Ataques aéreos israelenses em uma suposta “zona humanitária” na região de al-Mawasi, em Khan Younis, sul de Gaza, mataram ao menos 40 pessoas na madrugada desta terça-feira (10), após atingirem ao menos 20 tendas que abrigavam palestinos deslocados.
Testemunhas reportaram à rede AFP que ao menos cinco mísseis caíram na área, criando crateras de nove metros de profundidade e causando incêndios generalizados.
O exército israelense utilizou sua justificativa de praxe para atacar civis, ao alegar se tratar de um centro de comando do grupo palestino Hamas “disfarçado de área humanitária” e insistir ter tomado “diversas medidas para reduzir a chance de danos civis, incluindo uso de armas de precisão, vigilância aérea e informações adicionais”.
“Alegações da ocupação fascista sobre a presença de elementos da resistência na área alvejada são uma mentira gritante”, contestou o Hamas.
O Departamento de Defesa Civil do enclave palestino confirmou que o exército israelense utilizou “mísseis pesados de concussão”, ao realizar “um dos massacres mais hediondos desde o início da guerra contra Gaza”.
Segundo o Monitor Euromediterrâneo, ong sediada em Genebra, as aeronaves israelenses lançaram ao menos três bombas MK-84, de fabricação americana, pesando 900 kg, sobre civis que dormiam por volta da meia noite.
A organização exigiu resposta internacional: “O silêncio e desdém de tais massacres sem precedentes na história das guerras é uma vergonha e representa luz verde para que Israel continue a cometê-las com claro intento de assassinato em massa e extermínio”.
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“Os Estados Unidos são parceiros nestes crimes, ao fornecer as bombas apesar de saber que são usadas para matar centenas de civis uma e outra vez”, acrescentou.
‘Crematórios nazistas’
Um Mahmoud, deslocada em al-Mawasi, reportou ver mulheres e crianças “em pedaços” após os bombardeios. “Estamos aqui há nove meses e nunca vimos um único membro da resistência entrar nessa área”, disse Mahmoud ao Middle East Eye.
Alaa al-Shaer, também refugiado, reiterou: “Estou com minha irmã, meus filhos e minhas filhas aqui. Vocês acham mesmo que eu colocaria entre eles alguém alvejado por Israel? Isso não faz sentido nenhum!”
Al-Shaer reforçou denúncias de que Israel conduz “genocídio contra nós”: “Os israelenses disseram ‘vão para lá, é uma área segura’, e é o que fizemos”.
Imagens e vídeos logo após os ataques registraram palestinos escavando com suas mãos em busca de entes queridos. A Defesa Civil reportou “famílias inteiras desaparecidas”. Ao nascer do sol, outros deslocados correram à área em apoio às ações de resgate.
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O acesso e a fuga, no entanto, foram obstruídos pelas crateras, para além dos temores de ataques israelenses às rotas ao redor do campo.
No Hospital Nasser, em Khan Younis, em uma mulher lamentou a morte de sua irmã, mãe de seis filhas e dois filhos: “Minha irmã foi morta, tinha 35 anos. Seu marido desapareceu quando os israelenses o levaram seis meses atrás. As crianças estão órfãos, sem mãe ou pai ou avós — ninguém”.
Os ataques desta terça foram condenados em uníssono por grupos nacionais palestinos. A Autoridade Palestina, radicada na Cisjordânia ocupada, culpou o apoio de Washington ao regime israelense pela chacina em al-Mawasi.
“É hora de Israel e dos Estados Unidos perceberem que toda a nossa região está prestes a explodir por conta de suas políticas que violam a legitimidade e a vontade internacional”, declarou Nabil Abu Rudeineh, porta-voz da Autoridade.
As Forças Nacionais e Islâmicas — aliança que inclui a maioria das facções palestinas — acusou Israel de transformar as tendas de refugiados em “crematórios nazistas”.
“Condenamos o massacre hediondo conduzido pelas forças sionistas contra inocentes e indefesos em al-Mawasi, com imensas bombas americanas, que levaram ao campo um verdadeiro holocausto nazista”, destacou o bloco em comunicado.
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Quase a totalidade da população de 2.4 milhões de pessoas em Gaza sofreu sucessivos deslocamentos devido ao genocídio. Muitos fugiram a “zonas humanitárias”, conforme a designação de Israel, sobretudo no sul do enclave.
As áreas supostamente seguras foram continuamente reduzidas ao longo da campanha, ao aglomerar centenas de milhares de famílias em apenas 11% do pequeno território, de acordo com estimativas das Nações Unidas.
Ataques a zonas protegidas são comuns. Em agosto, ao menos cem pessoas morreram e dezenas se feriram sob disparos israelenses à escola al-Taba’een, na Cidade de Gaza, que abrigava cerca de seis mil deslocados pela guerra.
Israel mantém sua ofensiva indiscriminada a Gaza desde outubro de 2023, deixando mais de 40 mil mortos e 95 mil feridos, além de 11 mil desaparecidos — provavelmente mortos sob os escombros. A população está ainda sob cerco — sem comida, água, eletricidade e medicamentos.
O Estado israelense é réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, sob denúncia sul-africana deferida em janeiro, e age em desacato de medidas cautelares por desescalada e fluxo humanitário.
As ações de Israel constituem crime de guerra e contra a humanidade, incluindo limpeza étnica e punição coletiva.
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