Por que excluir os palestinos ao falar da Palestina?

Manifestação estudantil em solidariedade a Gaza, com cartazes e bandeiras, em frente à Casa Branca, em Washington D.C, capital dos Estados Unidos, em 24 de maio de 2024 [Celal Güneş/Agência Anadolu]

O chefe de política externa da União Europeia, Josep Borrell, reiterou mais de uma vez recentemente a importância de um cessar-fogo na Faixa de Gaza sitiada a fim de evitar uma “guerra completa” no Oriente Médio. As conversas de cessar-fogo começaram no intuito de levar assistência humanitária a Gaza. As razões, no entanto, se distanciaram de Gaza tanto quanto possível. Ou ainda, mesmo quando relacionadas ao enclave, seus efeitos parecem desprezíveis.

Por exemplo, os apelos de Borrell por um cessar-fogo de apenas três dias para realizar uma campanha de vacinação contra a poliomielite. E depois? Israel poderá retomar os bombardeios e continuar a criar condições para o surto de doenças. Poderia um cessar-fogo ser o primeiro passo para parar o genocídio? Diplomatas diriam que não é realista. Uma pausa de três dias, por outro lado? É até possível, quem sabe viável, e sobretudo lucrativa para o paradigma humanitário — enquanto mantém o número de palestinos alto o bastante para que Israel siga com seus massacres.

Borrell alertou — enfim — para as operações de Israel em caráter similar contra o povo palestino na Cisjordânia. “A campanha militar israelense de larga escala na Cisjordânia ocupada não deve compreender as premissas para uma extensão da guerra em Gaza, incluindo destruição total”, alegou o diplomata na plataforma de rede social X (Twitter). “O paralelo feito pelo ministro [de Relações Exteriores, Israel] Katz — em particular, no que diz respeito a evacuar os residentes palestinos — ameaça alimentar instabilidades ainda maiores na região”.

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Os comentários se deram em resposta aos apelos do chanceler israelense para tratar as cidades e aldeias ocupadas da Cisjordânia “da exata mesma maneira com que lidamos com a infraestrutura terrorista [sic] na Faixa de Gaza, incluindo evacuação temporária [sic] de civis palestinos e outras medidas requeridas”.

Israel lançou nesta semana uma grande incursão sobre a Cisjordânia, sobretudo contra as cidades de Jenin, Tulkarem e Tubas e seus arredores. A rede internacional Al Jazeera descreveu a ofensiva como a maior desde 2002. O exército israelense fez uso de aviões de guerra, drones e tratores, deixando um rastro de destruição na infraestrutura civil. Estima-se dezenas de mortos e outras dezenas de feridos pela incursão. A narrativa do regime colonial israelense é a mesma de sempre: de que “opera para desmantelar uma rede terrorista [sic] apoiada pelo Irã [sic], sendo construída na Cisjordânia”.

Pelo contrário, à medida que o foco permanece em Gaza — e não necessariamente de uma forma construtiva —, Israel concede a si mesmo uma oportunidade para destruir segmentos inteiros da Cisjordânia a fim de enfraquecer tanto uma resistência legítima quanto toda a sociedade, para subjugá-la a sua brutal ocupação militar.

Desde 7 de outubro, Israel matou ao menos 650 palestinos na Cisjordânia ocupada. Em dezembro do último ano, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pregou ao público que tanto Hamas quanto a Autoridade Palestina — instituição radicada em Ramallah, conforme acordo com a ocupação — teriam como objetivo “destruir Israel”; esta, “em estágios”. Não é segredo que a Autoridade Palestina não tem qualquer poder para destruir Israel. Contudo, para a narrativa israelense, qualquer entidade palestina, ou ainda qualquer palestino ou ativista solidário, não passa de um inimigo. Netanyahu também descreveu recentemente a Cisjordânia ocupada como “parte de nossa pátria”, ao declarar orgulhosamente à revista TIME: “Pretendemos ficar ali”.

Mas como é que os colonos sionistas acabaram na Cisjordânia em primeiro lugar?

A história se repete— muito embora a comunidade internacional insista em limitar sua visão ao tempo presente, da forma mais desconexa e alienada possível à realidade em campo. O que vai acontecer quando Israel intensificar de vez os seus ataques nas terras ocupadas da Cisjordânia e de Jerusalém; quando o deslocamento à força, na escala de milhões, normalizado nos últimos dez meses, alcançar a mesma escala que vemos em Gaza? A falácia de duas áreas separadas desmorona, mas são os palestinos que ficam debaixo dos escombros, sob a responsabilidade de todo o mundo.

Portanto, à medida que diplomatas continuam a falar do povo palestino somente para marginalizá-lo, cabe um lembrete de que narrativas como essas servem apenas como apoio e alicerce aos planos israelenses de genocídio e limpeza étnica das comunidades nativas. Se isso se faz ao tomar como foco uma turbulência regional — sem abordar os palestinos e sua tragédia, especificamente —, ou promessas insustentáveis de cessar-fogo — que não fariam sentido sequer para a quinta série — a agenda global continua sendo o esquecimento. Enquanto isso, os palestinos são mortos, tanto no mundo real quanto na memória e na história que é contada.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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