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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Netanyahu e Gallant mantêm embates, Israel vê governo dividido

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, realizam coletiva de imprensa na base militar de Kirya, em Tel Aviv, em 28 de outubro de 2023 [Abir Sultan/AFP via Getty Images]

Uma discussão em público entre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, sobre a guerra em Gaza é a última de uma de uma série de confrontações entre ambos que põem em dúvida a unidade e o futuro do governo.

Netanyahu voltou ao poder em dezembro de 2022, ao formar uma coalizão de belicistas, fundamentalistas e supremacistas, que, embora hostis aos palestinos, divergem ora em métodos, ora em detalhes do dia a dia.

Embates se tornaram mais claros e frequentes após 7 de outubro, quando o grupo Hamas atravessou a fronteira, capturou colonos e soldados e minou a sensação de segurança e dissuasão do Estado colonial israelense.

Desde então, Israel investe em uma campanha de punição coletiva contra Gaza, incluindo um cerco absoluto imposto por Gallant — sem comida, água e medicamentos —, ataques por terra e bombardeios indiscriminados.

O enclave está em ruínas, com ao menos 40 mil mortos e 90 mil feridos, e os parceiros em disputa — Gallant e Netanyahu — compartilham a espera por um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, requerido em maio pelo promotor-chefe, Karim Khan.

Na segunda-feira (2), Netanyahu declarou que ambos podem trabalhar juntos “desde que haja confiança”, ao insistir que todos os ministros têm de acatar às decisões do gabinete. “É isso que está sendo testado”, acrescentou o premiê em coletiva de imprensa.

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Netanyahu descartou sugestões de Gallant e veteranos do exército para aceitar a retirada das tropas israelenses do chamado Corredor da Filadélfia, na fronteira entre Gaza e Egito, como preço para um acordo de cessar-fogo e troca de prisioneiros com o Hamas.

Discussões eclodiram reiteradas vezes entre Netanyahu e Gallant, que chegou ao ranking de general após 35 anos de carreira na Marinha ocupante.

Embora agressivo em questões de segurança e abertamente racista — ao caracterizar os palestinos como “animais humanos” —, Gallant é crítico da retórica do premiê de “vitória total” em Gaza, que rejeitou como “absurda”.

Ainda assim, a geometria de ângulos tortos da política israelense desde antes da ofensiva em Gaza os manteve unidos, sem que Netanyahu exonerasse seu ministro ou que Gallant meramente se demitisse, como outros fizeram.

No ano passado, durante protestos de massa para conter um avanço de Netanyahu sobre os poderes da Suprema Corte, Gallant dissidiu, ao censurar o plano como razão para uma série de divisões sociais que punham em risco a própria segurança nacional.

Netanyahu ordenou sua saíde, mas voltou atrás quando israelenses tomaram as ruas nos maiores protestos da história do país.

Gallant — na política há dez anos — tampouco pretende sair.

“Para Gallant, o papel de sua vida é o que está fazendo agora, como ministro da Defesa, naquela que ele vê como a mais importante guerra desde a Independência [sic]”, explicou Gayil Talshir, especialista da Universidade Hebraica de Jerusalém, ao usar a nomenclatura sionista para a Nakba, ou catástrofe, de 1948, quando 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras mediante limpeza étnica, para permitir a criação de Israel.

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“Não tem chance alguma de que ele saía”.

Os embates se devem também à estrutura da coalizão, que depende dos ministros linha-dura Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional), conhecidos por ações inflamatórias e que ameaçam derrubar o governo em caso de cessar-fogo.

Netanyahu, por sua vez, pondera que a queda do governo seria o fim de sua longa carreira política, podendo levá-lo até mesmo à prisão por seus três processos por corrupção que correm na Justiça israelense.

Como manifestação do mal-estar no gabinete, em sua coletiva de imprensa na segunda, o premiê afirmou que suas tropas encontraram um bilhete de um suposto comandante do Hamas com a mensagem: “Aplique pressão psicológica sobre Gallant”.

Responsabilidade

Os recentes embates sucedem um anúncio do exército israelense de que encontrou seis corpos de prisioneiros de guerra em Gaza, após 11 meses de campanha.

Expectativas de mobilizar apoio em casa logo caíram por terra, com novas manifestações em Israel por um acordo de troca de prisioneiros — uma das propostas de Gallant. Para o ministro, embora seja tarde demais para muitos reféns, outros ainda em cativeiro podem enfim regressar a suas famílias.

Como Netanyahu, a carreira de Gallant sofreu um golpe com a captura dos 253 colonos e soldados em 7 de outubro, dos quais muitos morreram nos meses seguintes sob ataques aéreos indiscriminados de Israel.

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Dois dias depois, Gallant disse que Gaza pagaria um preço “que mudaria a realidade por gerações”. Foi então que impôs seu cerco ilegal e descreveu os 2.4 milhões de palestinos no enclave como “animais humanos”.

Netanyahu ecoou a desumanização, ao lançar a campanha por terra, no final de outubro, sob a declaração de uma “guerra santa contra as crianças das trevas”.

Suas falas serviram de prova ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, ao aprovar a denúncia de genocídio da África do Sul contra o Estado de Israel, em janeiro, junto de medidas cautelares por desescalada e fluxo humanitário.

Desde então, Gallant parece mais cauteloso que Netanyahu, ao pedi-lo para produzir um plano do pós-guerra e rechaçar qualquer implicação de que seu exército prevaleceria em Gaza como potência ocupante.

A guerra em Gaza continua, sem um fim no horizonte, somando-se a alertas altíssimos de propagação da guerra em âmbito regional, com disparos contra o Hezbollah no Líbano e outros núcleos nacionais na Síria, Iraque e Iêmen.

Em agosto, Gallant reconheceu a possibilidade de que ele e Netanyahu sofram inquérito, ao tocar em um ponto sensível na política israelense sob as acusações internacionais. O premiê, em contrapartida, rejeita qualquer responsabilidade.

“Gallant sabe que vai cair”, observou Talshir. “Mas quer sair como um ministro da Defesa bem-sucedido, que deu a Israel fronteiras mais seguras”.

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