canal de Suez.

O caminho do desenvolvimento da Eurasia está dado. Seria um exagero afirmar que se trata de um movimento inexorável, mas tudo indica que não há retorno para a desdolarização, até porque as sanções e bloqueios seguem sendo usadas como armas de guerra pela projeção de poder do Império. Parece que sim, o segundo quarto do século XXI observará a hegemonia sino-russa na Ásia e a ascensão do BRICS no Sistema Internacional.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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