Especialistas alertaram que milhões de palestinos em Gaza estão respirando ar poluído, em níveis tóxicos, que representam uma “sentença de morte”, informou em reportagem a agência de notícias Anadolu.
Centenas de milhares de pessoas no enclave sitiado, sob bombardeios de Israel, sofrem atualmente com doenças respiratórias. Médicos advertem que a escala do problema deve se agravar, à medida que os projéteis israelenses continuam a dispersar químicos no ar, somados à poeira dos escombros que cobrem Gaza.
A extensão da crise, contudo, só se tornará clara com a restauração do sistema de saúde, em colapso por ataques diretos e cerco ilegal que impede a chegada de insumos básicos. Os poucos hospitais remanescentes de Gaza carecem de meios para conduzir exames ou realizar tratamentos.
O Dr. Riyad Abu Shamala, otorrinolaringologista radicado em Gaza, apontou aumento nas doenças congênitas no futuro próximo, além de casos de câncer do pulmão — a serem confirmados com a eventual retomada de exames de radiologia, ressonância magnética, tomografia e outros.
“A situação geral deve piorar ainda mais com a contínua deterioração das condições de vida, incluindo o aumento na poluição, falta de saneamento e contaminação da água e do ar”, reiterou Abu Shamala.
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Desde outubro último, quando Israel deflagrou seu genocídio em Gaza, foram registrados 995 mil casos de infecções agudas no trato respiratório entre os palestinos, conforme os dados compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Problemas respiratórios se somam a doenças graves como hepatite A, difteria e mesmo poliomielite, cujo primeiro caso em 25 anos foi diagnosticado em um bebê de dez meses no último mês.
Segundo Abu Shamala, a crise de doenças respiratórias em particular emana exatamente da “poluição do ar causada por poeira, destroços e químicos lançados pelas explosões e destruição dos edifícios”.
Outro poluente, observou o médico, é o óleo vegetal adotado como substituto ao diesel pela população, forçada a improvisar recursos devido ao cerco militar absoluto instituído por Israel há quase um ano.
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As condições de vida em Gaza se agravam pela superlotação dos campos improvisados a famílias deslocadas sucessivas vezes, com milhares de tendas instaladas perto de pilhas de lixo e esgoto a céu aberto.
Desde outubro, Israel lançou mais de 70 mil toneladas de bombas em Gaza, deixando 40 milhões de toneladas de escombros por todo o enclave.
A população tem ainda sua imunidade debilitada pela epidemia de fome e desnutrição — também oriunda do cerco instituído por Israel.
São ao menos 41 mil mortos, 94 mil feridos e dois milhões de desabrigados pelas ações israelenses, fora baixas indiretas que podem acumular 186 mil mortes segundo estudo da revista Lancet.
De acordo com Abu Shamala, Gaza registra aumento nos casos de asma crônica e aguda, bronquite, pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), sarcoidose e mesmo câncer de pulmão.
Sintomas como tosse, dificuldades para respirar, catarro — incluindo sangue — e chiado se tornaram comuns, acrescentou o especialista.
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Yara Asi, professora da Escola de Informação e Gestão de Saúde Global da Universidade do Centro da Flórida, crê, no entanto, que os índices sofrem subnotificação: “É muito pior do que temos ciência porque há inúmeras pessoas em suas casas ou abrigos sem acesso a médicos ou hospitais, para que digam quais são seus problemas”.
“Há milhares de toneladas de destroços e poeira e as pessoas não têm ferramentas para limpá-las”, observou Asi. “Não há maquinário e não há máscaras adequadas — elas estão simplesmente caminhando e respirando por esse ambiente”.
A professora reportou ainda que equipes da Defesa Civil operam literalmente nas ruínas, ao conduzir escavações e resgates sem equipamentos adequados para proteção. “Isso, é claro, exacerba as doenças respiratórias”, enfatizou.
Segundo Asi, o tabagismo costuma ser a maior causa de DPOC, mas Gaza é um problema distinto: “Não se trata de uma população de fumantes, mas sim uma população que vive entre as ruínas … com poeira, fumaça e químicos por toda a parte”.
Outra questão, de acordo com a Asi, é a tática de guerra adotada, sobretudo bombardeio indiscriminado a áreas civis com projéteis carregados de toneladas de explosivos. “Vimos algo assim na Síria, mas, na maioria dos casos, salvo áreas sob cerco, as pessoas podiam escapar. Em Gaza, elas estão presas”.
É um tipo de crise de saúde sem precedentes, em diversos sentidos.
Sequelas de longo prazo
Para a especialista, os problemas de saúde em Gaza “transcorrerão ao longo dos anos [e] teremos de achar um jeito de administrar e lidar com a matéria”.
Asi advertiu que doenças respiratórias podem deixar sequelas de longo prazo, sobretudo em bebês, crianças, idosos, imunodeficientes, pacientes oncológicos e grávidas. “É algo especialmente perigoso a crianças cujos corpos, pulmões e sistemas imunológicos ainda estão em desenvolvimento”.
Após os ataques nucleares de Hiroshima e Nagasaki, realizados pelos Estados Unidos, no final da Segunda Guerra Mundial, casos de câncer e anomalias genéticas procederam por décadas, recordou a professora. O mesmo, para a guerra do Iraque.
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“Vimos maior incidência de câncer e outras doenças, em particular em crianças nascidas nesses ambientes”, observou Asi. “Gaza é mais um desse cenários de desastre ambiental e destruição total no qual crianças estão nascendo e crescendo”.
Asi se sente frustrada pelo fato de que a maioria das doenças que assolam os palestinos são de fácil prevenção ou cuidado. “Temos tratamento e vacina para a maioria delas. Mas tudo isso já era — ou nunca foi — por conta do bloqueio israelense”.
A única maneira de acabar com o problema, a esta altura, seria um cessar-fogo e um esforço humanitário rigoroso e contínuo que inclua, em alguns casos, evacuar as pessoas mais vulneráveis de Gaza para que recebam os cuidados de que tanto precisam.
“A situação é uma verdadeira sentença de morte a muitas pessoas no futuro próximo ou mesmo imediato”, concluiu a especialista.
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